sábado, dezembro 31, 2011

A IMAGEM: Edward Steichen, 1927

EDWARD STEICHEN
Fred Astaire
1927

Slow Club: continuar a viver

If We're Still Alive: um bom título, para celebrar o desejo simples (?) de viver, continuar a viver — pop sem complexos nem preconceitos pelo duo inglês Slow Club, de Sheffield; a canção pertence ao seu opus 2, Paradise.

Para onde vai o cinema português?

Manoel de Oliveira / CANNES, 12 Maio 2011
Para onde vai o cinema português? Tendo em conta alguns recentes ecos internacionais, vale a pena recordar que a International Press Academy, distinguiu Mistérios de Lisboa, de Raúl Ruiz, como o melhor filme estrangeiro estreado em 2011 nos EUA. Em Hollywood, José e Pilar, de Miguel Gonçalves Mendes, integra a prestigiosa lista de 63 títulos da qual sairão os cinco candidatos ao Oscar de melhor filme estrangeiro (nomeações a 24 de Janeiro).
Entretanto, em 2011, três filmes de Pedro Costa (Ossos, No Quarto da Vanda e Juventude em Marcha) surgiram no catálogo da Criterion Collection, uma das marcas de excelência do DVD. Internamente, este foi um ano de estreias de invulgar pluralidade criativa, incluindo títulos tão diversos como Sangue do Meu Sangue (João Canijo), Viagem a Portugal (Sérgio Tréfaut) ou O Estranho Caso de Angélica (Manoel de Oliveira).
Que sobra disto tudo? Pois bem, um mercado audiovisual que continua dominado pelo modelo “telenovelesco”, a ponto de os filmes serem tratados como objectos descartáveis de algumas programações televisivas (é mesmo frequente encontrar para alguns espaços a informação “filme a anunciar”...). Reside aí o cerne de uma questão que, em boa verdade, permanece adiada: a de saber se existe, ou pode existir, uma visão política para definir e estabilizar as formas da produção cinematográfica em Portugal. Que um determinado filme seja incensado por uns e repudiado por outros, eis um pormenor sem importância. A história das linguagens faz-se sempre dessa guerra.

Memórias de uma noite de ano novo
(e a todos um bom 2012)


Foi há precisamente 30 anos. A 31 de Dezembro de 1981 a festa de passagem de ano parecia não ter outra banda sonora senão a do álbum de estreia dos Duran Duran, lançado alguns meses antes. A música vinha do andar de baixo, o jogo de varandas desalinhadas no edifício permitindo aos vizinhos de cima (nós) dar conta do que se ouvia e dançava mais abaixo.

Recorde-se que Portugal foi, em 1981, um dos primeiros países a fazer dos Duran Duran um fenómeno. De resto, Planet Earth, o seu primeiro single, atingira o número um entre nós (o que aconteceu apenas mais em países como a Suécia e Austrália). Tinham por cá passado para uma actuação televisiva e os outros três singles lançados nesse ano – Careless Memories, Girls on Film e, sobretudo My Own Way – eram presença regular nos espaços para telediscos na continuidade da emissão da RTP e em vários programas de rádio. Estas eram as quatro canções que conhecia (My Own Way sendo já um primeiro aperitivo para um segundo álbum que chegaria apenas na Primavera de 1982). Mas naquela noite a música que chegava do terceiro piso mostrava outras que nunca escutara antes. Não lhes conhecia os nomes mas, tantas vezes que foram repetidas, acabaram por soar quase como se tivessem singles. Três delas cativaram particularmente a minha atenção (mais tarde saberia que tinham por título Anyone Out There, Sound of Thunder e Friends of Mine e, hoje, são ainda os temas do álbum de estreia do grupo aos quais que mais vezes regresso).

