segunda-feira, maio 31, 2010

A caminho do Verão...

Os Vampire Weekend têm mais um teledisco para mais um tema do álbum Contra. A escolha recaiu sobre Holiday… A realização é assinada pelo colectivo The Malloys.

E depois de 'Little Britain'...

A equipa que criou Little Britain está a trabalhar numa nova série para a BBC. David Walliams e Matt Lucas vão criar um novo programa com acção que decorre num aeroporto. A série deverá estrear na rentrée.

Em conversa: John Grant (1)

Iniciamos hoje a publicação de uma entrevista com John Grant, sobre a edição de Queen Of Denmark, o seu primeiro disco a solo e que serviu de base ao artigo ‘A canção como forma de lidar com uma vida difícil’, publicada na edição de 22 de Maio do DN Gente.

Durante anos gravou com os The Czars, mas muitos dos discos passaram a leste das atenções. Sentia-se frustrado com a falta de reconhecimento?
Sim foi frustrante. E levou-me a querer desistir da música, e a pensar que a banda era um fracasso por minha culpa , porque não era suficientemente bom... Pensei que deveria fazer outras coisa. Regressar aos restaurantes, a servir à mesa... Voltei às aulas, para retomar estudos que havia deixado inacabados... Mudei-me para Nova Iorque por algum tempo... Mas na realidade a música é algo que acabamos nunca pode poder deixar totalmente. Continua a remover algo dentro da cabeça.

Essa falta auto-estima tem alguma relação com a educação que teve?
Parte dessa falta de auto-estima pode ter a ver com a forma como fui educado. Fui desenvolvendo esta idea que, se temos um certo orgulho em nós mesmos e naquilo que fazemos isso era, na verdade, uma expressão de vaidade. Ou seja, uma coisa má! E por isso nunca aprendi o que era ter auto-confiança. E auto-confiança não é o mesmo que arrogância. Mas não sabia ver as diferenças. E se sentia que algo era bom, então qualquer coisa má ia acontecer depois. Levei muito tempo a aprender a lidar com isso.

O presente reconhecimento de Queen of Denmark (que por exemplo somou cinco em cinco na revista Mojo) sugere, finalmente, uma ideia de realização?
Completamente. De certa maneira, havia algo em mim que me fazia saber que seria capaz de fazer este disco. Mas a verdade é que levei muito tempo a lá chegar. Custou-me encontrar o caminho... Era muito doloroso ser honesto sobre o que estava a passar. Estava a lutar com uma depressão há 20 anos. E há minha volta havia sempre gente a dizer que havia pessoas a passar por bem pior que eu... Mandava-os dar uma volta! Tentava ultrapassar, mas não era fácil. Porque as coisas pelas quais estava a passar eram mesmo reais. O reconhecimento deixa-me feliz. Quando estava a fazer o disco sentia que, finalmente, estava a fazer o álbum que queria fazer. Quando acabei o disco estava orgulhoso. E foi a primeira vez que disse a mim mesmo que, independentemente do que as pessoas dissesssem, eu sabia que tinha feito o que queria fazer. E ao ter esta atenção faz-me sentir muito bem. É bom!
(continua)

Novas edições:
Brendan Perry, Ark

Brendan Perry
“Ark”

Cooking Vinyl / Edel
3 / 5

Depois da primeira separação dos Dead Can Dance, Brendan Perry editou um primeiro álbum a solo. Agora, onze anos depois, e com um reencontro pelo meio com Lisa Gerrard (numa digressão mundial da qual resultaram gravações ao vivo com o grupo que o revelara nos oitentas), eis que edita finalmente um segundo álbum em seu nome. Neste período Brendan Perry pode não ter conhecido a agenda editorial nem a exposição que a sua velha parceira nos Dead Can Dance mereceu, mas na verdade nunca deixou de trabalhar com música, tendo concentrado parte do seu tempo na exploração dos ritmos, chegando mesmo a organizar vários workshops sobre tradições africanas e afroc-cubanas. Ark, o disco que o devolve à agenda dos novos lançamentos salta contudo sobre esta etapa recente na sua vida profissional, foge aos caminhos ensaiados em Eye Of The Hunter (o disco a solo, de 1999) e reencontra a identidade que ajudou a talhar nos Dead Can Dance. A voz, que desde logo serve uma ponte directa com memórias do velho grupo, não é contudo a única ligação evidente com o que toma como herança, propondo um alinhamento de canções feitas de uma melancolia cuidadosamente encenada para teclas ambientais e cordas, no departamento da arquitectura dos ritmos encontrando contudo mais afinidades com a escola trip hop que com a multidão de referências que explorara quer nos Dead Can Dance quer nos seus workshops. Ark está longe do que em tempos escutámos em Spleen and Ideal (1986), The Serpent’s Egg (1988) ou Aion (1990), mas ao menos não tropeça nas rasteiras new age em que entretanto mergulhou a obra da sua antiga parceira.

Pelo Ermitage: Matisse

São várias as obras de Henri Matisse na colecção do Museu Ermitage, de São Pesburgo, entre elas uma das “danças” (outra residindo no MoMA, de Nova Iorque). Ficamos contudo com este A Conversa, que data do período entre 1908 e 1912.

domingo, maio 30, 2010

Dennis Hopper (1936 - 2010)

Nascido para o cinema no fim do classicismo de Hollywood — estreou-se ao lado de James Dean, em Rebel Without a Cause/Fúria de Viver (1955), de Nicholas Ray —, Dennis Hopper simbolizou como poucos uma ideia mítica de individualismo "não-alinhado", em grande parte enraizado na contracultura dos anos 60/70 — vitimado por um cancro na próstata, faleceu em Venice Beach, Califórnia, no dia 29 de Maio, contava 74 anos.
Easy Rider (1969), na dupla qualidade de actor e realizador, é o título que condensa a sua herança. Escrito por Hopper e Peter Fonda, também protagonista, o filme relançou um espírito on the road, ao mesmo tempo resumindo o estado de espírito de uma América que já não conseguia acreditar nos seus heróis clássicos. Os melhores e mais emblemáticos papéis de Hopper seriam, alíás, de personagens instáveis, mais ou menos erráticas, por assim dizer ameaçadas pelo carácter paradoxal da sua própria energia — lembremos O Amigo Americano (1977), de Wim Wenders, Apocalypse Now (1979), de Francis Ford Coppola, e Blue Velvet (1986), de David Lynch. A sua condição de actor "difícil", nem sempre muito estimado pelos estúdios de Hollywood, levou-o a outros domínios de expressão, em particular a fotografia que praticou, com talento, desde meados dos anos 60. Out of the Blue (1980), retrato dramático de uma jovem perdida na sua teia familiar, será o melhor de Hopper enquanto realizador. A série televisiva Crash (2008-09) foi um dos seus derradeiros trabalhos como actor.

