terça-feira, setembro 30, 2014

Ver + ouvir: Teleman, Mainline



Mais um teledisco para uma das canções do álbum Breakfast, que nos apresentou este ano os Teleman... Já agora podiam fazer filmes para as poucas canções ainda sem imagens, ok?...

Novas edições:
Aphex Twin

“Syro”
Warp
5 / 5

Conta-se que é um regresso após um álbum que, editado em 2001, deixou então o nome Aphex Twin em modo de pausa. Mas Richard D. James, de quem devemos reconhecer o histórico Selected Ambient Works 85-92 como um dos mais marcantes episódios na história da música electrónica, na verdade não fez silêncio, optando antes por lançar discos através de muitos outros heterónimos, nomeadamente assinado-os como AFX, The Tuss ou Caustic Window (sob este último nome tendo surgido este ano a notícia de uma rara prensagem que acabou leiloada a preços de mercado de arte). Syro, novo disco que edita como Aphex Twin é contudo, e de facto, o primeiro disco que nos apresenta sob este nome (central à sua obra) desde Drukqs (2001) e, mesmo não exibindo – como o fizeram outros discos seus editados nos anos 90 – sinais de olhar no gume da linha da frente da composição com electrónicas, representa um dos mais cativantes conjuntos de composições que, sob estas mesmas ferramentas, chegaram a disco nos últimos tempos. O disco – que surge numa altura em que não é segredo que Richard D. James tem um extenso volume de gravações inéditas em arquivo – pode representar uma primeira amostra do trabalho que foi acumulando ao longo dos últimos anos. Por isso mesmo, em vez de procurar uma eventual ordem conceptual, Syro opta antes por apresentar uma coleção de composições que juntam beats e bleeps em construções onde o músico lança memórias sobretudo captadas nos oitentas (particularmente luminosas quando visita o eletro e, pontualmente, um delicioso eletro-funk), ocasionalmente ensaiando diálogos com paisagismos rítmicos definidos pelo drum’n’bass ou assimilações de ensinamentos do techno, assimilando ainda o glitch como janela de comunicação com o presente. O alinhamento encerra ao som do belíssimo Aisatsana, tema dominado por um piano que aceita heranças remotas de um Satie mas nada mais faz senão o aprofundar de um esbatimento de fronteiras entre espaços e géneros musicais que afinal não é surpresa num músico que em tempos pediu um arranjo (para o tema Icct Hedral) a Philip Glass e que já viu a sua música a ser interpretada pela London Sinfonietta (e quem sabe ainda por aí haverá mais surpresas um dia...). Para já, e mesmo sem procurar inventar o próximo passo, a verdade é que entre a mestria na concepção arquitectónica do som (sob um exemplar labor de produção) e a unidade que consegue encontrar entre a versatilidade de ideias aqui ensaiadas, Aphex Twin consegue fazer de Syro o mais entusiasmante disco de música electrónica de 2014 até este momento.

Os meus 100 livros (2)

Joseph Mitchell
'Sou Todo Ouvidos' (1931)

Nova Iorque já deve perdido a conta da quantidade de vezes que foi falada entre histórias reais e narrativas de ficção. Porém, poucos a olharam como o fez Joseph Mitchell (1908-1996) em Sou Todo Ouvidos. Como aqui já em tempos referi, estes são pequenos textos, que nos levam a caminhar por entre as outras faces da cidade, os bares menos falados, os aldrabões, os palcos secundários, as ruas menos iluminadas onde, acima de tudo, escutou histórias.

Jornalista, com parte significativa do seu trabalho publicado na New Yorker, recorda aqui cenários da cidade que descobriu por alturas do crash de 1929 e que viveu e descreveu em textos que publicou nos anos seguintes, alguns deles aqui reunidos. A sua é uma escrita rica em figuras, histórias e imagens, mas sob uma contenção que sabe, com pouco, dizer muito. Porque, dizia ele mesmo, ““não pode haver mais praga para um jornal que um jornalista que se põe a tentar escrever literatura”. Como tem razão!

Autor de O Segredo de Joe Gould, Joseph Mitchell trabalhou, em início de carreira, nos anos 30, como jornalista para diversos jornais nova-iorquinos. Natural de Iona (na Carolina do Norte), tinha chegado a Manhattan em 1929 com 21 anos, já sob um futuro universitário fracassado pela absoluta inaptidão com a matemática. Salvo os meses em que atravessou o mar, até Leninegrado (hoje São Petesburgo), a bordo de um navio, regressando logo depois, viveu e descobriu Nova Iorque em busca de histórias e suas personagens, que este livro assim retrata. Apesar de, no final do volume, se registarem encontros com George Bernard Shaw, Gene Krupa e algumas mais figuras públicas - a quem Mitchell chamava “moedores de ouvidos” – Sou Todo Ouvidos vive essencialmente de histórias e retratos de anónimos com “uma intimidade velha de anos com a pobreza”.

Outros destaques da sua obra: 
McSorley's Wonderful Saloon (1942)
O Fundo da Baía (1959)
O Segredo de Joe Gould (1960)

Para ouvir: O último disco dos Royksopp

Os noruegueses Royksopp, que recentemente lançaram um disco em conjunto com a cantora sueca Robyn, anunciaram o lançamento de The Inevitable End, um novo álbum que, tudo parece, indica que a carreira em disco do duo colocará assim um ponto final, apesar de terem já revelado que continuarão a lançar música por outros meios.

Podem escutar aqui um dos temas do novo álbum.

Para ler: novo filme de Paul Thomas Anderson

Uma primeiro olhar sobre Inherent Vice, o novo filme de Paul Thomas Anderson, que nasce de uma adaptação do romance homónimo de Thomas Pynchon. Aqui fica um texto publicado no Guardian que apresenta o filme, com o trailer logo a seguir.

Podem ler (e ver) aqui.

segunda-feira, setembro 29, 2014

Sinais dos tempos (televisivos)

Futebol, meteorologia ou os horrores da Casa dos Segredos: a televisão é um universo normativo que não se reconhece — esta crónica de televisão foi publicada na revista "Notícias TV" (Diário de Notícias), com o título 'Sinais dos tempos'.

1. No final do empate a uma bola entre Manchester City e Chelsea (Benfica TV), os adeptos do Chelsea aplaudiram calorosamente Frank Lampard. Surpresa? Não exactamente. Afinal de contas, ele é uma das lendas vivas do clube e um dos jogadores mais queridos dos adeptos da equipa treinada por José Mourinho. Em todo o caso, importa lembrar que Lampard já não está no Chelsea: mudou-se para os EUA, para o New York City Football Club, tendo regressado por alguns meses a Inglaterra através de um empréstimo ao... Manchester City. Além do mais, convém ainda referir que o Chelsea esteve a ganhar até cinco minutos do fim, tendo o City conseguido empatar através de um golo marcado por... Lampard! A atitude dos adeptos do Chelsea é um exemplo cristalino de fair play [video: comentário de José Mourinho] que, pelo que me foi dado ver, não encontrou ecos muito significativos nas televisões. Não mereceu, pelo menos, as dezenas de repetições com que continuam a ser tratados os “polémicos” lances de cada fim de semana lusitano. Dito de outro modo: os privilégios informativos (?) vão para tudo o que possa alimentar centelhas de conflito no universo do futebol. Bem pelo contrário, qualquer evento que reflicta um entendimento pacifista do futebol e das suas relações humanas é secundarizado, quando não liminarmente ignorado.