Estávamos em 1981 e a economia portuguesa não era coisa que se mostrasse aos amigos... Ainda a fazer o liceu, vivia da semanada (não muito folgada) e tratava de poupar o mais possível no dinheiro para o almoço e lanche na escola. Feitas as contas, sobravam por semana perto de 120 escudos (aproximadamente uns 60 cêntimos actuais), precisamente o que era então preço de um single . Durante a semana, faltasse um professor ou houvesse um “furo”, visitava as novidades na Compasso, em Campo de Ourique. E a cada manhã de sábado passava em revista os escaparates das novidades nas lojas do Chiado. Começava na discoteca dos armazéns Novo Figurino, subia ao último andar do Jerónimo Martins, gastava a maior parte do tempo nas lojas Valentim de Carvalho e Discoteca Melodia, via as importações na Discoteca do Carmo, passava ainda pelos espaços dedicados aos discos nos Armazéns do Chiado. E, depois de muitas pré-escutas (a Melodia tinha ainda cabinas individuais para ouvir discos antes de os comprarmos, na Valentim havia vários auscultadores num balcão), escolhia “o” single a levar para casa. Querendo um álbum a dieta fazia-se durante duas semanas, à terceira estando reunidos os 360 escudos que custava. Mais perto do aniversário e no Natal dava para luxos de comprar dois ou três de uma vez!

Ainda com o mealheiro natalício por gastar, aquela noite ajudou a decidir qual seria o primeiro álbum a levar para casa no ano que começava. Em 1981 tinha comprado discos dos Depeche Mode, Lene Lovich, Classix Nouveaux, Human League, Blondie, Soft Cell, Stranglers ou Madness e, apesar de muito ter escutado na rádio Girls On Film, Careless Memories ou Planet Earth, ainda não tinha um único disco dos Duran Duran. Os três singles custariam 360 escudos. O mesmo que o álbum. Este juntaria às três canções as “novas” que descobrira nessa noite. Gerindo o orçamento, optei pelo álbum (mais tarde acabando por comprar os singles e nos três descobrindo magníficos lados B como Late Bar, Khanada e Faster Than Light). Foi a minha primeira decisão musical de 1982. E desde então não passa nenhum 31 de Dezembro em que não escute, de novo, esse álbum de 1981 (acabo de o ouvir, de resto)...

Trinta anos depois deixo aos leitores do Sound + Vision os votos de um bom 2012 (e não vamos falar da crise nem das profecias maias agora, ok?) com uma dessas canções que escutei pela primeira vez nessa noite de passagem de ano. Aqui fica Friends of Mine, um dos temas do álbum de estreia dos Duran Duran (1981). E um bom ano!

sexta-feira, dezembro 30, 2011

"Cat people"

Portfolio do inglês Anthony Maule para a edição russa da Vogue: memórias de Simone Simon e da sua atracção pelas panteras — cinefilia cruzada com a moda, moda do lado do imaginário romântico, romantismo fora de moda, perfeito.

The Gift editam 'Primavera' em Janeiro

Os The Gift, que amanhã actuam ao vivo (em concerto gratuito) no Casino Lisboa, têm novo álbum em inícios de 2012. Com o título Primavera, o novo disco de originais foi gravado recentemente no CCB e inclui 12 temas. “Primavera é uma das palavras em português que mais gosto. Um dia disse ao Nuno que o nosso disco Explode se deveria chamar Primavera, mas ele sabia que a visão dele para Primavera era diferente da minha e ele tinha razão", explica John Gonçalves num comunicado que a banda acaba de lançar. Ao lançamento do disco segue-se uma dirgessão na qual o grupo apresentará canções deste novo disco e do anterior. Aqui fica a lista das datas já marcadas:

Janeiro: 
13 sexta – Alcobaça • Cine-teatro de Alcobaça - João d’Oliva Monteiro
14 sábado – Alcobaça • Cine-teatro de Alcobaça - João d’Oliva Monteiro
18 quarta – Madrid • Teatro Lara
19 quinta – Madrid • Teatro Lara
20 sexta – Barcelona • Sala Bikini
26 quinta – Porto • Casa da Música
27 sexta – Fafe • Teatro Cinema 28 sábado – Aveiro • Teatro Aveirense

Fevereiro:
02 quinta – Santiago de Compostela • Teatro Principal
03 sexta – Arcos de Valdevez • Casa das Artes (Sons de Vez)
04 sábado – Faro • Teatro Municipal
10 sexta – Vila Real • Teatro de Vila Real
11 sábado – Castelo Branco • Cine-Teatro Avenida
16 quinta – Lisboa • Centro Cultural de Belém
18 sábado – Vila do Conde • Teatro Municipal
23 quinta – Leiria • Teatro José Lúcio da Silva
24 sexta – Coimbra • Teatro Académico Gil Vicente
25 sábado – Braga • Theatro Circo

As canções de 2011 (17):
The Sound of Arrows, Wonders


Mais uma das canções a reter entre a história de 2012. Pop bem luminosa. E dançável. Para ouvir em Wonders, dos suecos The Sound of Arrows.