REBEL WITHOUT A CAUSE / Fúria de Viver (1955)

A celebração do ritmo

Depois de Beethoven, Mahler e Tchaikovsky (não esquecendo, pelo meio, a celebração da música contemporânea latino-americana em Fiesta), o maestro Gustavo Dudamel apresenta um novo disco com a Orquestra Sinónica Juvenil Simón Bolívar. Uma verdadeira celebração do ritmo, explorando a fundo o entusiasmo conhecido dos músicos da orquestra, o Rite (assim se apresenta o disco) junta A Sagração da Primavera de Stravinsky a La Noche de los Mayas, do mexicano Revueltas. Ambas as obras surgem em gravações captadas ao vivo, em Caracas (Venezuela), em Fevereiro deste ano.

A escolha das obras, convenhamos, faz todo o sentido no quadro da orquestra e maestro em questão. Celebração de vida com a Primavera por cenário e mesmo objecto, a obra de Igor Stravinsky (1882-1971) é hoje reconhecida uma das peças fundamentais da música do século XX e foi logo à altura da estreia sentida como a expressão de algo novo. Dudamel, que recorda experiências pessoais com esta obra de Stravinsky – seja num vídeo antigo de Bernstein ou num trabalho marcante com Simon Rattle, há já alguns anos, era ainda violinista e maestro assistente – reconhece que a noção de “nova era” que esta música revelou em 1913 é algo importante para os mais jovens (músicos ou espectadores). Na entrevista que acompanha o booklet, curiosamente, ressalva o facto de aqui se estar a viver sensações de Primavera através da interpretação de músicos de uma orquestra da Venezuela: “É claro que não temos Primavera na Venezuela, apenas verão”, graceja. Mais evidente, contudo, é a relação dos músicos com o ritmo (característica central desta obra). E como uma vez mais Dudamel frisa esta orquestra “tem o ritmo no seu sangue”… O acoplar desta obra de Stravinsky a La Noche de los Mayas de Silvestre Revueltas (1899-1940) não é fruto do acaso. Não só o compositor mexicano é por vezes descrito como o Stravinsky da América Latina, como esta sua obra convoca ideias de “rituais, dança e actos sacrificiais”, como descreve o maestro.

De visita ao Ermitage


É um dos mais antigos e maiores museus do mundo, acolhendo mais de três milhões de peças em colecções que ilustram várias etapas da história da arte, também com interesse pela antropologia. Situado em São Petesburgo, museu ocupa actualmente seis edifícios à beira do rio, entre os quais o Palácio de Inverno (uma antiga residência real). Dos seis edifícios apenas quatro estão parcialmente abertos ao público.

As origens das colecções do museu remontam ao reinado de Catarina II, no século XVIII. A czarina adquiriu uma colecção inicial com cerca de 300 peças, entre as quais obras de Rembrandt, Rubens ou Raphael. Uma nova ala foi então acrescentada à residência real para albergar a colecção que se expandiu nos anos seguintes às quatro mil peças. As colecções continuaram a crescer nos reinados seguintes.

Em 1852 um novo edifício, o Novo Ermirage, recebeu muitas das peças, abrindo as portas ao público. Em 1917, na sequência da revolução, as colecções do museu juntaram-se às obras de vários palácios reais. Algumas foram depois enviadas para outros museus, do célebre Museu Pushkin (em Moscovo) a outros, pelo país fora. Mais recente foi a criação de extensões permanentes, em cidades como Amsterdão, Khazan e Vilnius.

O museu acolheu há alguns anos a rodagem do filme A Arca Russa (foto em cima), de Sokurov, no qual somos levados a um percurso pelas salas dos vários edifícios, cruzando várias épocas da sua história. O filme mostra como o Ermitage actual junta às salas com as colecções de obras de arte outras que mostram como era a antiga residência dos czares.

Em conversa: Pedro Amaral (3)

Continuamos a publicação integral de uma entrevista com o compositor Pedro Amaral a propósito da ópera O Sonho, que serviu de base ao artigo 'Dar corpo a um sonho pessoano' publicado no DN a 3 de Maio.

A música dramática quase desapareceu no século XX... Houve uma má relação com a ópera?
Mais que um má relação há um mal entendido. Quando se chegou ao final da primeira metade do século XX, ao pós-guerra, a Europa estava em absolutas ruínas. E uma parte do pensamento musical estava também ele em ruínas. A linguagem musical no final dos anos 40 estava altamente individualizada. A prática de Weber tem pouco a ver com a de Stravinsky ou Prokofiev. A linguahem está por um lado extremamente individualizada, e por outro não há uma linguagem completamente coerente e unificada em nenhum compositor. Cada compositor tem aspectos da sua linguagem extremamente modernos e partes da sua linguagem extremamente ligados à tonalidade. Stravinsky, por exemplo, continuava a usar alegremente as formas clássicas, como aliás Webern e Shoenberg. Porém, Webern organizava serialmente toda a sua sintaxe. E Stravinsky tinha uma desconstrução rítmica completamente moderna. Mas nenhuma dessas linguagens era unificada. E era por outro lado altamente individualizada. Colocando-me no lugar de um compositor jovem, com 20 anos, naquele pós guerra em que tudo está em ruínas (e também o pensamento musical), que fazer?

E a resposta…
Só há uma maneira: construir a sua própria linguagem. E foi o que fizeram em Darmstadt. Passou-se até ao fim dos anos 50 por uma fase de depuração de uma linguagem que tem o seu quê de artificial, um pouco como Brasília, que foi apresentada nos anos 50. Que se fez do nada. Eles pegaram, como num laboratório, no melhor de Stravinsky (na desconstrução rítmica), a serialização weberniana, na forma múltipa de Debussy... E construiram em laboratório a sua linguagem... Ora isso era incompatível com a elasticidade da linguagem necessária para uma cena dramática. Os compositores não fugiram da ópera. Não fugiram de todo... Não praticaram ópera nos anos 50 não por não gostarem de ópera, mas porque estavam tão ocupados a trabalhar a sua linguagem que isso era simplesmente incompatível com uma linguagem suficientemente maleável para produzir ópera. A prova é que, assim que chegou ao fim a constituição da linguagem serial, nos anos 58/59, logo a seguir alguns compositores começaram imediatamente a trabalhar uma música dramática. É o caso de Luigi Nono, com o Intoleranza. O Luciano Berio, com uma peça electrónica concreta a partir da voz, com um texto com palavras que não existem. Mais tarde o Ligheti. O Stockausen logo a seguir a compor a sua obra mais serial delas todas, o Kontakte. E logo a seguir faz uma adaptação daquela música para o teatro. Logo, a tentação do teatro está lá. Não é um abandono. Por outro lado o teatro necessita de uma linguagem definida. Coerente e lógica e extremamente maleável.

