Caroline International / Popstock
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Há quatro tempos era um rosto com um olho negro, aparentemente esmurrado, aquele que nos encarava quando começávamos a ler sobre um jovem cantautor norte-americano que enfrentava os seus medos para, através de delicadas canções de deliciosa fragilidade, ousar falar-nos de si e do seu mundo. Quatro anos depois, as imagens que acompanham o lançamento de Too Bright, o seu terceiro álbum, revelam a pose de quem, em vez de ser sovado, é agora aquele que dá os murros e aponta o dedo. Não que tenha conquistado todos os patamares na escala da segurança (sendo contudo um facto que editar discos, levar as canções ao palco e falar com muita gente pelo mundo fora terá ajudado), mas o homem que agora nos apresenta este novo (e maravilhoso) conjunto de canções ganhou fôlego para, depois de encarado o mundo, o comentar e criticar. E a verdade é que se está a fazer ouvir. Se Learning (2010) trouxe a surpresa e Put Your Back N2 It (2012) sublinhou que havia ali muito mais que um primeiro punhado de canções, ao chegar ao terceiro álbum que edita sob o nome Perfume Genius, Michael Hadreas confirma em pleno que não só é um dos mais inspirados cantautores do nosso tempo e que conseguiu já inscrever através da sua obra uma personalidade demarcada que dele faz uma voz única e claramente distinta, mas revela-se mais que nunca uma figura de referencia, valendo a sua obra musical e visual como uma das mais importantes contribuições recentes para uma mais plural representação das sexualidades e da identidade de género através da arte. E porque a arte é política, Too Bright acaba assim por ser um dos mais importantes contributos neste mesmo espaço, se bem que sem uma agenda tão focadamente ativista como o fizeram os The Knife no mais recente Shaking The Habitual. Ao apresentar o álbum com canções como Queen (onde há uma intensidade cénica que convoca memórias de um Bowie de finais de 70) ou Grid (que experimenta uma pulsão rítmica como a sua música antes nunca ensaiara), Perfume Genius deixou claro o alargamento de horizontes que este disco propõe, sem que tal implique uma rutura com o espaço da balada em que a voz dialoga quase solitária com o piano, algo que o tema de abertura I Decline assegura assim que se mantém como parte do corpo desta obra em construção. Há contudo entre as canções novos desafios no plano da instrumentação e produção (e a presença de Adrian Utley, dos Portishead, ajudou certamente a assegurar a nitidez de novas formas mais elaboradas e intensas), mantendo-se contudo bem firme uma escrita que convoca memórias e cruza personagens em que a dor e as lutas estão patentes (como nos discos anteriores), desta vez todavia com ira onde antes muitas vezes havia mais murmúrios e uma autoconfiança em busca de vencer assombrações de outros tempos. Liricamente seguro, musicalmente mais ousado e implicando uma relação física mais intensa na interpretação Too Bright é daqueles raros terceiros discos que deixam claro que por aqui há já uma obra e uma clara perspetiva de carreira. Um dos discos do ano, sem qualquer dúvida!