Há cerca de um mês, quando se apresentava aqui o álbum de estreia dos suecos The Sound of Arrows lançava-se uma simples sugestão: “e que tal uma nota de luminosidade sorridente e doce como contraste aos dias assombrados que vivemos e ao clima muitas vezes tenso ou magoado que passa por tanta música que ouvimos?”... Sabido que em clima ligeirinho a luz é coisa que não falta, o certo é que raras são as propostas que a enquadram de forma a vincar mais a personalidade de quem as fez e não as regras e modas em voga no momento. Talvez por isso os Sound of Arrows sejam ainda nome a descobrir num patamar alargado, certo sendo o potencial da sua música para ir mais longe, assim haja quem neles aposte... Já os conhecíamos de primeiros singles lançados nos dois últimos anos. Voyage, um dos melhores momentos pop do ano, é uma colecção de canções entre as quais não faltam candidatos a ser single... E “nem nos mais recentes álbuns dos Pet Shop Boys encontramos tantas canções capazes de justificar vida em single. A menção à dupla britânica não surgindo aqui por acaso, sendo evidentes as heranças que os dois elementos dos Sound of Arrows captam da longa e frutuosa obra dos criadores de West End Girls”, afirmava aqui. “Sem a carga indie de tantas outras aventuras recentes no mundo da pop (de uns Metronomy ou Monarchy a Architecture In Heksinki) os Sounds Of Arrows apresentam um álbum que parece mais interessado em servir uma ideia pop para saborear tranquilamente em vez da busca de uma caução junto dos oráculos e ditadores de gosto do nosso tempo. E talvez por isso seja mais bem sucedido que esses outros projectos, todos eles com discos interessantes, mas nenhum deles a vencer aquele patamar onde tanta coisa acontece e pouca música se destaca”, acrescentava o texto. Wonders foi mais um exemplo deste potencial à espera de mais vasta concretização... Se tiverem a sorte a seu favor (e o investimento certo) poderão ir longe em 2012.

Assim nasce uma capa...

Como nasce a capa de um disco? Poucas vezes temos a oportunidade de assistir ao processo criativo que explica as imagens que acabamos inevitavelmente por associar à música que escutamos. Aqui fica um making of da construção da imagem da capa de We Are Rising, álbum deste ano de Son Lux.

Imagens: The Made Shop
A capa de We Are Rising foi uma criação da The Made Shop, um atelier de design nova iorquino com trabalho que vai das artes gráficas (assinaram também já uma capa para os The Fray, por exemplo) à criação de sites (o de Bob Wilson é um deles), passando pela concepção de espectáculos ao vivo (departamento onde trabalharam já com nomes como os de Yoko Ono ou Rufus Wainwright). Neste vídeo podemos acompanhar como nasceu a capa do álbum de Son Lux.


Podem saber aqui mais sobre a criação desta capa e a própria equipa responsável pela ideia e sua concretização.

Os melhores filmes de 2011
por Vasco Câmara


Em tempo de revisão do que aconteceu ao logo de 2011 hoje escutamos o melhor do ano segundo Vasco Câmara, jornalista do Público. Um obrigado ao Vasco pela colaboração. 

Com muitos destes filmes, voltei a aprender a ser espectador.

1. Sangue do Meu Sangue, de João Canijo
2. As Quatro Voltas, de Michelangelo Frammartino
3. O Tio Boonmee que se Lembra das Suas Vidas Anteriores, de Apichatpong Weerasethakul
4. Essential Killing - Matar para Viver, de Jerzy Skolimowski
5. Aurora, de Cristi Puiu
6. Isto Não É um Filme, de Jafar Panahi
7. Inquietos, de Gus Van Sant
8. Autobiografia de Nicolae Ceausescu, de Andrei Ujica
9. 48, de Susana sousa dias
10. Tournée - Em Digressão, de Mathieu Amalric

Apostas para 2012: 
Aguardo por Captured, de Brillante Mendoza, e por Simon Killer, de Antonio Campos.

Quando estala o verniz..