Neste início de século está a haver uma produção intensa de ópera. É novamente um espaço musical que desafia o compositor?
Absolutamente! É um espaço absolutamente fascinante e de desafio para o compositor. Mas só podemos fazer isso porque, nas várias linguagens que praticamos, temo-las suficientemente estáveis para podermos operá-las, para operar um drama a partir delas. Quando é que Stockausen se lança realmente na ópera? É quando, primeiro, tem uma década de absoluta estabilização da linguagem, nos anos 50. Depois tem outra de completa experimentação acústica e formal. Depois ele pode reunir estas duas coisas. O rigor do serialismo (embora a chamar nomes diferentes, não série mas fórmula)... Vai pegar no elemento base da sua linguagem estável serial. E vai preparar esse rigor absoluto sintático com esta liberdade entretanto conquistada nos anos 60. E aí tem uma linguagem sufuicientemente maleável para fazer uma ópera. E produz logo sete de seguida. No minimalismo, o Einstein On The Beach é possível, como outras de Philip Glass, porque o minimalismo era uma linguagem completamente estabilizada. Numa linguagem que não o seja é muito difícil encontrar maleabilidade suficiente para compror música dramática.
(continua)

Ainda nos arquivos da BBC

Discografia Beatles - 85
'Baby It's You' (EP), 1995

Depois da edição de uma antologia de gravações na BBC, um EP novo dos Beatles chegou ao mercado em Março de 1995. Como tema central apresentava-se Baby It’s You, um original da equipa Bacharah / David / Williams, que o grupo tinha gravado em estúdio para incluir no álbum de estreia Please Please Me. Aqui o tema é recuperado, numa versão gravada ao vivo na BBC. O restante alinhamento do EP apresenta três outros temas (um original e outras duas versões) recuperados dos arquivos da BBC mas não incluídos no álbum duplo editado em 1994.

sábado, maio 29, 2010

Pelos noventas esquecidos (9)

Naturais da Escócia, os Soup Dragons tinham já uma discreta carreira em disco desde a segunda metade dos oitentas. O advento do cruzamento entre heranças pop/rock com as recentes revelações nos campos da música de dança (com Manchester como pólo de atenções na viragem da dácada) foi acompanhado pelo grupo que, em 1991, via o álbum Lovegod a suscitar um interesse que até então lhes havia escapado. Muito do sucesso de Lovegod é devido ao impacte de uma versão de I’m Free, dos Rolling Stones. Mas hoje, do seu alinhamento, recordamos antes Mother Universe, um original dos Soup Dragons.




Soup Dragons
‘Mother Universe’ (1991)

Dos arquivos da BBC...

Discografia Beatles - 84
'Live at The BBC' (antologia ao vivo), 1994

Dos arquivos da BBC emergiu, em 1994, um volume expressivo de gravações dos fab four. Editado como Live At The BBC, o álbum (em CD duplo) recolhia uma série de gravações que, entre 1963 e 65 o grupo efectuara em estúdios da BBC. São assim resultado de sessões ao vivo em estúdio, nas quais se apresentam sobretudo versões de temas dos anos 50 e 60, não faltando também originais dos próprios Beatles. O alinhamento foi seleccionado entre o material gravado pela BBC por George Martin, tendo o disco nascido depois de uma sequenciação que exigiu um trabalho adicional por técnicos em Abbey Road. O disco atingiu o número um no Reino Unido e o número três nos EUA e vendeu cerca de oito milhões de unidades no ano em que foi lançado.

sexta-feira, maio 28, 2010

Num ecrã... LCD

James Murphy e companheiros têem levado as canções do recentemente editado This Is Happening, dos LCD Soundsystem, a vários programas de televisão. Aqui fica I Can Change, ao vivo, há poucos dias, no programa de Jools Holland.


O muro chega em 2011

Roger Waters vai passar por Portugal em Março de 2011. Consigo traz um concerto centrado no clássico The Wall, dos Pink Floyd. O concerto terá lugar no Pavilhão Atlântico.

Özpetek na Festa do Cinema Italiano

Passa hoje no cinema Monumental, em Lisboa, o filme mais recente de Ferzan Özpetek (o mesmo de Saturno Contro), que assinala o encerramento da etapa lisboeta da 3ª Festa do Cinema Italiano. O realizador estará presente na sessão em que será ainda entregue o prémio da secção competitiva.
Drama, com elementos de comédia, Mine Vaganti é um filme sobre o preconceito. Em concreto sobre como os vários elementos de uma família da burgesia industrial italiana lidam com a inesperada revelação que o primogénito lança num jantar, no qual, como o próprio reconhece, já era chegada a hora de sair do armário. De um pai que vive a partir de então assombrado com o que os outros possam pensar, ao filho mais novo, que resolve não dar então igual novidade à família (a que se juntaria a confissão de um desejo em ser ecritor), receando pela saúde do pai, Mine Vaganti constrói então uma história de costumes onde o recurso à linguagem da comédia sublinha o absurdo de velhos e estafados preconceitos.

Reedições:
The Charlatans, Some Friendly

The Charlatans
“Some Friendly – 20th Anniversary Expanded Edition”
Beggars Banquet / Popstock
3 / 5

O cenário pop/rock no Reino Unido era assim há 20 anos, colocando novamente Manchester (mais de dez anos depois dos Joy Division) no centro das atenções… Os Stones Roses tinham brilhado em 1989 com um dos melhores álbuns de estreia que a história pop/rock alguma vez conheceu. Os Happy Mondays faziam de canções como Hallellujah e Step On verdadeiros hinos de uma nova ordem. E depois, a completar o trio de novas referências do som local (que acabaria por ganhar o rótulo “Madchester” nos media), os Inspiral Carpets, cujo álbum de estreia, Life (1990) juntava a esse universo feito da redescoberta do psicadelismo de finais de 60 e do seu cruzamento com desafios à dança nascidos das revelações pós-acid house um trabalho adicional de cenografia para teclas (a piscar o olho à “escola” Manzarek, via Doors, naturalmente). E depois foi um sem fim de nomes a entrar em cena, apanhando a “boleia” do som de Manchester, uns lá da terra, outros a fazer parecer que sim. Dos Nothside aos Wendy’s, dos Paris Angels aos Flowered Up, dos New Fast Automatic Daffodils aos Charlatans, a oferta em inícios de 90 era farta (e não muito variada, na maior parte dos casos), revelando mais um fenómeno de mimetismo como tantos outros que a história pop conheceu. Desses tempos fica contudo a memória, mesmo assim, de alguns singles interessantes como It’s On dos Flowered Up, Perfume dos Paris Angels ou The Only One I Know dos Charlatans. Mas convenhamos que, fora do “trio” Stone Roses, Happy Mondays e Inspiral Carpets, o tal “madchester” não nos deu álbuns de maior calibre capazes de resistir à erosão do tempo. A presente reedição de Some Friendly, o álbum de estreia dos Charlatans (1990) vem sublinhar esta ideia. Encostados a uma matriz que um ano antes os Stone Roses tinham elevado à perfeição, tentam seguir-lhes os passos, apostando um pouco mais em temperos rítmicos, mas na verdade não repetindo nunca (aproximando-se talvez nos singles Over Rising e Then) a luminisidade irresistível de The Only One I Know. O alinhamento é irregular, mostrando curisosamente melhores instantes em mergulhos mais melancólicos como em Opportunity ou Flower. O melhor, contudo, chega nos singles que habitam o CD adicional com extras…