2. A generalização de algumas formas de linguagem “especializada” é um bizarro sinal de formatação cultural. O futebol, com os seus golos “contra a corrente do jogo” e outros admiráveis delírios é, nesse aspecto, um manancial de retórica. Mas a meteorolgia não lhe fica atrás: passámos a viver num universo de “alertas” de várias cores, a ponto de o conhecimento ou desconhecimento da aproximação de mau tempo poder ser pretexto para tempestuosos conflitos institucionais.

3. Em a Casa dos Segredos (TVI), diz-se (e está escrito no respectivo site): “Somos um falso casal lésbico”. Quando tudo é falso, tudo é permitido — eis a democracia que importa questionar.

Ver + ouvir:
Tweedy, Low Key



Mais um teledisco para acompanhar o álbum que nos apresenta o projeto Tweedy. Um pequeno filme com humor q/b e um trabalho de construção narrativa, foi rodado em Chicago e conta com cameos de nomes como Michael Shannon, Chance the Rapper, Conan O'Brien, Andy Richter, Mavis Staples, Steve Albini e Glenn Kotche (dos Wilco) entre outros mais.

Novas edições:
Thom Yorke

“Tomorrow’s Modern Boxes”
ed. Autor
4 / 5

A surpresa começa a ganhar peso de norma na hora de lançar álbuns de nomes de relevância maior no panorama atual da música popular. E poucos dias depois de termos visto os U2 a oferecer, via iTunes, um novo álbum de originais a todos os utilizadores desse serviço da Apple, agora, e também sem qualquer anuncio formal prévio, foi a vez de Thom Yorke  ter apresentado um novo disco de originais da noite para o dia. A grande diferença é que o faz usando um método novo: via BitTorrent, mas a troco de um pagamento.
Com o título Tomorrow’s Modern Boxes, o segundo álbum a solo do vocalista dos Radiohead surge oito anos após The Eraser – o seu primeiro disco em nome próprio – e um ano após a experiência no projeto paralelo Atoms For Peace, que lançou em 2013 o álbum Amok. A edição do novo disco convoca contudo memórias do que houve de pioneiro – e desafiante – em In Rainbows, álbum de 2007 dos Radiohead que teve um primeiro lançamento digital (pedindo a cada um que pagasse o que entendesse, prevendo mesmo o preço zero como viável) antes de ter conhecido, mais tarde, uma edição em suportes físicos mais convencionais.
O disco de aprofunda a sua relação com um labor de fino detalhe nas electrónicas e apresenta oito novos temas entre os quais A Brain In a Bottle, a melhor canção de Thom Yorke (a solo ou em grupo) em largos anos. O disco tem nas memórias de Kid A e Amnesiac importantes pontos de referencia para parte do alinhamento e assinala uma vontade em explorar espaços de composição onde voz e texturas desenham linhas que avançam num regime algo líquido, envolvendo-se num corpo de formas que, mesmo aparentemente turvas num primeiro contacto, se revelam afinal mais claras e consequentes que em outros episódios da obra mais recente do músico. Parte do alinhamento traduz, num outro sentido, preocupações de arrumação ditada pelo ritmo, aproximando-se aí de eventuais heranças do trabalho coletivo via Atoms For Peace. 
Num comunicado que emitiu, juntamente com o produtor Nigel Godrich (que há muito trabalha não apenas com os Radiohead mas também nas experiências a solo do vocalista do grupo), Thom Yorke explicou que este modelo de edição discográfica, que usa uma nova versão do BitTorrent, é assumido como uma experiência para avaliar se “as mecânicas do sistema são algo com que o público em geral possa lidar” acrescentando que, se correr bem, “este poderá ser um meio eficaz para devolver algum do comércio através da Internet às pessoas que criam as obras”, permitindo assim encontrar um modelo que permita ao artista “que faz música, jogos ou quaisquer outros conteúdos digitais vendê-los ele mesmo”. A declaração aponta ainda que este sistema “finta” assim os “auto-eleitos guardiões” e lembra que o mecanismo usado “não requer custos de uploading ou arquivo” e que a rede que assim opera “não só permite o tráfego como ela mesma contém os ficheiros”.
O BitTorrent é um dos mais populares protocolos de partilha de ficheiro peer to peer e tornou-se conhecido na década passada em casos de troca de conteúdos pirateados. É reconhecido como um protocolo que torna mais rápidos os downloads de grandes ficheiros uma vez que usa os vários computadores onde estão alojados como fontes onde são colhidos elementos que depois são agrupados e ordenados no computador que os recebe. Não é a primeira vez que músicos usam o sistema, mas ao associar este modelo de distribuição a um pagamento (sem o qual não se acede aos ficheiros) representa uma novidade. E, como se infere pelas palavras de Thom Yorke, uma declaração de esperança numa nova forma de viabilizar não apenas a venda de músico mas de estabelecimento de uma relação mais direta entre quem faz a música e quem a quer escutar.

Apesar da surpresa que surgiu com a chegada do álbum (e o modo de o vender) a verdade é que nas últimas semanas tinham surgido nas redes sociais várias pistas indicando movimentações possíveis em terreno próximo do vocalista dos Radiohead. O próprio Thom Yorke revelara, esta semana, que os Radiohead estão a terminar uma etapa de gravações de um novo álbum. Tomorrow’s Modern Boxes junta-se assim a títulos recentes de David Bowie, Beyoncé ou U2 que usaram também a surpresa em favor de uma capitalização de atenções, contrariando assim modelos clássicos de marketing.

PS. Este texto é uma versão editada e acrescentada de um outro publicado na edição de 29 de setembro do DN

'Something Must Break' vence Queer Lisboa 18


O filme sueco Something Must Break, de Ester Martin Bergsmark venceu o prémio de Melhor Longa Metragem de Ficção, entregue na noite de encerramento do festival, na Sala Manoel de Oliveira do Cinema São Jorge.