O desafiar das fronteiras entre o teatro e o cinema não é coisa nova. Tem, de resto, anos de história e uma mão cheia de bons exemplos a citar como o serão os casos de um Gouttes d'eau sur pierres brûlantes de Ozon (a partir de uma peça de Fassbinder), um Quem Tem Medo de Virginia Woolf, de Albee, na visão clássica de Mike Nichols ou a magistral adaptação de Angels In America, de Tony Kushner, novamente por Mike Nichols (para o pequeno ecrã). Agora podemos juntar Deus da Carnificina (no original, Carnage) de Roman Polanski a esta galeria de momentos de excepção.

Com argumento co-assinado pelo realizador e pela autora da peça original (Yasmina Reza), o filme aceita o dispositivo espacial característico de um palco. Ou seja, centra praticamente toda a acção numa sala, hall e patamar frente à porta, numa ocasião entrando num escritório, numa outra na cozinha, visitando ainda uma casa de banho. Todos eles espaços fechados num apartamento (supostamente em Brooklyn, apesar de toda a rodagem ter decorrido em Paris). De resto, só o genérico e créditos finais abrem a objectiva da câmara ao exterior, em concreto ao parque em Brooklyn (com o South Sea Port e o bairro financeiro de Manhattan ao fundo) onde acontece o gatilho que desencadeia tudo o que depois acontece.

Num parque, um dia, um rapaz agride outro com um pau, partindo-lhe dois incisivos. Os pais do agressor (interpretados por Kate Winslet e Christoph Waltz) visitam os da vítima (Jodie Foster e John C. Reilly) para, delicada e tranquilamente dar conta do sucedido e tratar do que deve ser tratado. O clima polido e civilizado é porém coisa de fina camada sobre os quatro protagonistas. E ao primeiro desvio da conversa instala-se um conflito que, palavra após palavra, aprofunda o estado de tensão entre todos. Estala o verniz, dizem-se verdades, trocam-se petardos que revelam frustrações. Se os quatro magníficos actores são pilar estrutural que suporta o filme, a visão de Polanski consegue, de forma discreta mas exemplar, sublinhar pela forma como os observa, a evolução do estado de tensão entre os dois casais. Um texto que cativa, actores que o vestem a rigor e um trabalho de realização de quem sabe olhar fazem deste um momento imperdível do cinema que vimos este ano em sala.

'Alice no País das Maravilhas' (1951)
por Jorge Pinto


Este mês pedimos a uma série de amigos que nos falassem do “seu” filme da Disney. Hoje recordamos Alice no País das Maravilhas, longa-metragem de 1951 que aqui é evocada por Jorge Pinto da revista Premiere. Um muito obrigado ao Jorge pela colaboração.

Uma criação de Lewis Carroll, publicada em 1865 e adaptada por uma espécie de alma gémea, Walt Disney, o clássico da literatura ganhou em 1951 o estatuto de obra-prima da animação (após adaptações falhadas de outros estúdios). As aventuras surreais de Alice foram coreografadas por vários realizadores e por diferentes animadores da idade de ouro da Disney. O resultado não foi apenas uma jornada inesquecível de uma jovem perdida num mundo imaginário, numa visão bizarra da realidade, o processo de adaptação da Disney originou diferentes ritmos e atmosferas que se encaixaram perfeitamente no espírito e na inspiração original de Carroll. O filme possui uma energia contagiante nas cores, na cadência e originalidade dos desenhos, os personagens, o humor e as canções, assim se constituiu um clássico que me encanta e continuará a encantar diferentes gerações.

quinta-feira, dezembro 29, 2011

O cinema português em Hollywood

Falta pouco para o Kodak Theater receber os prémios da Academia de Hollywood. Que significa o facto de dois filmes portugueses surgirem na corrida para as nomeações para os Oscars? Em boa verdade, algo de muito básico, basicamente essencial: trabalho promocional — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Dezembro).