Pela Tate Britain: Constable

Grande referência na pintura paisagista de inícios do século XIX, John Cosntable tem várias obras suas nas colecções da Tate Britain. Entre elas este Malvern Hall, que data de 1809.

quinta-feira, maio 27, 2010

Mais single (em tempo de pausa)

O projecto God Help The Girl, comandado por Stuart Murdoch (em tempo de pausa na vida dos Belle & Sebastian) têm um novo single. Aqui fica o teledisco que acompanha Baby You’re Blind, canção que conta com a participação vocal de Linnea Jönson, das Those Dancing Days.

Pode ver o teledisco aqui

Ao vivo, no MoMA

Os Yeah Yeah Yeahs actuaram esta semana no pequeno jardim do MoMA, em Nova Iorque, local que desde há décadas é espaço para ocasionais performances de alguns dos mais destacados nomes da vida musical “alternativa” nova iorquina. A actuação integrou uma campanha de recolha de fundos para o museu.

Novas edições:
The Irrepressibles, Mirror Mirror

The Irrepressibles
“Mirror Mirror”

Major Record Label / Nuevos Medios
3 / 5

O álbum de estreia do colectivo londrino The Irrepressibles é daquelas cartas fora do baralho que ajudam a “desarrumar” o panorama musical, mostrando que há muita música que acaba fora das gavetas dos géneros e formas de referência dominantes que frequentremente ditam os acontecimentos de que mais se fala. Não serão o elo perdido entre Antony & The Johnsons e os Fisherspooner. Mas se instrumental e vocalmente revelam frequentes afinidades com a obra em grupo de Antony Hegarty, no departamento da imagem mostram um gosto pelo bizarro e barroco que pisca o olho a um modo de pensar a performance que partilha interesses com o que em tempos conhecemos no colectivo nova-iorquino. Mirror Mirror é uma colecção de canções que nascem de um ensemble de dez músicos onde electrónicas e percussões convivem com cordas de alma sinfonista, arranjos eloquentes servindo de cenário à voz de contratenor de Jamie McDermott. Não será exactamente uma música pop, mas algo nas suas periferias, partilhando interesses com os modos como os Polyphonic Spree cruzaram arranjos de alma teatral com canções que assentam sobre um melodismo de ascendência pop, por vezes entrando em cena elementos familiares à linguagem assombrada de um Danny Elfman. A voz é contudo a presença protagonista, e aí tanto se revela a já apontada familiaridade com Antony Hegarty como, ocasionalmente, o que parecem ecos da pose pop-operática de Russell Mael (dos Sparks). Não serão exactamente, para 2010, um equivalente ao mundo inesperado e visionário que Klaus Nomi nos mostrou em inícios de 80. Mas a sua herança passa também por aqui…

Em conversa: Rufus Wainwright (2/3)

Continuamos a publicação de uma entrevista que serviu de base ao artigo “Há uma saturação no mundo da música pop”, publicado na edição de 10 de Maio do DN.

Vai compor uma segunda ópera?
Acho que da próxima vez que fizer uma ópera me vou concentrar apenas na ópera. Preciso de afastar-me de tudo o resto e concentrar-me na ópera para assim poder atingir o nível seguinte.

A ópera parece estar de novo na ordem do dia. Este é um tempo entusiasmante para quem quer fazer ópera?
Creio que sim. Há uma saturação no mundo da música pop e as pessoas mais novas estão a ficar cansadas de ver aplicadas sempre as mesmas ideias, num mundo totalmente comercializado. A experiência da ópera, em termos de acústica e como outra realidade teatral é cada vez mais entusiasmante. Este é um período excitante, sim.

Pensa poder gravar Prima Donna para editar em disco ou DVD?
Isso vai certamente acontecer.

All Days Are Nights: Songs For Lulu é um disco muito pessoal. Talvez mais ainda que os anteriores. E certamente mais despojado…
Este disco é como uma reacção física tanto à minha vida pessoal como à minha vida pública nos últims três a quatro anos, com a óprera, o trabalho com o Robert Wilson... Estas canções surgiram muito naturalmente. Vinham carregadas de sentido... Tive apenas de as espremer, como uma esponja.

Compõe habitualmente ao piano...
Ao longo dos anos vezes cheguei a compor à guitarra. Mas o piano.... Sempre fui bom pianista, mas nunca me senti um virtuoso. Por isso nesse campo também me quis desafiar a mim mesmo. Foi o que tentei fazer.

No último concerto, em família, no Royal Albert Hall, a sua mãe apresentou uma canção nova: Prosephina. Pensa cantá-la, senão mesmo gravar?
É uma canção espantosa... A Matha está a cantá-la de vez em quanto, porque a canção foi originalmente escrita para ela. Aquela versão no Royal Albert Hall acho que fica mesmo como um clássico.

Nos últimos anos os irmãos Wainwright revisitaram obras de grandes vozes de referência. Fez um disco dedicado a Judy Garland. Martha cantou Edith Piaf…
Somos uns garimpeiros... Os garimpeiros Wainwright... Estamos sempre à procura de pepitas de ouro no rio... Nada se perde...

Gosta de cantar versões?
Uma boa canção é sempre uma boa canção.
(continua)
Alfred Sisley, pintor impressionista de origem britânica mas com residência e vida profissional depois deslocadas para França, está representado nas colecções da Tate Britain. De sua autoria este é Les Petits Près de Printemps, de 1880.

quarta-feira, maio 26, 2010

Em festa (ao jeito dos anos 60)

São californianas e chamam-se The Like. He’s Not a Boy é o título do seu mais recente single. Aqui fica o teledisco. Com sabor a festinha anos 60…

De 'Mad Men' para os Broken Bells

A actriz Christina Hendricks, que interpreta a figura de Joan Holloway na série Mad Men, vai ter um papel no teledisco que vai ser rodado para um novo single dos Broken Bells. O tema escolhido foi The Ghost Inside. No teledisco, a actriz vai interpretar a figura de um andróide.

