Clint Eastwood volta a dar mostras do seu gosto por certos universos musicais: inspirado num espectáculo da Broadway, Jersey Boys é o retrato íntimo das canções do grupo The Four Seasons — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 Setembro), com o título 'A arte de fazer história'.
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Alguns dos papéis mais dramáticos de Clint Eastwood têm a ver com os universos do espectáculo, em geral, e da música, em particular. Lembremos um dos seus títulos mais pessoais, Bronco Billy (1980), sobre um moderno cowboy que tenta manter em actividade um nostálgico circo do Oeste. E lembremos também esse filme pungente que é Honkytonk Man/A Última Canção (1982), retrato de um cantor country em acelerada decomposição física, tendo por pano de fundo a Grande Depressão. Em ambos os casos, os heróis (aliás, anti-heróis) são interpretados pelo próprio Eastwood, num misto de fascínio e desencanto pelos bastidores do espectáculo que, mesmo sem a sua presença como actor, ecoa em Jersey Boys.
Rawhide |
Eastwood faz um filme que, sendo um riquíssimo fresco histórico, nunca menospreza as singularidades de cada personagem. Nessa medida, Jersey Boys pode ser visto também como uma câmara de eco dos grandes dramas sociais da época, na altura retratados por génios clássicos como Vincente Minnelli (A Herança da Carne, 1960) ou por valores emergentes como Richard Quine (Um Estranho na Minha Vida, 1960). Aliás, convém não esquecer que Eastwood aparece mesmo em Jersey Boys. Como? Mostrando-se numa cena em que, na televisão, está a passar um episódio de Rawhide, série televisiva ambientada no velho Oeste que ele protagonizou entre 1959 e 1966... Como quem diz: “Também pertenço a esta história”.