A lista completa dos prémios é esta:

Longas-Metragens de ficção:
Melhor Longa-Metragem: Something Must Break (Suécia, 2014) de Ester Martin Bergsmark
Menção Honrosa: Atlantida (Argentina, França, 2014) de Inés María Barrionuevo
Melhor Interpretação: Saga Becker, em Something Must Break (Suécia, 2014), de Ester Martin Bergmark, Kostas Nikouli, em Xenia (Greece, France, Belgium, 2014) de Panos H. Koutras, e Angelique Litzenburger em Party Girl (France, 2014,) de Marie Amachoukeli, Claire Burger e Samuel Theis.
Prémio do Público: Rosie (Alemanha, Suíça, 2013), de Marcel Gisler

Documentários:
Melhor Documentário: Julia (Alemanha, Lituania, 2013), de J. Jackie Baier
Prémio do Público: São Paulo em Hi-Fi (Brasil, 2013), de Lufe Steffen

Curtas-Metragens:
Melhor Curta-Metragem: Mondial 2010 (Líbano, 2014), de Roy Dib
Melhor Curta-Metragem Portuguesa: Frei Luís de Sousa (Portugal, 2014), de Silly Season
Prémio do Público: Cigano (Portugal, 2013), de David Bonneville

Competição In My Shorts:
Melhor Curta-Metragem: Bonne Espérance (Suíça, 2013), de Kaspar Schiltknecht
Menção Honrosa: Gabrielle (Bélgica, 2013), de Margo Fruitier e Paul Cartron.

Para ler '2001' em 1500 exemplares

Uma das mais atraentes (mas algo inacessíveis) edições em livro deste ano é uma caixa metálica, com quatro volumes, que conta ao mais pequeno detalhe como surgiu o clássico filme 2001: Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick. Limitada a 1500 exemplares (todos eles autografados por Christiane Kubrick), esta edição especial do livro The Making of Stanley Kubrick’s '2oo1: A Space Odyssey', de Piers Bizoni, esteve à venda (para encomenda) ao preço de 750 euros e está já esgotada.

A caixa inclui quatro livros. O primeiro apresenta fotogramas do filme. O segundo mergulha nos bastidores da produção e inclui novas entrevistas com atores, designers e especialistas em efeitos visuais. O terceiro volume é um facsimile do guião. E o quarto apresenta, em versão também facsimilada, as notas de produção.


Podem ler aqui sobre a edição e ver algumas imagens.

Para ver: David Bowie, agora em Chicago

A exposição David Bowie Is, que esteve patente em 2013 no Victoria & Albert Museum, em Londres, tem andado a viajar. E está agora em Chicago (EUA).

Podem ver aqui imagens das salas da exposição e de algumas peças.

domingo, setembro 28, 2014

Satyajit Ray x 6

Madhabi Mukherjee
CHARULATA (1964)
As reposições em cópias novas de grandes clássicos da história do cinema continuam, felizmente, a marcar presença no mercado português: agora é a vez do mestre indiano Satyajit Ray (1921-1992) — este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 Setembro), com o título 'À redescoberta de um clássico da Índia'.

Subitamente, o nome de Satyajit Ray — através da reposição de seis títulos da sua filmografia — está na actualidade do mercado português (desde o dia 25, em Lisboa, no Espaço Nimas). É uma oportunidade de redescoberta de um mestre do cinema indiano que, em boa verdade, as gerações mais jovens não têm tido muitas oportunidades de conhecer.
Por cruel ironia, a sua maior visibilidade pública ocorreu poucas semanas antes do seu falecimento. Foi a 30 de Março de 1992, quando Ray, doente no seu leito, surgiu na 64ª cerimónia dos Oscars através de uma gravação realizada poucos dias antes, em Calcutá, agradecendo o prémio honorário com que a Academia de Hollywood o distinguiu “pela sua visão profundamente humanitária” [video] — viria a falecer poucas semanas mais tarde, a 23 de Abril, contava 70 anos.


Dos filmes agora repostos em cópias novas, cinco deles correspondem à fase de consolidação do universo do realizador, revelado ao mundo através da célebre “Trilogia de Apu” (1955-59). Os dois mais antigos, A Grande Cidade (1963) e Charulata (1964) serão os mais divulgados (tanto mais que ambos lhe valeram prémios de realização no Festival de Berlim), reflectindo a preocupação em analisar o confronto da pulsão amorosa com os valores tradicionais do espaço familiar, sempre com especialíssima atenção às singularidades da paisagem feminina.
Os títulos que se seguem cronologicamente — O Santo (1965), O Cobarde (1965) e O Herói (1966) — ajudam-nos a perceber que a invulgar delicadeza melodramática do olhar de Ray (especialmente sensível em Charulata) não basta para caracterizar o seu trabalho. Há nele uma versatilidade que, não poucas vezes, o leva a explorar os caminhos da comédia social, no limite desmontando os clichés do cinema do seu próprio país.
O Santo coloca em cena a utilização demagógica da religião, através da personagem quase burlesca de um homem que se faz passar por um ente divino, enquanto O Cobarde e O Herói observam de forma metódica, por vezes cáustica, os bastidores da indústria cinematográfica. O Herói, em particular, reflecte uma temática que está longe de ter perdido actualidade: a percepção íntima de um actor/vedeta, levado a reavaliar a distância que separa o sucesso público das atribulações da vida privada.
O Deus Elefante (1979), realizado logo após O Jogador de Xadrez (1977), um dos maiores sucessos internacionais de Ray, ilustra uma dimensão quase picaresca, indissociável de alguns livros de aventuras que escreveu. Trata-se, aliás, da adaptação de um dos seus romances centrados nas actividades do detective Feluda, dir-se-ia uma espécie de Hercule Poirot “à indiana”. A sua investigação em torno do desaparecimento de uma valiosa estatueta do deus Ganesh tem tanto de comédia de costumes como de fábula social.
Outro mestre asiático, o japonês Akira Kurosawa, proferiu um dia uma frase sobre Ray, mil vezes evocada nos mais diversos contextos: “Não ter visto os filmes de Ray é ter vivido no mundo sem nunca ter visto a lua e o sol”. Celebrando a sua universalidade, poderemos dizer que regressaram às salas portuguesas seis planetas da galáxia de Satyajit Ray.

Brigitte Bardot, 80 anos

No dia em que Brigitte Bardot festeja 80 anos — nasceu a 28 de Setembro de 1934, em Paris —, somos levados a recordar imagens emblemáticas como esta, provavelmente da segunda metade da década de 70. Há uma ironia desconcertante em tal memória: foi antes disso, mais precisamente logo após a rodagem de A Vida Alegre de Colinot (1973), de Nina Companeez, que Bardot, aos 39 anos, abandonou a carreira de actriz.
Bardot está ligada a títulos que, pelas mais diversas razões, há muito transcenderam qualquer pitoresco nostálgico da época em que foram produzidos. Ela foi, afinal, a musa de E Deus Criou a Mulher (1956), dirigido pelo seu primeiro marido, Roger Vadim, e também a presença ao mesmo tempo carnal e etérea de O Desprezo (1963), viagem poética pelas seduções e enigmas dos bastidores do cinema, por certo o mais conhecido dos filmes de Jean-Luc Godard [trailer]; além do mais, o seu nome surge associado a fenómenos populares da década de 60 como Viva Maria! (1965), de Louis Malle, ou Shalako (1968), de Edward Dmytryk, em que contracenou, respectivamente, com Jeanne Moreau e Sean Connery.