Novas edições:
Tiago Guillul, V

Tiago Guillul
“V”
Flor Caveira / Mbari
4 / 5

Passaram dois anos sobre a edição do álbum que, longe de ser o primeiro na sua discografia (IV era, como o título sugere, o quarto), fazia finalmente de Tiago Guillul uma figura incontornável no panorama da nova música portuguesa. Dois anos depois o cenário que acolhe o sucessor é claramente outro. A Flor Caveira não é mais uma novidade, mas uma certeza, da editora tendo emergido uma série de carreiras que hoje militam entre o que de mais interessante acontece nos caminhos do pop/rock (e periferias) em Portugal. Da mesma forma como toda esta música ganhou protagonismo na vivência do Portugal musical, a identidade crente (partilhada por parte significativa destes músicos) foi aparentemente desaparecendo aos poucos da linha da frente da curiosidade de quem os abordava. Mas Tiago Guillul faz questão de não esquecer o homem que é na música que faz. E V é um disco que, se musicalmente procura atingir caminhos nunca antes visitados desta forma, nas ideias e relação com a sua identidade, mantém-se fiel a quem não deixou de ser. Na música, V é um espaço de vibrante entusiasmo pela descoberta, não apenas do poder da memória (que pode ser um estímulo se, como aqui, comunica com o presente em vez de se esgotar naquele tão estafado lusitanismo “ai no meu tempo é que era”…) como da vontade em explorar as potencialidades do trabalho com um outro estúdio e uma outro patamar na demanda de uma nova definição final das formas. As canções respiram luminisodade, África, melodismo irresistível… Convocam ecos de reconhecidas heranças da melhor pop à la portuguesa, de Variações aos GNR (dos oitentas), inclusivamente com Rui Reininho em brilhante participação em Nabucodonosor. Nas ideias, V é, sem espaço para equívocos, um disco… de Tiago Guillul. Concordando ou não com a sua forma de estar no mundo e de o comentar, o certo é que tudo aqui é coerente, seja quando se aborda o mundo político (como em Canção para o Doutor Soares) ou quando se reflecte sobre as histórias das escrituras e os caminhos da fé. No fim, Tiago Guillul apresenta em V um dos melhores discos do “pópe roque” português do pós-milénio.

Em conversa: Rufus Wainwright (1)

Iniciamos a publicação de uma entrevista que serviu de base ao artigo “Há uma saturação no mundo da música pop”, publicado na edição de 10 de Maio do DN.

Nos últimos dois a três anos fez música para teatro, uma ópera, agora um disco para piano. Uma nova música. São desafios que lança a si mesmo?
O lado mau das coisas é que sou um viciado em drogas horrível. E como não ando a tomar drogas levo estas ideias para a minha arte. (risos)… Na verdade, e um pouco como consequência da doença da minha mãe senti a necessidade de trabalhar tanto quanto possível e criar tanto quanto podia.

Como se o trabalho aí fosse uma fuga?
Sim quase... A nossa relçação sempre teve a arte à nossa volta. Éramos os dois amantes das artes e a arte fazia parte da nossa relação. Mas também há uma certa ideia de escapismo no meio de tudo isto, sim.

A mãe acompanhou a criação e estreia da ópera Prima Donna. Queria terminá-la para que a pudese ainda ver em cena?
Sim, essa era a minha intenção. E fizemo-lo!

A ópera estreou em Manchester em 2009. Recentemente passou por Londres. E depois?
Vai a todo o lado! Depois vai a Toronto, à Austrália... A ópera está a ser a sua vida. E as opiniões foram variadas. Uns gostaram, outros destestaram. Muito do establishment foi destrutivo... Mas as lotações têm esgotado, há gente a chorar... Há uma relação difícil no mundo da música clássica e entre o que o público e os críticos pensam. É um outro mundo... Mas estou satiefeito. E é a minha primeira obra. E penso que, se se quer ser um compositor de ópera, não se pode ser avaliado pela primeira ópera que se faz.

Contava com reacções menos entusiasmadas por ser alguém que vinha do mundo da música pop?
Foi-me dito que iria haver reacções desse género, pelo que me preparei para enfrentar essa realidade... Todo o processo foi muito intenso. Mas já aconteceu, e em Londres há alguns dos mais críticos de ópera mais famosos no mundo. E são dos mais mauzinhos do mundo... (risos) E já ultrapassei tudo...
(continua)

Pela Tate Britain: Gaugin

Continuando ab caminhar entre as colecções da Tate, passamos hoje por uma tela de Gaugin que se crê datar de 1889 ou 1890. Este é Les Foins.

terça-feira, maio 25, 2010

Entre fantasmas

Os Massive Attack têm um novo single extraído do seu mais recente álbum, Heligoland. Aqui fica o teledisco de Psyche, realizado por John Downer.

Os Massive Attack têm um novo single extraído do seu mais recente álbum, Heligoland. Aqui fica o teledisco de Psyche, realizado por John Downer.

'Oddsac' em Lisboa, na ESBAL

O filme Oddsac, de Danny Perez, descrito como “A visual album by Danny Perez and Animal Collective” vai ter estreia nacional a 2 de Junho em Lisboa, no auditório da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, pelas 22 horas. Na sessão estarão presentes Danny Perez e Panda Bear.

Mais que ressuscitar um Lázaro

Estava de visita a Chicago (nos EUA), quando o começou o cerco a Serajevo, impedindo-o de regressar a casa. O que fora uma viagem de turismo acabou por se prolongar mais que o esperado. Escreveu um primeiro conto em inglês em 1995. E acabou por se fixar nos EUA, onde ainda hoje vive. Estas poucas linhas sobre a história de vida de Aleksandar Hemon (n. 1964, com família de ascendência bósnia e ucraniana) definem marcas que see projectam ainda na sua escrita.

O seu segundo romance, O Projecto Lazarus carrega no seu código genético inúmeros traços de identidade comuns à história pessoal do seu autor. O livro propõe a narrativa, em parelelo, de acontecimentos separados por cem anos. Na Chicago de 1909 Lazarus, um jovem emigrante, judeu e de origem ucraniana, é morto, resultado de um receio pelos anarquistas que davam que falar na cidade. Cem anos depois, dois homens radicados nos EUA (mas de origem bósnia) deixam-se intrigar pela história de Lazarus e partem em busca de pistas na Europa, onde nascera e enfrentara tempos difíces. Os cem anos que separam os tempos revelam pontos de contacto, lugares que se cruzam e possíveis ligações… Ao acompanhar as duas histórias, Hemon acaba por caracterizar vidas que, como a sua, partiram da Europa de Leste para os EUA, na verdade acabando por fazer de O Projecto Lázaro, mais que uma tentativa do ressuscitar da memória de um jovem morto em 1909, um retrato, em duas épocas, sobre a emigração.

