“Tomorrow’s Modern Boxes”
ed. Autor
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A surpresa começa a ganhar peso de norma na hora de lançar
álbuns de nomes de relevância maior no panorama atual da música popular. E
poucos dias depois de termos visto os U2 a oferecer, via iTunes, um novo álbum
de originais a todos os utilizadores desse serviço da Apple, agora, e também
sem qualquer anuncio formal prévio, foi a vez de Thom Yorke ter apresentado um novo disco de originais da noite para o dia. A
grande diferença é que o faz usando um método novo: via BitTorrent, mas a troco
de um pagamento.
Com o título Tomorrow’s Modern Boxes, o segundo álbum a
solo do vocalista dos Radiohead surge oito anos após The Eraser – o seu primeiro disco em
nome próprio – e um ano após a experiência no projeto paralelo Atoms For Peace,
que lançou em 2013 o álbum Amok. A edição do novo disco convoca contudo
memórias do que houve de pioneiro – e desafiante – em In Rainbows, álbum de
2007 dos Radiohead que teve um primeiro lançamento digital (pedindo a cada um
que pagasse o que entendesse, prevendo mesmo o preço zero como viável) antes de
ter conhecido, mais tarde, uma edição em suportes físicos mais convencionais.
O disco de aprofunda a sua relação com um labor de fino detalhe nas
electrónicas e apresenta oito novos temas entre os quais A Brain In a Bottle,
a melhor canção de Thom Yorke (a solo ou em grupo) em largos anos. O disco tem nas memórias de Kid A e Amnesiac
importantes pontos de referencia para parte do alinhamento e assinala uma vontade em explorar espaços de composição onde voz e texturas desenham linhas que avançam num
regime algo líquido, envolvendo-se num corpo de formas que, mesmo aparentemente turvas num primeiro contacto, se revelam afinal mais claras e consequentes que em outros episódios da obra mais recente do músico. Parte do
alinhamento traduz, num outro sentido, preocupações de arrumação ditada pelo
ritmo, aproximando-se aí de eventuais heranças do trabalho coletivo via Atoms
For Peace.
Num comunicado que emitiu, juntamente com o produtor Nigel
Godrich (que há muito trabalha não apenas com os Radiohead mas também nas
experiências a solo do vocalista do grupo), Thom Yorke explicou que este modelo
de edição discográfica, que usa uma nova versão do BitTorrent, é assumido como
uma experiência para avaliar se “as mecânicas do sistema são algo com que o
público em geral possa lidar” acrescentando que, se correr bem, “este poderá
ser um meio eficaz para devolver algum do comércio através da Internet às
pessoas que criam as obras”, permitindo assim encontrar um modelo que permita
ao artista “que faz música, jogos ou quaisquer outros conteúdos digitais
vendê-los ele mesmo”. A declaração aponta ainda que este sistema “finta” assim
os “auto-eleitos guardiões” e lembra que o mecanismo usado “não requer custos
de uploading ou arquivo” e que a rede que assim opera “não só permite o tráfego
como ela mesma contém os ficheiros”.
O BitTorrent é um dos mais populares protocolos de partilha de
ficheiro peer to peer e tornou-se conhecido na década passada em casos de troca
de conteúdos pirateados. É reconhecido como um protocolo que torna mais rápidos
os downloads de grandes ficheiros uma vez que usa os vários computadores onde estão
alojados como fontes onde são colhidos elementos que depois são agrupados e ordenados
no computador que os recebe. Não é a primeira vez que músicos usam o sistema,
mas ao associar este modelo de distribuição a um pagamento (sem o qual não se
acede aos ficheiros) representa uma novidade. E, como se infere pelas palavras
de Thom Yorke, uma declaração de esperança numa nova forma de viabilizar não
apenas a venda de músico mas de estabelecimento de uma relação mais direta
entre quem faz a música e quem a quer escutar.
Apesar da surpresa que surgiu com a chegada do álbum (e o
modo de o vender) a verdade é que nas últimas semanas tinham surgido nas redes
sociais várias pistas indicando movimentações possíveis em terreno próximo do
vocalista dos Radiohead. O próprio Thom Yorke revelara, esta semana, que os
Radiohead estão a terminar uma etapa de gravações de um novo álbum. Tomorrow’s
Modern Boxes junta-se assim a títulos recentes de David Bowie, Beyoncé ou U2
que usaram também a surpresa em favor de uma capitalização de atenções,
contrariando assim modelos clássicos de marketing.
PS. Este texto é uma versão editada e acrescentada de um outro publicado na edição de 29 de setembro do DN