Ainda assim, a persistência da sua figura decorre de uma verdadeira dimensão de star que, não sendo estranha ao seu trabalho na defesa dos direitos dos animais, envolve um poder muito particular do cinema: o de transfigurar os seus protagonistas em personagens intemporais, maiores que a vida. Será também por isso que, para além dos altos e baixos de uma vida sempre exposta ao labor populista de algum jornalismo, Bardot se pode confessar "sem arrependimentos nem remorsos".

sábado, setembro 27, 2014

Telediscos dos Pet Shop Boys
e documentário sobre The Gift
no encerramento do Queer Lisboa 18



A 18ª edição do Queer Lisboa chega hoje ao fim com a cerimónia de entrega dos prémios e a exibição do filme brasileiro Flores Raras, de Bruno Barreto, a partir das 21.00 horas na Sala Manoel de Oliveira do Cinema São Jorge.

O dia vai ter contudo mais sessões, duas delas com a música por protagonista e ambas com entrada gratuita (mediante disponibilidade de bilhete, a levantar no cinema São Jorge).

A Sala Montepio vai acolher às 17.00 a presença dos quatro elementos dos The Gift, que ali estarão para apresentar o documentário The Gift: A Single Hand Documentary, de Gonçalo Covacivic, numa sessão que assinala o aproximar da celebração dos 20 anos do nascimento do grupo.

Pelas 18.30 a mesma sala recebe uma sessão de telediscos dos Pet Shop Boys, com comentários feitos pelos dois autores deste blogue.

Em busca da música do século XXI (2)


Este texto é um excerto de um artigo sobre cinco compositores do nosso tempo originalmente publicado no suplemento Q do Diário de Notícias com o título 'Para descobrir a música do século XXI'. Nomes como os de Max Richter, Richard Reed Parry (que integra os Arcade Fire), Johnny Greenwood (dos Radiohead), Bryce Dessner (dos The National) ou Nico Muhly, estão aqui na berlinda.

Max Richter é neste momento o mais representativo deste grupo, a já expressiva expressão da sua obra sublinhando o estatuto que entretanto conquistou. Nele encontramos tanto um herdeiro de tradições clássicas que remontam a Vivaldi, passam por Varèse ou Stockhausen e também pelos minimalistas – Reich, Riley e Glass – como um atento ouvinte dos ensinamentos de um, Brian Eno ou John Foxx.

Nasceu na Alemanha mas cresceu e foi educado no Reino Unido, fazendo uma viagem de descoberta musical que parte do punk, num percurso que pelos estudos o levaram da Universidade de Edimburgo à Royal Academy of Arts, e mais tarde a Florença. “Tive uma educação clássica mas estava totalmente atento ao que acontecia à minha volta no Reino Unido, em inícios dos anos 80”, confessa o compositor (2). Os primeiros concertos que viu foram dos Clash e Kraftwerk, tinha então 14 anos. Todas estas experiências, para si, sempre “flutuaram juntas”.

A sua carreira profissional começou a bordo do coletivo Piano Circus, um grupo que interpretava obras de nomes como Reich, Glass, Pärt ou Eno. Seguiram-se colaborações com os Future Sound of London e Roni Size & Reoprazent, respetivamente em meados dos anos 90 e no ano 2000. Em 2001, fazendo assim soar a alvorada de um novo século, editou em nome próprio Memoryhouse, álbum que este ano foi reeditado (e apresentado ao vivo no Barbican, em Londres). O disco junta a presença de elementos texturais e cénicos criados por electrónicas ao corpo de uma orquestra. Presente e memórias juntavam-se numa música onde os ecos do passado eram traduzidos num patamar presente que olha o futuro. O jornalista Paul Morley (3), num texto que encontramos na caixa antológica Retrospective, defende que “esta Memoryhouse era apenas a mente, a imaginação, o interior do indivíduo” e ali reconhece ecos tanto de Bartók, Satie ou Harold Budd como de Aphex Twin, Burial ou dos Sigur Rós.

Ao discurso de apresentação do disco Richter associou a expressão pós-clássico que, Morley identificou como possível afinidade com o termo pós-rock, “género que inventou um novo tipo de grupos de guitarras infectados pelas experimentações em estúdio, pela invenção electrónica, as abordagens de improvisação” (4). No fundo também ali se cruzavam barreiras. A utilização de excertos de Memoryhouse em cinema – no trailer de To The Wonder de Malick – e em televisão – na série da BBC Auschwitz – The Nazis and the Final Solution – ajudou a dar visibilidade a Richter, numa mesma altura em que o seu trabalho para cinema (5) começava também a conquistar atenções.

Depois de Memoryhouse Max Richter procurou ir ele mesmo para lá de uma noção (potencialmente restritiva) do que essa expressão “pós-clássico” poderia significar. E ao disco fez suceder uma sucessão de peças que – tal como o histórico Glassworks (1982) de Philip Glass – não eram senão composições criadas para o espaço concreto de um disco. Ideia mais próxima de vivências pop que da tradição da música orquestral. Em The Blue Notebooks (2004) juntou palavras de Kafka na voz de Tilda Swinton, em Songs From Before (2006) colocou Robert Wyatt a ler Murakami, em 24 Postcards in Full Colour (2008) propôs uma reflexão de micro-composição a partir da noção de ringtone e em Infra (2010) convocou heranças de Schubert e aprofundou a busca de caminhos pessoais. Estes quatro discos fazem agora a “retrospetiva” (no formato de uma caixa de 4 CD) que assinalam a associação do compositor à editora Deutsche Grammophon.

Contudo, e apesar da presença recorrente das eletrónicas nessas novas composições, a viagem em que Richter então embarcou aprofundou sobretudo a sua relação com a escrita para piano, para ensembles de câmara e para orquestra. Viagem que teria o seu momento maior no volume que assinou para a série Re-Composed, da Deutsche Grammophon, no qual reinventou – recompondo – as Quatro Estações de Vivaldi, obra na qual ensaia uma outra forma de explorar heranças da tradição clássica ocidental. Aí, como explicou ao DN, o que lhe “interessava mais era o texto”. E continuou: “Claro que é possível manipular o áudio de muitas maneiras, com um computador ou em estúdio, mas o que me interessava mesmo era o texto. E para poder trabalhar com isso precisei de reescrever antes de poder gravar. De certa forma esta foi assim uma remistura em papel, uma remistura analógica. Como compositor trabalho muito com música eletrónica, mas a minha preparação original e o meu universo de partida era o da música feita com pontos num papel. Por isso esta perspetiva”.