Nos últimos dias, proliferaram notícias sobre as presenças portuguesas na corrida para os Oscars da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (a atribuir no dia 26 de Fevereiro, no Kodak Theater). Primeiro, dando conta do facto de o fado Já Não Estar, cantado por Camané, no filme José e Pilar, de Miguel Gonçalves Mendes, surgir na lista dos 39 candidatos a uma nomeação na categoria de melhor canção. Depois, revelando que entre os 265 títulos este ano elegíveis para os prémios da Academia, se encontram duas produções portuguesas: Mistérios de Lisboa, de Raúl Ruiz, e José e Pilar, este já anteriormente integrado na lista dos 63 nomeáveis para melhor filme estrangeiro (na sequência de uma candidatura apresentada oficialmente pelo próprio país, através do Instituto do Cinema e do Audiovisual).
Há qualquer coisa de bizarro no facto de uma parte significativa dessas notícias se apresentar contaminada por um espírito triunfalista que contrasta, em tudo e por tudo, com uma persistente atitude de banalização do impacto internacional dos nossos filmes (detectável, antes do mais, nos meios culturais e jornalísticos). Assim, havendo quem considere que o “cinema português” não passa de uma colecção de intelectuais à procura de louvores “lá fora”, é desconcertante que o normal envolvimento no processo de candidatura aos Oscars seja socialmente transformado numa espécie de vitória moral antecipada (e tanto mais quanto sabemos que muitas formas de anti-americanismo primário gostam também de eleger Hollywood como alvo preferencial).
De facto, a importância da notícia reside numa dimensão bem diferente, em tudo estranha a esse provincianismo cíclico que, do futebol ao cinema, nos representa como os inevitáveis “melhores do mundo”. Acontece que os responsáveis por filmes como José e Pilar e Mistérios de Lisboa trabalharam, de forma muito séria e empenhada, para lhes conferir visibilidade. A notícia “escondida” é muito mais básica, mas incomparavelmente mais significativa: ambos os filmes estrearam no dificílimo mercado americano, abrindo espaços de difusão que, num futuro mais ou menos próximo, e se existirem políticas adequadas (da profissão e do Estado), poderão ser cada vez mais rentabilizados por outros títulos e outros cineastas.
Uma simples nomeação para um destes filmes (seja qual for o filme, seja qual for a nomeação), constituiria mais um passo importantíssimo na sua existência e, por certo, na imagem internacional da produção artística portuguesa. O que está em jogo transcende qualquer visão subjectiva de filmes “bons” e “maus”: são genuínas hipóteses de internacionalização que importa reconhecer e acarinhar. Nesta perspectiva, Mistérios de Lisboa e José e Pilar são apenas dois casos particulares de um processo que, ao longo dos anos, tem sido protagonizado pelos mais variados filmes e cineastas do nosso país.

Três fotogramas de 2011 (2)

[1]  E, na verdade, não está lá nada... Já esteve, mas já não está. Os actores foram filmados (o cão não existia); a partir de cada um deles foi concebida uma figura de computador; e a partir de tudo isso desenhou-se uma nova animação — performance capture. Tudo aquilo regurgita uma nova (i)materialidade do cinema, neste fotograma tanto mais surpreendente quanto nele contemplamos um puro exercício de olhar, exponenciado pela fascinante rugosidade do papiro. É verdade que ninguém pode garantir a perenidade (artística) e a viabilidade (comercial) deste tipo de animação, para mais associado ao 3D. Mas com As Aventuras de Tintin — O Segredo do Licorne, Steven Spielberg provou que o modelo é possível. E que ele, pelo menos, acredita.

As canções do ano (16):
Patrick Wolf, Together


Mais uma canção marcante em 2011. Aqui fica Together, o tema mais luminoso do alinhamento do mais recente álbum de Patrick Wolf.

Há momentos em que dar o dito por não dito é boa opção. E com o mais recente álbum de Patrick Wolf temos um bom exemplo de como uma mudança de planos pode ser uma boa ideia. Havia, na verdade, outro disco em mente. Teria por título, supostamente, Battle, e seria um duplo álbum lançado em duas partes. A primeira fora The Bachelor (que escutámos em 2009), a segunda anunciando-se com o título The Conqueror... Afinal não foi bem assim... “Com um título que ecoa memórias de um antigo ritual de purificação, Lupercalia é um disco de paz encontrada. Uma paz que se expressa não apenas no desviar das linhas de tensão para outros comprimentos de onda, como se revela numa mais suave ordenação de ideias, inclusivamente aceitando uma redução de elementos em cena fazendo deste talvez o mais contido dos discos de Patrick Wolf”, escrevia aqui em Junho ao apresentar o disco. Lupercalia “parece querer estabelecer um patamar de síntese de ideias pop, conciliando electrónicas e orquestrações, grandiosidade e intimidade, cores e silêncios. Não será nunca “o” álbum de referência da sua discografia. Mas é um belíssimo disco que em tudo nele confirma um dos grandes autores pop do nosso tempo”. E em Together tem o seu momento maior.