Novas edições:
Broken Social Scene,
Forgiveness Rock Record

Broken Social Scene
“Forgiveness Rock Record”

City Slang / Nuevos Medios
2 / 5

Mais que um grupo são um colectivo, juntando forças que representam espaços marcantes do panorama indie canadiano da actualidade, com trabalho começado bem antes das atenções aí levadas por nomes como os Arcade Fire, Metric, Hidden Cameras ou Feist em meados dos noventas. Pelos Broken Social Scene passaram já nomes como os de Leslie Feist, Emily Haines (dos Metric) ou os The Stars… Em 2010, numa “contida” formação de “apenas” nove elementos no núcleo de trabalho, apresentam um novo disco de originais, na verdade o verdadeiro sucessor do aclamado Broken Social Scene, de 2005 (pelo caminho assinaram vários singles e EPs, discos a solo e outros trabalhos entre os quais a banda sonora de Os Fragmentos de Tracey). Forgiveness Rock Record é um disco diferente desse outro que deu que falar em 2005. Se em Broken Social Scene se encontrava um sentido de unidade num espaço de diversidade (com tanta gente e sensibilidades outra coisa não seria de esperar), aqui as faixas sucedem-se sem que uma ordem as pareça arrumar ou mesmo conduzir a algum destino… Sucedem-se os “acontecimentos”, mas faltam as canções. Produzido por Johm McEntire (dos Tortoise), e contando com as colaborações de elementos dos The Sea and Cake (onde McEntire também milita), parece mais uma busca de caminhos que um lugar encontrado. Não faltam momentos interessantes, como All To All (na voz de Lisa Lobsinger) ou Sentimental X (com Emily Haines)… Mas são apenas raros oásis entre um longo alinhamento que, de tão não alinhado, acaba por não nos levar a lado algum.

Pela Tate Britain: Whistler

Nascido nos EUA, mas depois radicado em Londres, James Abott McNeill Whistler é um dos nomes representados na colecção da Tate. Aqui fica Nocturne In Blue and Silver: Chelsea, óleo de 1871.

segunda-feira, maio 24, 2010

Let's dance

A sueca Robyn edita em meados de Junho o álbum Body Talk – Pt. 1, que assinala o seu regresso aos discos cinco anos depois Robyn, o álbum que a colocou sob atenções globais em 2005. Aqui fica o teledisco de Dancing On My Own, realizado por Max Vitali.

De regresso ao topo do tope

Os Rolling Stones regressaram ao posto mais alto na tabela de singles no Reino Unido. O feito, atingido este fim de semana, teve como protagonista a reedição do álbum de 1972 Exile On Main St.

Uma obra-prima

Este texto foi publicado na edição de 20 de Maio do DN com o título ‘Quando a tradição deixa de ser o que era’.

Em tempos, já lá vão uns 20 anos, Tilda Swinton tornou-se numa das presenças centrais na obra do realizador britânico Derek Jarman. Na última década, um outro cineasta ganhou um lugar destacado na carreira da actriz inglesa. Trata-se do italiano Luca Guadagnino, que, depois de The Protagonists (1999) e do documentário Tilda Swinton: The Love Factory (de 2002), a teve este ano como protagonista (e co-produtora) em Eu Sou o Amor (Io Sono L'Amore, no original), onde veste a pele da matriarca, de ascendência russa, de uma família da alta burguesia milanesa na viragem do milénio.

Com heranças do cinema de Luchino Visconti ou de Douglas Sirk, esta é uma saga familiar com a figura de Emma Recchi (Tilda Swinton) como centro de gravidade, ao seu redor evoluindo a transição dos negócios da família do velho patriarca para o seu marido e filho primogénito, a libertação da filha (que em Londres vive abertamente uma relação homossexual) e o projecto da abertura de um restaurante nascido do entusiasmo de um dos seus filhos e de um grande amigo seu, um chef. Este último desperta em Emma um desejo que, de certa forma, representa a primeira pedra a cair num processo de derrocada iminente que vai ameaçar os pilares da tradição que suportam a família

O argumento, assinado pelo próprio Guadagnino, com Barbara Alberti, vive na essência da magnitude que pode atingir um confronto entre a força revigorante do amor e a lógica ditada pela razão (que aqui suporta a tradição). A narrativa, assim como o trabalho dos actores (leia-se Tilda Swinton e competente leque de satélites), é a força que suporta o filme. O olhar, com gosto pelo detalhe, da câmara, a cuidada direcção artística e a música de John Adams (na verdade usando extractos de obras suas, entre as quais a ópera Nixon in China) conferem depois ao filme um valioso leque de valores acrescentados. A vivenda art déco onde vivem os Recchi é, mais que um simples cenário, um espaço vivo que molda as vidas e comportamentos que por ali circulam. As cores dos tecidos (seja nos estofos dos sofás seja nos vestidos das figuras femininas) é a fuga possível a uma ordem que traduz estabilidade antiga.

O desejo de liberdade que o amor desencadeia na figura protagonista entra em cena como uma ameaça à velha ordem que durante anos suportou a tradição dos Recchi. Com o fôlego dramático de uma ópera (e convenhamos que a música de John Adams ajuda), Eu Sou o Amor é um retrato pungente de uma mulher que recusa dizer não a si mesma.




Imagens do trailer de Eu Sou o Amor

Filme tailandês vence em Cannes

Depois de longos dias de noticiário centrado nos conflitos nas ruas do centro de Banguecoque, a Tailândia volta a surgir nas primeiras páginas por uma outra razão: a vitória em Cannes de Lung Boonmee Raluek Chat, (em português vai estear como Meu Tio), do realizador Apichatpong Weerasethakul, que venceu a Palma de Ouro. Para arrumar ideias, aqui fica a lista dos premiados principais nesta edição do Festival de Cannes:

Palma de Ouro: Lung Boonmee Raluek Chat, de Apichatpong Weerasethakul
Grande Prémio: Xavier Beauvois, por Des Hommes et des Dieux
Melhor realizador: Mathieu Amalric, francês, por Tournée
Melhor argumento: Poetry, de Lee Chang-dong
Actriz: Juliette Binoche, em Copie Conforme
Actor: Javier Bardem, em Biutifil e Elio Germano, em La Nostra Vita (ex-aequo)
Prémio do Júri: Um Homem que não Acredita que um Urso Dance, de Mahamat-Saleh Haroun
Câmara de Ouro: Año Bisiesto, de Michael Rowe.
Melhor curta metragem: Chienne d'histoire, de Serge Avédikian
Prémio do Júri (curta metragem): Micky Bader, de Frida Kempff
Prémio 'Un Certain Regard’: Ha ha ha, de Hong Sangsoo
Prémio do Júri (‘Un Certain Regard'): Octubre, de Daniel e Diego Vega

Pelo cinema de Matteo Garrone

A 3ª edição da Festa do Cinema Italiano está a apresentar a integral do cinema de Matteo Garrone, o autor de Gomorra. Hoje são exibidos em sequência, no Cinema King, pelas 21.30, os filmes Terra di Mezzo (1996) e Ospiti (1998).