2 in ‘Biography’, pag 18 do ‘booklet’ da caixa ‘Retrospective’ 
3 um dos rostos da editora ZTT Records, que editou tanto os Frankie Goes to Hollywood ou Anne Pigalle como o compositor Andrew Poppy. 
4 in ‘A New Way To Listen’, de Paul Morley, pág. 14, texto que integra a caixa ‘Retrospective’. 
5 entre outras, Max Richter assinou já as bandas sonoras de filmes como Valsa com Bashir de Ari Folman ou Lore, de Cate Shortland.

sexta-feira, setembro 26, 2014

Ver + ouvir: Beck, Wah-Wah



O programa de Conan O'Brien dedicou esta semana as suas atenções musicais a memórias da obra de George Harrisson, contando em estúdio com vários convidados. Entre eles Beck, que aqui recorda um tema do álbum All Things Must Pass.

Reedições:
David Bowie

“Sound + Vision”
PLG UK Catalog
4 / 5

Se James Bond nos disse em tempos que só se vive duas vezes, David Bowie mostra-nos que a sua antologia Sound + Vision já soma, pelo menos para já, três vidas. Originalmente lançada em 1989 no formato de três discos (mais um CD-Rom extra, coisa moderna na altura), conheceu segunda versão em 2003 numa caixa maior, com quatro discos e alinhamento a ter em conta alguns episódios (não muitos, de facto) do tempo que entretanto passara. Agora, e num compasso de espera para o lançamento da muito aguardada compilação (tripla) Nothing Has Changed – que inclui um tema novo e duas faixas das sessões do álbum (nunca editado) Toy – eis que entra em cena uma terceira versão da caixa Sound + Vision. Na verdade o que aqui há de novo é apenas uma nova forma de arrumar o mesmo alinhamento da versão lançada há onze anos, sob um grafismo que recorre à mesma fotografia para a capa mas opta por um formato mais próximo das dimensões habituais do CD. Com memórias mais antigas achadas no alinhamento de Space Oddity (1969) – e vale a pena lembrar que a antologia que vem a caminho será a primeira a cruzar esse período posterior a 1969 com alguns momentos da discografia anterior, que remonta a primeiros singles lançados em 1964). Mas mesmo deixando cinco anos de discos de fora, e ignorando o que sucedeu depois de Buddha of Suburbia (1994), apesar de incluir um lado B da fase Earthling (mas com uma versão ao vivo de um tema de 1993), Sound + Vision acaba por ser um dos mais interessantes olhares de conjunto sobre a obra de Bowie, juntando mesmo alguns temas que antes nunca tinham conhecido expressão em CD – nomeadamente duas faixas do EP Baal de 1982, dois lados B até então apenas representados em vinil, uma remistura inédita de Nite Flights (um original dos Walker Brothers) e versões menos habituais em compilações como a gravação do single de 1970 (com Marc Bolan na guitarra) de The Prettiest Star ou Helden (a versão em alemão de Heroes). Musicalmente não acrescenta nada à caixa de 2003. Historicamente fica aquém da visão mais alargada que Nothing Has Changed vai propor. Tem presença acima do que seria desejável (seis temas) da etapa Tin Machine. Mas não deixa de ser uma bela antologia de Bowie.

Queer Lisboa 18 - dia 8


Hoje, penúltimo dia do Queer Lisboa 18, as sessões a apresentar no Cinema São Jorge e Cinemateca Portuguesa são essencialmente centradas em secções não competitivas (apesar de haver ainda exibição de duas longas de ficção e um documentário em competição, assim como duas sessões da secção In My Shorts, dedicada a filmes de escola.

Na Cinemateca passam ainda três filmes de John Waters - Hairspray (15.30), Polyester (19.00) e Pink Flamingos (22.00). Recorde-se que em Polyester haverá distribuição de cartões "odorama", fazendo desta uma sessão de cinema com cheiro... Também na Cinemateca encerra o ciclo dedicado a África com Touki Bouki (19.30).

Entre os títulos fora de competição que passam no S. Jorge ficam aqui três exemplos, acompanhados pelas respetivas sinopses.

Eastern Boys, de Robin Campillo
Eles vêm de todo o leste da Europa: Rússia, Ucrânia, Moldávia. Os mais velhos não parecem ter mais de 25 anos, quanto aos mais novos, não há maneira de adivinhar a sua idade. Eles passam o tempo na Gare du Nord em Paris. Talvez sejam prostitutos. Daniel, um homem discreto nos seus cinquentas tem a atenção virada para um deles, Marek. Com coragem acumulada, ele fala com ele. O jovem aceita visitar Daniel na sua casa no dia seguinte… - 22.00 horas, Sala Manoel de Oliveira

Honeymoon, de Jan Hřebejk
Honeymoon tem lugar nos três dias da festa de casamento de Radim e Tereza. Segredos do passado regressam à vida de Tereza durante o seu próprio casamento, e a festa transforma-se num pesadelo. Tereza já tentara casar antes; e ela está naturalmente hesitante em relação ao actual casamento. Decidiu casar com Radim depois de muita ponderação, tendo vivido com ele durante bastante tempo. O noivo é um tipo amigável que trata Tereza com compreensão e carinho. Todos pensariam que eles eram o casal perfeito… - 17.15 horas, Sala Manoel de Oliveira

Queen Antigone: Three Acts, de Telémachos Alexiou
ma jovem vive com o seu pai gravemente doente e o seu irmão adolescente numa pequena cidade costeira grega. Há já algum tempo que ela deixou de receber o ordenado na loja de moda onde trabalha, há meses que não consegue pagar a assistência médica ao pai e desesperadamente tenta proteger o irmão mais novo de bullying na escola. Ela quer gritar mas não encontra as palavras. Ela quer fugir, mas as pernas entrelaçam-se. Um dia, à procura de cigarros na mochila do irmão, ela encontra a Antígona de Sófocles e, aos poucos, deixa-se identificar com a Heroína. Descontrolada e autodestrutiva, torna-se vítima do seu destino, caminhando o caminho para a sua própria queda trágica e catarse final, com um coro de três rapazes que a conduzem no percurso. - 19.15 horas, Sala 3

Podem ver aqui toda a programação de hoje (com respetivos trailers)

Pink Floyd na 'Blitz' deste mês

O novo disco dos Pink Floyd, juntamente com memórias de um concerto em Portugal e uma história da sua etapa vivida após a saída de Roger Waters (esta última assino eu). Neste número escrevo também sobre o novo disco de Leonard Cohen. E depois há ainda uma reportagem na estrada com a Gisela João, entrevistas com Perfume Genius e B Fachada e histórias de alguns músicos que o cinema já visitou, de Nick Cave e James Brown aos Talking Heads e Jimi Hendrix.

Para ouvir: Trent Reznor e Atticus Ross
revelam música para novo filme de Fincher



A banda sonora do filme Em Parte Incerta representa a terceira colaboração de Trent Reznor e Atticus Ross com David Fincher. Fica aqui um dos momentos que surgirão em disco muito em breve.