Os melhores DVD / Blu-ray de 2011


N.G.: A confirmação da viabilidade de um novo formato e o upgrade da tecnologia abrem alas a reencontros com outros momentos na história de qualquer espaço de produção artística. E, assim como os avanços no tratamento de som hoje disponíveis em CD conduziram a novas reedições e o surgimento dos e-books asseguraram novos lançamentos a velhos livros, também o Blu Ray está a trazer ao mercado de home vídeo novos encontros com títulos que, muito provavelmente, já nos acompanharam na era das cassetes vídeo ou do DVD... Com o valor acrescentado da alta definição e, em grande parte dos lançamentos, com mais e melhores conteúdos extra, as edições em Blu Ray ganharam espaço de mercado este ano. E com elas regressaram obras-chave da história do cinema, de grande parte da filmografia de Kubrick a obras igualmente marcantes como a saga Star Wars ou a trilogia das cores de Kieslowski. O impacte de A Árvore da Vida gerou ainda entre nós a criação de uma caixa com a filmografia de Malick em DVD, ao Blu Ray faltando ainda os lançamentos dos seus dois primeiros filmes.

1 . Stanley Kubrick – Visionary Fillmaker Collection (Blu Ray, WB)
2 . Colecção Completa Terrence Malick (DVD, Zon Lusomundo)
3 . Star Wars – A Saga Completa (Blu Ray, 20th Century Fox)
4 . West Side Story (ed 50º aniversário), de Robert Wise (Blu Ray)
5 . Three Colours Trilogy (Blu Ray, Artificial Eye)
6 . George Harrison – Living in The Material World, de Martin Scorsese (DVD, Zon Lusomundo)
7 . A Noite do Caçador, de Charles Laughton (DVD, Alambique)
8. Soundless Wind Chime, de Kit Hung (DVD, Pecadillo)
9. Colecção Peter Greenaway (DVD, Midas)
10 . Masculino-Feminino, de Jean-Luc Godard (DVD, Clap)

J.L.: Ah!... O esplendor do cinemascope de Godard, em 2 ou 3 Coisas sobre Ela. Ou como o DVD nos permite fruir aquilo que, tristemente, já ninguém mostra nas salas. Há no mercado do DVD e do Blu-ray essa nostalgia militante que, apesar de tudo, não nos deixa esquecer que o cinema tem uma história, quer dizer, não foi criado pela última campanha de spots de 20 segundos com muita confusão a passar e nada para ver. E que bom é encontrar neste contexto um filme como Aniki-Bobó, de Manoel de Oliveira, devidamente recuperado graças ao trabalho do ANIM (Arquivo Nacional das Imagens em Movimento), da Cinemateca — acreditar no passado é escrever o presente.

OUTUBRO (1928), de Serguei Eisenstein (Costa do Castelo)
A REGRA DO JOGO (1939), de Jean Renoir (Costa do Castelo)
ANIKI BOBÓ (1942), de Manoel de Oliveira (ZON Lusomundo)
LOLA (1960), de Jacques Demy (Midas)
A AVENTURA (1960), de Michelangelo Antonioni (Costa do Castelo)
MAMMA ROMA (1962), de Pier Paolo Pasolini (Castello Lopes)
MURIEL OU O TEMPO DE UM REGRESSO (1963), de Alain Resnais (Clap)
2 OU 3 COISAS SOBRE ELA (1966), de Jean-Luc Godard (Clap)
DILLINGER MORREU (1969), de Marco Ferreri (Clap)
NOIVOS SANGRENTOS (1973), de Terrence Malick (ZON Lusomundo)

Um disco para arrumar os lados B



Os Pet Shop Boys têm nova edição agendada para o início do ano. A 6 de Fevereiro lançam Format, uma antologia de lados B que assim continua a história que tinham já reunido em 1995 num primeiro volume (em disco duplo) em Alternative. Juntando os temas que foram apresentando no alinhamento dos seus singles de 1996 a 2010, este volume ajuda assim a arrumar uma das discografias mais cuidadas da história recente da música pop. Aqui fica o alinhamento completo desta antologia:

