Este texto é um excerto de um artigo sobre cinco compositores do nosso tempo originalmente publicado no suplemento Q do Diário de Notícias com o título 'Para descobrir a música do século XXI'. Nomes como os de Max Richter, Richard Reed Parry (que integra os Arcade Fire), Johnny Greenwood (dos Radiohead), Bryce Dessner (dos The National) ou Nico Muhly, estão aqui na berlinda.
Max Richter é neste momento o mais representativo deste grupo, a já expressiva expressão da sua obra sublinhando o estatuto que entretanto conquistou. Nele encontramos tanto um herdeiro de tradições clássicas que remontam a Vivaldi, passam por Varèse ou Stockhausen e também pelos minimalistas – Reich, Riley e Glass – como um atento ouvinte dos ensinamentos de um, Brian Eno ou John Foxx.
Nasceu na Alemanha mas cresceu e foi educado no Reino Unido, fazendo uma viagem de descoberta musical que parte do punk, num percurso que pelos estudos o levaram da Universidade de Edimburgo à Royal Academy of Arts, e mais tarde a Florença. “Tive uma educação clássica mas estava totalmente atento ao que acontecia à minha volta no Reino Unido, em inícios dos anos 80”, confessa o compositor (2). Os primeiros concertos que viu foram dos Clash e Kraftwerk, tinha então 14 anos. Todas estas experiências, para si, sempre “flutuaram juntas”.
A sua carreira profissional começou a bordo do coletivo Piano Circus, um grupo que interpretava obras de nomes como Reich, Glass, Pärt ou Eno. Seguiram-se colaborações com os Future Sound of London e Roni Size & Reoprazent, respetivamente em meados dos anos 90 e no ano 2000. Em 2001, fazendo assim soar a alvorada de um novo século, editou em nome próprio Memoryhouse, álbum que este ano foi reeditado (e apresentado ao vivo no Barbican, em Londres). O disco junta a presença de elementos texturais e cénicos criados por electrónicas ao corpo de uma orquestra. Presente e memórias juntavam-se numa música onde os ecos do passado eram traduzidos num patamar presente que olha o futuro. O jornalista Paul Morley (3), num texto que encontramos na caixa antológica Retrospective, defende que “esta Memoryhouse era apenas a mente, a imaginação, o interior do indivíduo” e ali reconhece ecos tanto de Bartók, Satie ou Harold Budd como de Aphex Twin, Burial ou dos Sigur Rós.
Ao discurso de apresentação do disco Richter associou a expressão pós-clássico que, Morley identificou como possível afinidade com o termo pós-rock, “género que inventou um novo tipo de grupos de guitarras infectados pelas experimentações em estúdio, pela invenção electrónica, as abordagens de improvisação” (4). No fundo também ali se cruzavam barreiras. A utilização de excertos de Memoryhouse em cinema – no trailer de To The Wonder de Malick – e em televisão – na série da BBC Auschwitz – The Nazis and the Final Solution – ajudou a dar visibilidade a Richter, numa mesma altura em que o seu trabalho para cinema (5) começava também a conquistar atenções.
Depois de Memoryhouse Max Richter procurou ir ele mesmo para lá de uma noção (potencialmente restritiva) do que essa expressão “pós-clássico” poderia significar. E ao disco fez suceder uma sucessão de peças que – tal como o histórico Glassworks (1982) de Philip Glass – não eram senão composições criadas para o espaço concreto de um disco. Ideia mais próxima de vivências pop que da tradição da música orquestral. Em The Blue Notebooks (2004) juntou palavras de Kafka na voz de Tilda Swinton, em Songs From Before (2006) colocou Robert Wyatt a ler Murakami, em 24 Postcards in Full Colour (2008) propôs uma reflexão de micro-composição a partir da noção de ringtone e em Infra (2010) convocou heranças de Schubert e aprofundou a busca de caminhos pessoais. Estes quatro discos fazem agora a “retrospetiva” (no formato de uma caixa de 4 CD) que assinalam a associação do compositor à editora Deutsche Grammophon.
Contudo, e apesar da presença recorrente das eletrónicas nessas novas composições, a viagem em que Richter então embarcou aprofundou sobretudo a sua relação com a escrita para piano, para ensembles de câmara e para orquestra. Viagem que teria o seu momento maior no volume que assinou para a série Re-Composed, da Deutsche Grammophon, no qual reinventou – recompondo – as Quatro Estações de Vivaldi, obra na qual ensaia uma outra forma de explorar heranças da tradição clássica ocidental. Aí, como explicou ao DN, o que lhe “interessava mais era o texto”. E continuou: “Claro que é possível manipular o áudio de muitas maneiras, com um computador ou em estúdio, mas o que me interessava mesmo era o texto. E para poder trabalhar com isso precisei de reescrever antes de poder gravar. De certa forma esta foi assim uma remistura em papel, uma remistura analógica. Como compositor trabalho muito com música eletrónica, mas a minha preparação original e o meu universo de partida era o da música feita com pontos num papel. Por isso esta perspetiva”.
3 um dos rostos da editora ZTT Records, que editou tanto os Frankie Goes to Hollywood ou Anne Pigalle como o compositor Andrew Poppy.
4 in ‘A New Way To Listen’, de Paul Morley, pág. 14, texto que integra a caixa ‘Retrospective’.
5 entre outras, Max Richter assinou já as bandas sonoras de filmes como Valsa com Bashir de Ari Folman ou Lore, de Cate Shortland.