Para ler: Paul Morley sobre a relevância
da música clássica no futuro

Num artigo recentemente publicado no Guardian o jornalista Paul Morley descreve a música pop como uma realidade do século passado e aponta azimutes da sua atenção no futuro à música clássica...

Podem ler aqui o artigo.

quinta-feira, setembro 25, 2014

Ver + ouvir:
Volcano Choir, Tiderays



O projeto Volcano Choir, de Bon Iver, acaba de apresentar um teledisco criado para uma das canções do álbum que foi editado em 2013. Este pequeno filme tem realização de Kyle Buckley e Andi Woodward, e inclui bailarinos do Milwaukee Ballet.

Novas edições:
Perfume Genius

“Too Bright”
Caroline International / Popstock
5 / 5

Há quatro tempos era um rosto com um olho negro, aparentemente esmurrado, aquele que nos encarava quando começávamos a ler sobre um jovem cantautor norte-americano que enfrentava os seus medos para, através de delicadas canções de deliciosa fragilidade, ousar falar-nos de si e do seu mundo. Quatro anos depois, as imagens que acompanham o lançamento de Too Bright, o seu terceiro álbum, revelam a pose de quem, em vez de ser sovado, é agora aquele que dá os murros e aponta o dedo. Não que tenha conquistado todos os patamares na escala da segurança (sendo contudo um facto que editar discos, levar as canções ao palco e falar com muita gente pelo mundo fora terá ajudado), mas o homem que agora nos apresenta este novo (e maravilhoso) conjunto de canções ganhou fôlego para, depois de encarado o mundo, o comentar e criticar. E a verdade é que se está a fazer ouvir. Se Learning (2010) trouxe a surpresa e Put Your Back N2 It (2012) sublinhou que havia ali muito mais que um primeiro punhado de canções, ao chegar ao terceiro álbum que edita sob o nome Perfume Genius, Michael Hadreas confirma em pleno que não só é um dos mais inspirados cantautores do nosso tempo e que conseguiu já inscrever através da sua obra uma personalidade demarcada que dele faz uma voz única e claramente distinta, mas revela-se mais que nunca uma figura de referencia, valendo a sua obra musical e visual como uma das mais importantes contribuições recentes para uma mais plural representação das sexualidades e da identidade de género através da arte. E porque a arte é política, Too Bright acaba assim por ser um dos mais importantes contributos neste mesmo espaço, se bem que sem uma agenda tão focadamente ativista como o fizeram os The Knife no mais recente Shaking The Habitual. Ao apresentar o álbum com canções como Queen (onde há uma intensidade cénica que convoca memórias de um Bowie de finais de 70) ou Grid (que experimenta uma pulsão rítmica como a sua música antes nunca ensaiara), Perfume Genius deixou claro o alargamento de horizontes que este disco propõe, sem que tal implique uma rutura com o espaço da balada em que a voz dialoga quase solitária com o piano, algo que o tema de abertura I Decline assegura assim que se mantém como parte do corpo desta obra em construção. Há contudo entre as canções novos desafios no plano da instrumentação e produção (e a presença de Adrian Utley, dos Portishead, ajudou certamente a assegurar a nitidez de novas formas mais elaboradas e intensas), mantendo-se contudo bem firme uma escrita que convoca memórias e cruza personagens em que a dor e as lutas estão patentes (como nos discos anteriores), desta vez todavia com ira onde antes muitas vezes havia mais murmúrios e uma autoconfiança em busca de vencer assombrações de outros tempos. Liricamente seguro, musicalmente mais ousado e implicando uma relação física mais intensa na interpretação Too Bright é daqueles raros terceiros discos que deixam claro que por aqui há já uma obra e uma clara perspetiva de carreira. Um dos discos do ano, sem qualquer dúvida!

30 segundos de Pink Floyd

Ao que parece, tudo começou numa revisão/reaudição de The Division Bell (1994). Vinte anos depois, os Pink Floyd anunciam, para Novembro, o seu 15º álbum de estúdio. Chamar-se-á The Endless River e, para já, temos direito a 30 segundos... O mínimo que se pode dizer? Soa a Pink Floyd...

terça-feira, setembro 23, 2014

Ser ou não ser diferente

Como somos diferentes do outro? Que é como quem diz: como olhamos a diferença do outro? Este spot promocional é um caso exemplar a lidar com tais interrogações — vale a pena ver assim mesmo, sem mais antecipações informativas.

Os filmes para além dos números

E TUDO O VENTO LEVOU (1939)
Nenhum filme é "bom" ou "mau" por ser um blockbuster... Nenhum filme é "bom" ou "mau" por ser a mais rudimentar das produções independentes... Dito de outro modo: a dimensão económica/financeira do cinema pode e deve ser compreendida para lá dos sinais mais superficiais — este texto foi publicado no Diário de Notícias (22 Setembro), com o título 'Ser ou não ser um "blockbuster"'.

Steven Spielberg, Martin Scorsese, Clint Eastwood. E também David Fincher, Paul Haggis ou Jason Reitman... O cinema americano contemporâneo é, de facto, uma paisagem fascinante. E só mesmo o mais rasteiro anti-americanismo cultural, induzido por preconceitos da direita ou alimentado pela cegueira da esquerda, se pode dar ao luxo de ignorar a vitalidade de uma produção marcada por muitas inovações temáticas e permanentes riscos narrativos e estéticos.
Como sempre, esse mesmo anti-americanismo funciona como cortina de fumo ideológica que, através dos seus lugares-comuns, impede a discussão do espaço comercial do cinema americano (em particular na Europa). Exemplo recente: o sucesso de um dos chamados blockbusters de Verão — Guardiões da Galáxia, realizado por James Gunn — tem sido rotulado como sinal de que as audiências estão cansadas do negrume de algumas aventuras de “super-heróis”. O humor mais ou menos caricatural, apontado como a “novidade” deste sucesso, seria a resposta óbvia às rotinas instaladas por outras grandes produções mais ou menos “galácticas”.
De facto, por mim, não creio que o humor destes Guardiões consiga ser mais do que uma imitação tosca do que George Lucas propôs com o primeiro episódio de A Guerra das Estrelas, já lá vão mais de 30 anos (foi em 1977...). Em todo o caso, mesmo que o leitor não partilhe do meu desencanto, gostaria de voltar a chamar a atenção para aquilo que, por regra, não se analisa quando se abordam os sucessos de blockbusters. A saber: o relativismo dos seus números.
Com mais de 600 milhões de dólares de receitas globais (cerca de metade nos EUA, a outra metade no resto do mundo), a performance financeira dos Guardiões envolve valores gigantescos. Resta saber porque é que muitas notícias que dão contam do facto se “esquecem” de acrescentar que a sua produção custou 170 milhões, o que, de acordo com a mais estrita normalidade dos grandes estúdios, significa que pelo menos outros 170 se gastaram na sua promoção.
Mais ainda: vale a pena dizer que, sendo nas salas americanas o maior sucesso de 2014, na lista de receitas corrigida pelos valores da inflação, os Guardiões não estão em primeiro, nem em segundo... mas no 191º lugar [actualização]. O filme que continua a liderar tal tabela dá pelo nome de E Tudo o Vento Levou, surgiu em 1939 e acumulou receitas que mais do que quintuplicam as dos Guardiões.
E se Guardiões da Galáxia fosse uma esplendorosa obra-prima? Mais do que nunca, importa repetir que, face a estes dados, não é isso que estamos a analisar. Nenhum filme é melhor ou pior por causa dos cifrões que movimenta... O que está em causa é o facto de a imagem mais forte do cinema americano ser a que resulta de uma histeria economicista que, afinal, menospreza a singularidade dos filmes. Até porque esta semana se estreou o maravilhoso Jersey Boys, de Clint Eastwood!...