Pode ver aqui a programação completa, do ciclo dedicado a Matteo Garrone na 3ª festa do Cinema Italiano.

Novas edições:
Divine Comedy,
Bang Goes The Knighthood

The Divine Comedy
“Bang Goes The Knighthood”
DC Records
3 / 5

Se evocarmos a história dos melhores momentos que a música popular conheceu nos anos 90 o nome de Neil Hannon será inevitável presença e com uma espantosa mão cheia de grandes discos e grandes canções, traduzindo o saldo de uma década que nele afirmou uma das mais interessantes figuras “pop” do fim de século… Hannon conta hoje com mais de vinte anos de carreira e Bang Goes The Knighthood é o décimo álbum que edita como The Divine Comedy. Estamos todavia já longe desse fim de século que conheceu em discos como A Short Album About Love (1997) e Fin de Siècle (1998) a definitiva concretização de uma ideia pop teatral, de pompa por vezes sinfonista, veículo de um sentido de humor cortante, no mais clássico sentido “brit”… Os anos zero não foram tão favoráveis a Hannon, pelo menos a bordo dos Divine Comedy, as suas melhores gravações da segunda década de trabalho surgindo em colaborações (com Yann Tiersenn ou o colecvtivo God Help The Girl) ou numa aventura pop sobre o cricket, de que foi co-protagonista, no projecto The Duckworth Lewis Method. O seu álbum anterior como Divine Comedy, Victory For The Comic Muse (2006) representou inclusivamente um tropeção maior, nunca antes imaginado… Bang Goes The Knighthood (que assinala a estreia do grupo na sua própra editora) recupera alguns pontos, num alinhamento com as características clássicas da música de Divine Comedy, da grandiosidade de uma música com alma de drama e palco à voz pungente de Hannon, não esquecendo o humor de sempre (que se escuta, por exemplo, no retrato que serve em The Complete Banker). Não está ao nível dos discos do tal fim de século inesquecível. Mas ao menos não desilude tanto como o fez em alguns títulos mais recentes…

Pela Tate Britain: Turner

Esta semana caminhamos entre as salas da Tate Britain. E começamos junto da pintura de J.M.W. Turner, que ocupa uma ala expressamente construida para acolher obras suas neste importante museu londrino. Aqui fica Fishermen at Sea, um óleo de 1796.

domingo, maio 23, 2010

CANNES 2010 [imagem 22]

Nikita Mikhalkov em pose retorica de cineasta. Infelizmente, nestas coisas, a pose conta, mas nao basta... O seu Sol Enganador 2 - O Exodo (derradeiro titulo da competicao) e um objecto tao profissionalmente executado quanto academico na abordagem de uma historia imensa e convulsiva (as purgas estalinistas e, de pois, a Segunda Guerra Mundial, com o exercito sovietico a enfrentar a invasao alema — recorde-se que a primeira parte, Sol Enganador, francamente superior, ganhou o Grande Premio de Cannes/1994). Sera que o juri vai distinguir os filmes mais politizados do festival — a comecar pelo "televisivo" Hors-la-Loi, de Rachid Bouchareb — ou vai orientar as suas escolhas em funcao do cinema-cinema?

Uma "nova música" na França de 1870

O compositor francês Gabriel Fauré (1845-1924) era um reconhecido pianista e frequentemente usava o piano nas suas composições. Raramente o fez como instrumento solista, optando algumas vezes por usá-lo antes num contexto de música de câmara, como este disco agora recorda.

Juntando o Trio Wanderer ao violetista Antoine Tamesit, Piano Quartets junta num mesmo alinhamento os Quartetos para Piano números um e dois de Fauré. Esta é uma música que nasce num contexto de importante transformação de hábitos e de foco de atenções em jovens compositores na França dos anos 70 do século XIX. Até então o centro das atenções da vida musical parisiense orbitava em torno da ópera e à música instrumental e aos novos compositores não era fácil chegar aos espaços abertos ao público. A música de câmara era, contudo, presença assídua nos salões da grande burguesia. Para promover, noutras esferas, a nova música francesa, Camile Saint Saëns funda em 1871 a Societé Nationale de Musique, cuja primeira meta se revelava precisamente numa “atenção para com o lançamento de obras de novos compositores”, como Fauré descreveria numa entrevista em 1922. É nesse quadro que o compositor, que se torna secretário da sociedade em 1874, apresenta alguns importantes trabalhos de música de câmara, um dos primeiros sendo o Quarteto para Piano nº 1. A obra evita o virtuosismo, não deixando contudo de explorar texturas expressivas que convidam o pianista a uma fluidez e vivacidade, como de resto sublinha o booklet que acompanha este novo disco. A obra foi terminada em 1879, um segundo quarteto com as mesmas forças instrumentais surgindo cinco anos depois. Separados no tempo, partilham algumas características em comum visíveis, por exemplo, na estrutura dos andamentos… Esta magnífica actuação representa assim um convite ao reencontro de um tempo de aposta em novos talentos na história da música francesa dos finais do século XIX.

Em visita à Tate Britain

Hoje sob o nome Tate existe uma importante rede de museus em solo britânico, mas a primeira das “galerias” abriu em 1897, junto às margens do Tamisa, num edifício construido para albergar um museu. Inicialmente inaugurada como National Gallery Of British Art, acabou conhecida como Tate Gallery em homenagem ao seu fundador, Sir Henry Tate.

Como tantos outros museus londrinos viu as colecções transferidas para local seguro durante a II Guerra Mundial, as paredes do edifício mostrando contudo marcas dos bombardeamentos. No ano 2000 passou a designar-se como Tate Britain, na sequência da abertura da Tate Modern, na outra margem do rio, que desde então dedica atenções à arte moderna e contemporânea. As colecções permitem hoje um olhar transversal sobre a arte britânica. Em destaque está uma expressiva colecção de obras de Turner, albergada numa ala expressmente criada para as acolher. A Tate Britain não perdeu contudo o contacto regular com a arte contemporânea. Acolhe exposições temporárias, entre as quais as ligadas ao Turner Prize.

Em conversa: Pedro Amaral (2)

Continuamos a publicação integral de uma entrevista com o compositor Pedro Amaral a propósito da ópera O Sonho, que serviu de base ao artigo 'Dar corpo a um sonho pessoano' publicado no DN a 3 de Maio.