George Sluizer (1932 - 2014)

Cineasta holandês, nascido em França, dirigiu uma adaptação de A Jangada de Pedra, de José Saramago: George Sluizer faleceu no dia 20 de Setembro, em Amsterdão — contava 82 anos.
O título mais célebre de Sluizer, O Homem que Queria Saber (1988), narrava a história de um homem que, na sequência do rapto da namorada, não desistia de a procurar, a certa altura começando a receber cartas do próprio raptor [trailer francês]. Em 1993, Sluizer dirigiu uma versão americana da mesma história, adoptando o título internacional do filme original, The Vanishing (entre nós chamou-se A Desaparecida). A Jangada de Pedra (2002) foi a sua derradeira realização, embora outro dos seus filmes, Dark Blood, um thriller sobre o uso da energia nuclear, só tenha estreado em 2012 — ficara suspenso na sequência da morte de River Phoenix, actor principal, e Sluizer só conseguiu terminar a sua versão cerca de dez anos mais tarde.


>>> Obituário em The Guardian.
>>> Site oficial de George Sluizer.

segunda-feira, setembro 22, 2014

O minimalismo de The Antlers

The Antlers, o magnífico trio de Brooklyn que pratica um som depurado, organizado a partir de elaborados contornos poéticos, prossegue a sua saga de telediscos minimalistas. Depois de Palace e Hotel, é a vez de Refuge, ao mesmo nebuloso e cristalino — são todos eles temas do magnífico álbum Familiars, lançado em Junho.


>>> Site oficial de The Antlers.

domingo, setembro 21, 2014

Clint Eastwood & The Four Seasons (2/2)

Clint Eastwood volta a dar mostras do seu gosto por certos universos musicais: inspirado num espectáculo da Broadway, Jersey Boys é o retrato íntimo das canções do grupo The Four Seasons — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 Setembro), com o título 'A arte de fazer história'.

[ 1 ]

Alguns dos papéis mais dramáticos de Clint Eastwood têm a ver com os universos do espectáculo, em geral, e da música, em particular. Lembremos um dos seus títulos mais pessoais, Bronco Billy (1980), sobre um moderno cowboy que tenta manter em actividade um nostálgico circo do Oeste. E lembremos também esse filme pungente que é Honkytonk Man/A Última Canção (1982), retrato de um cantor country em acelerada decomposição física, tendo por pano de fundo a Grande Depressão. Em ambos os casos, os heróis (aliás, anti-heróis) são interpretados pelo próprio Eastwood, num misto de fascínio e desencanto pelos bastidores do espectáculo que, mesmo sem a sua presença como actor, ecoa em Jersey Boys.
Rawhide
Ao acompanhar o perverso processo de ascensão de uma banda como The Four Seasons, ele está a retratar uma época de inusitadas convulsões. São tempos em que os valores de uma cultura mais tradicional, de que The Four Seasons terão sido os ambíguos emissários, colidem com um novo imaginário juvenil que vai da música dos Beatles até às interrogações da bem chamada “contra-cultura”.
Eastwood faz um filme que, sendo um riquíssimo fresco histórico, nunca menospreza as singularidades de cada personagem. Nessa medida, Jersey Boys pode ser visto também como uma câmara de eco dos grandes dramas sociais da época, na altura retratados por génios clássicos como Vincente Minnelli (A Herança da Carne, 1960) ou por valores emergentes como Richard Quine (Um Estranho na Minha Vida, 1960). Aliás, convém não esquecer que Eastwood aparece mesmo em Jersey Boys. Como? Mostrando-se numa cena em que, na televisão, está a passar um episódio de Rawhide, série televisiva ambientada no velho Oeste que ele protagonizou entre 1959 e 1966... Como quem diz: “Também pertenço a esta história”.

Tony Bennett & Lady Gaga

* Em tempos de tantos cinismos, há várias maneiras de passar ao lado deste disco. Por exemplo, considerando que, à semelhança de outros nomes clássicos, exteriores a qualquer linha pop/rock/punk & etc., Tony Bennett continua a sustentar muito da sua carreira através de duetos mais ou menos felizes, inaugurados com Duets: An American Classic (2006). Pode também dizer-se que, enredada na preocupação pueril de fazer "mais" Madonna que Madonna (para quê?...), Lady Gaga andava à procura de algum desvio criativo, capaz de recentrar a sua carreira. Enfim, acrescentar-se-á que, com as crises que assombram o comércio da música, vale a pena tentar o inusitado, nem que seja voltar a reunir uma colecção de standards do jazz... a ver se pega.

* Sejamos pragmáticos: de facto, tudo isso envolve alguma verdade. Cheek to Cheek nasce da ansiedade própria de um tempo em que todos os padrões culturais e comerciais (e como pensar uns sem os outros?) se apresentam debilitados face à erosão de uma audiência que já ninguém parece conhecer nem reconhecer — ou que muito poucos se empenham em estudar. Em termos práticos, rezam as crónicas que tudo começou em 2011, quando Bennett e a senhora que dá pelo nome de Stefani Germanotta se conheceram nos bastidores de uma gala da Robin Hood Foundation: ele convidou-a para um dueto e assim nasceu uma magnífica versão de The Lady Is a Tramp, incluindo no Duets II (2011), de Bennett. O resto... é história!

* O mérito dos dois felizes aliados decorre da mais básica humildade. Quando se revisitam temas como Anything Goes (Cole Porter), Sophisticated Lady (Duke Ellington) ou Let's Face the Music and Dance (Irving Berlin), importa saber resistir a qualquer ilusão de "modernização". Para quê? Para valorizar a emoção própria, irredutível, de cada intérprete. E se Bennett mantém a austera elegância que sempre lhe conferiu uma identidade muito própria (não a de um "segundo" Sinatra), Miss Germanotta expõe-se num misto de clareza e clarividência que, porventura injustamente, e apesar das suas raízes jazzísticas, talvez não esperássemos encontrar — um dos temas a solo, Lush Life (Billy Strayhorn), é mesmo das coisas mais intensas, paradoxalmente contidas, que ouvimos por estes dias. Bennett & Gaga são duas estrelas no pleno controle das suas (imensas) qualidades, e também do seu charme, esse produto de luxo, cada vez mais menosprezado pela velocidade dos tempos — as fotos do álbum, transfigurando nostalgia em ambíguo realismo, hélas!, são do grande Steven Klein.

>>> Eis três telediscos da colaboração Tony Bennett/Lady Gaga: primeiro, The Lady Is a Tramp, de Duets II; depois, Anything Goes e I Can't Give You Anything But Love, do novo álbum Cheek to Cheek.





Nos 80 anos de Leonard Cohen



Mais que fazer um historial de memórias, no dia em que celebra os seus 80 anos Leonard Cohen é notícia pelo facto de amanhã lançar Popular Problems, um novo disco de originais. Em breve falarei aqui do disco. Para já ficam imagens para acompanhar o tema (e a letra) que antecipa o lançamento do disco.

Queer Lisboa 18 - dia 3


A estreia nacional de um filme inédito de Derek Jarman, uma mostra de alguns telediscos assinados pelo realizador e ainda a longa-metragem La Partida, de Antonio Hens, integram alguns dos destaques das secções não competitivas a ver hoje no Queer Lisboa 18, entre as salas do Cinema São Jorge.

Will You Dance With Me? nasceu na verdade de imagens captadas numa noite de 1984 quando Derek Jarman, munido de uma câmara VHS, partiu com a equipa do realizador Ron Peck (que então preparava o filme Empire State) para o Benjy's, um clube local britânico num serão de trabalho em que tinha por missão olhar maneiras de retratar as pessoas a dançar. Foi o que fez. E com uma banda sonora (aquela que o DJ ia rodando nos pratos) por onde passava, temas dos Frankie Goes To Hollywood, Shannon, Herbie Hancock ou Break Machine, tomou os figurantes como mais que meros anónimos. Transformou-os em personagens, que assim acompanhou ao longo da noite. Essas imagens ficaram na gaveta anos a foi, foram finalmente divulgadas este ano no London Flare, na sala maior do British Film Institute, em Londres. Hoje o Queer Lisboa apresenta, pelas 17.00 (na sala 3 do Cinema São Jorge) a primeira apresentação do filme após esta estreia absoluta em Londres. Ron Peck estará na sala para evocar como surgiram estas imagens.

Podem ler aqui uma entrevista com Ron Peck, onde (entre outros assuntos) se fala deste filme.

Após a projeção de Will You Dance With Me?, a sala 2 do Cinema São Jorge apresenta (com comentários de um dos autores deste blogue) uma seleção de alguns dos mais significativos telediscos de Derek Jarman para canções de nomes como, entre outros, Marianne Faithfull, os Pet Shop Boys, Marc Almond, The Smiths ou Bryan Ferry.

Também hoje de tarde, mas na Sala Manoel de Oliveira do mesmo cinema passa, integrado na secção Panorama, o filme La Partida, do realizdor espanhol Antonio Hens. Um filme rodado em Cuba e sobre o qual o realizador fala numa entrevista que podem ler no site do festival.

Diz a sinopose: dois rapazes cubanos no limiar da marginalidade lutam por uma vida em conjunto. Mas é duro para ambos: um tem que trabalhar como cobrador dos que têm dívidas para com o sogro. O outro prostitui-se pelas ruas para cumprir as obrigações familiares.

Podem ler aqui a entrevista com Antonio Hens.


Em competição:

Entre os destaques do dia nas secções competitivas de longas metragens há duas ficções e dois documentários a ter em conta. Além disso, pelas 19.15 horas, é apresentada na sala 3 do Cinema São Jorge a primeira sessão de curtas-metragens.



Aqui podem ler o que contam as sinopses dos filmes em  competição:

Prophecy, Pasolini's Africa, de Gianni Borgna e Enrico Menduno:
Depois de Accattone (1961), Pasolini voltou-se para África, à procura de uma força proletária e revolucionária que procurara em vão no norte italiano e nos subúrbios de Roma. Assim nasceu a sua poesia e os filmes La rabbia (1963), Edipo re (1967) e Appunti per un'Orestiade africana (1968-1973). Profezia. L'Africa di Pasolini explora uma esperança que vai acabar em nova decepção: a África é um reservatório de contradições irreconciliáveis ​​que vai explodir nos confrontos, ditaduras, massacres presentes e futuros. África está desgastada nos limites de incerteza, como a periferia do primeiro mundo. A inspiração profética continua a incomodar-nos quando ele descreve, trinta anos antes, o êxodo de africanos nos barcos e a sua "conquista" de Itália. Mas o poeta está destinado a uma morte precoce, como em Accattone. - 15.00 horas, Sala 3

L'Armée du Salut, de Abdellah Taïa:
Em Casablanca, o jovem Abdellah passa os dias em casa, vivendo uma relação de conflito e cumplicidade com o pai. Nas ruas, tem ocasionalmente relações sexuais com homens. Durante as férias, o seu irmão mais velho, que venera, abandona-o. Dez anos mais tarde. Abdellah vive com o seu companheiro suíço, Jean. Ele deixa Marrocos e muda-se para Genebra, onde decide terminar o seu relacionamento e viver uma nova vida sozinho. Procura abrigo com o Exército da Salvação, onde um marroquino lhe canta uma canção do seu ídolo, Abdel Halim Hafez. - 19.30 horas, Sala 1

American Vagabond, de Susanna Helke:
James fugiu da casa dos pais porque eles não aceitavam o facto de ser gay. Ele tenta encontrar refúgio em São Francisco com o seu namorado, Tyler. Eles pensavam que encontrariam uma comunidade na “Meca Gay”. Em vez disso, acabam a dormir num parque e a pedir pelas ruas do bairro gay. Eles encontram-se presos num mundo de sem-abrigos e numa comunidade composta por outros jovens gay rejeitados. Eventualmente, James tem de enfrentar o seu passado e o lugar que deixou para trás. American Vagabond é uma história sobre o crescimento de um rapaz gay de uma cidade pequena na América. Uma história sobre uma família que enfrenta o seu maior medo. - 21.20, Sala 3

Party Girl, de Marie Amachoukeli, Claire Burger e Samuel Theis:
Angélique é uma empregada de bar de 60 anos. Ela ainda gosta de divertir-se, ainda gosta de homens. De noite, ela fá-los beber, num cabaret na fronteira Franco-Alemã. À medida que o tempo passa, os clientes são escasseando, Mas Michel, presença regular na casa, ainda está apaixonado por ela. Certo dia, ele pede Angélique em casamento. 22.00 horas, Sala 1