Levou muito tempo a chegar à versão final do libreto?
Até ao último dia da composição não tinha o libreto completamente fechado. Tinha evidentemente um libretio bastante pronto. Mas que fui alterando. Não só a ordem, mas em alguns momentos cortei umas partes do texto. Não dei o libreto definitivo, enquanto da Gulbenkian me telefonavam desesperadamente a pedir o libreto para o publicarem. Mas não quis dar logo, porque não tinha a certeza se aquelas palavras seriam exactamente aquelas que ia usar.

As primeiras ideias musicais surgem durante a pesquisa? Ou só mais tarde?
Estruturei primeiro a narrativa. E devo dizer que não há nenhuma ideia musical que não tenha nascido directamente do texto. A música surgiu directamente do texto. Penso que a música deve nascer da dramaturgia, ou seja, da intenção dramática que damos a cada palavra. Se a música nasce da dramaturgia, então a música veicula essa dramaturgia e está certa para aquela palavra. Se a música é prévia a isso, e ainda recentemente ouvi exemplos de música prévia à dramaturgia, então na minha opinião não funciona. Porque estamos a ouvir um canto que nada nos convence em relação à palavra que veicula.

O palco é, depois, o espaço, onde as ideias se concretizam. Há ainda espaço para a surpresa quando finalmente escuta a ópera, em cena?
Em geral devo dizer que tenho poucas surpresas quando chego ao palco... Trabalho longamente nas coisas e quando chego ao palco é raro ter surpresas, mas acontecem. Acontece-me às vezes estar a dirigir e ter um momento de emoção. Aconteceu com este trabalho agora, nos ensaios com orquestra, antes de ensaiar com os cantores. Tinha preparado os cantores com piano e, ao chegar a Londres, ensaiei com orquestra. E há um momento em que estou a ensaiar com as cordas a parte do Herodes, o pai da Salomé. Procurei fazer para cada personagem uma música completamente diferente. O Herodes é ao mesmo tempo de um lirismo que nunca tinha feito. Nunca tinha composto uma música assim. E no momento em que comecei a ensaiar com as cordas, às tantas parei. E houve ali um momento de sinceridade com a orquestra. E pedi desculpa, que me sentia extremamente exposto... Eu que normalmente tenho uma relação muito profissional com a orquestra, em que sei o que quero e peço-lhes o que quero, ali tive de parar uns segundos. Eles riram, e disseram que era mahleriano... E eu ri-me e recomecei. Mas é um momento raro de não previsão daquilo que tinha feito. Sei os ritmos de cor, as notas de cor, mas há um momento, que diria fenomenológico, em que a emoção se sobrepõe ao que nós antecipamos racionalmente. São momentos muito raros, as acontecem às vezes... O principal é há esse nascimento, esse parto, acontece antes. Acontece como quando um aquitecto vê um espaço e tem uma primeira ideia de um edifício. É quando imaginamos uma dramaturgia e começamos a fazer a música. Esse é o parto, o momento em que a música nasce. É ali que o corpo começa, mais que no palco. Onde é só um detalhe. Embora haja surpresas, como esta.

Revisitar os velhos EPs na era digital

Discografia Beatles - 83
'The Beatles Compact Disc EP Collection' (caixa), 1992

Depois da reedição integral dos álbuns, em 1987, e do lançamento das duas antologias Past Masters, em 1988 (nas quais se juntavam temas não incluídos em alinhamentos de LPs do grupo), a etapa seguinte na discografia dos Beatles correspondeu a uma revisitação dos Eps, igualmente no formato de CD. Editada em 1992, a caixa The Beatles Compact Disc EP Collection juntava todos os EPs originalmente editados entre 1963 e 1967 no Reino Unido, cada CD reproduzindo o alinhamento e as capas originais de cada um. Ao todo são 15 EPs, o mais antigo dos quais Twist & Shout (1963), o mais recente o de Magical Mistery Tour (de 1967), aqui recuperado na sua versão original em disco duplo, com a miniaturização do booklet com as letras das canções e imagens da época.

sábado, maio 22, 2010

CINEMA 2010 [imagem 21]

"Apenas" um documentario sobre um ginasio de boxe, em Austin, Texas... "Apenas" 91 minutos sobre o dia a dia de adultos e criancas que tentam aprender as subtileza do seu desporto de eleicao... "Apenas" uma camara que contempla aquilo que funciona, afinal, como uma comunidade com regras proprias e uma moral especifica... Dito de outro modo: Frederick Wiseman continua a ser um cineasta de olhar livre e cristalino, sendo o seu Boxing Gym (Quinzena dos Realizadores) um dos filmes maiores de Cannes 2010.

CANNES 2010 [imagem 20]

Um "espirito" que regressa ao mundo dos vivos... Para os assombrar? Nao exactamente. Antes para com eles conviver, num universo em que realidade e fantasia, vida e morte, corpo e alma nao existem senao como vasos comunicantes — assim e o cinema inclassificavel e envolvente do tailandes Apichatpong Weerasethakul; o filme chama-se Lung Boonmee Raluek Chat, ou seja, a letra, "O Tio Boonmee, que consegue recordar-se das suas vidas anteriores".

Pelos noventas esquecidos (8)

Os Definition Of Sound foram um entre uma série de nomes que escreveram a história do hip hop britânico nos anos 90, procurando (como sucedeu junto de vários outros projectos de então) cruzar as influências escutadas em discos chegados do outro lado do Atlântico com outras formas e referências. Aqui fica um exemplo desses jogos de diálogo entre ideias, juntando aqui marcas de uma vivência com a música de dança que então fazia o dia a dia das noites dançantes e revelando um interesse pela exploração da forma da canção. Now Is Tomorrow foi um dos singles extraídos do álbum Love And Life: A Journey With The Chameleons, que apresentou o grupo em 1991.



Definition Of Sound
‘Now Is Tomorrow’ (1991)

O que ficou fora das reedições (parte 2)

Discografia Beatles - 82
'Past Masters - Volume 2' (compilação), 1988

Editado em simultâneo com o volume 1, Past Masters – Volume 2 representou, em 1988, uma primeira abordagem no formato de CD a uma série de canções ausentes do alinhamento dos álbuns dos Beatles, esses por sua vez reeditados neste mesmo suporte digital no ano anterior. O alinhamento deste segundo volume cobre a etapa da discografia da banda que ficara de fora do volume um, ou seja, vai de Day Tripper (de 1965) a You Know My Name (Look Up The Number), o lado B do single Let It Be, editado em Março de 1970.

sexta-feira, maio 21, 2010

CANNES 2010 [imagem 19]

Naomi Watts e Sean Penn revivendo a historia veridica de Valerie Plame, funcionaria da CIA apanhada no imbroglio das investigaçoes com que a administraçao Bush quis "provar" a existência de armas de destruiçao maciça no Iraque: Fair Game, de Doug Liman (autor do notavel Go), é a prova real de que a matriz classica do thriller politico continua disponivel, interessante e operante.