CD1:
1. The Truck Driver And His Mate
2. Hit And Miss
3. In The Night (1995)
4. Betrayed
5. How I Learned To Hate Rock ‘N’ Roll
6. Discoteca (versão nova)
7. The Calm Before The Storm
8. Confidential (demo for Tina)
9. The Boy Who Couldn’t Keep His Clothes On
10. Delusions Of Grandeur
11. The View From Your Balcony
12. Disco Potential
13. Silver Age
14. Screaming
15. The Ghost Of Myself
16. Casting A Shadow
17. Lies
18. Sexy Northerner

CD2:
1. Always
2. Nightlife
3. Searching For The Face Of Jesus
4. Between Two Islands
5. Friendly Fire
6. We’re The Pet Shop Boys
7. Transparent
8. I Didn’t Get Where I Am Today
9. The Resurrectionist
10. Girls Don’t Cry
11. In Private (7" mix) com Elton John
12. Blue On Blue
13. No Time For Tears (7" mix)
14. Bright Young Things
15. Party Song
16. We’re All Criminals Now
17. Gin And Jag
18. After The Event
19. The Former Enfant Terrible
20. Up And Down

Os melhores discos de 2011
por João Moço


Em tempo de revisão do que aconteceu ao logo de 2011 hoje escutamos o melhor do ano segundo  João Moço, jornalista do DN. Um obrigado ao João pela colaboração.

2011 foi o ano de Peter Evans. Trompetista verdadeiramente genial, não só pelos dois discos que se encontram neste top 10, mas por outros também editados este ano como The Coimbra Concert (a bordo dos Mostly Other People Do the Killing) ou Electric Fruit (ao lado de Weasel Walter e Mary Halverson). Há muito que não ouvia um músico tão consciente da tradição jazz e, ao mesmo tempo, tão capaz de criar um possível caminho futuro, revigorante, inovador e indubitavelmente pessoal. E, claro, houve Beyoncé, a cantar melhor que nunca, a não se vergar a produções over the top vazias de conteúdo à la David Guetta (e o mal que este senhor já fez ao mundo pop dava uma tese). Foi assombroso ver Kanye West no Sudoeste e Peter Brötzmann no Jazz em Agosto (chegar aos 70 anos com aquela energia é para quem pode, não para quem quer). Além dos discos acima referidos, tenho que destacar como 2011 foi um ano de ouro para o r&b. As mixtapes de Jhené Aiko, Trey Songz, Nikkiya, Teedra Moses ou Diddy Dirty Love são, cada uma da sua maneira muito particular, provas da vitalidade do r&b, que não precisa de falsos esquemas para revelar as suas qualidades (como toda a histeria à volta do fenómeno The Weeknd). Na música portuguesa Sei Miguel e Pedro Gomes deram-nos uma obra inigualável e muito além de formatações rígidas - Turbina Anthem -, mas há que destacar também os discos de Joana Sá, B Fachada, Buraka Som Sistema, RED Trio, Aquaparque ou Tiago Sousa. E Os Passos em Volta. Eu, que raramente acredito no indie rock, tenho fé na música e na atitude despretensiosa destes miúdos. Porque com o que aí vem em 2012, precisamos todos de não nos levarmos assim tão a sério.

Discos do Ano Internacionais: 
1. Peter Evans Quintet – Ghosts
2. Beyoncé – 4
3. Peter Evans & Nate Wooley – High Society
4. Panda Bear – Tomboy
5. James Blake – James Blake
6. John Maus – We Must Become the Pitiless Censors of Ourselves
7. Chris Corsano & Joe McPhee – Under a Double Moon
8. Nate Wooley Quintet – (Put Your) Hands Together
9. Kate Bush – 50 Words for Snow
10. Lady Gaga – Born This Way

Discos do ano Nacionais: 
1. Sei Miguel & Pedro Gomes – Turbina Anthem
2. Joana Sá – Through this Looking Glass
3. B Fachada – B Fachada
4. Buraka Som Sistema – Komba
5. RED Trio & John Butcher – Empire
6. Aquaparque – Pintura Moderna
7. Tiago Sousa – Walden Pond’s Monk
8. Aldina Duarte – Contos de Fados
9. Norberto Lobo – Fala Mansa
10. Os Passos em Volta – Até Morrer

Canções do ano: 
1. Beyoncé – Love On Top
2. Gang Gang Dance - Mindkilla
3. Ne-Yo feat. Trey Songz & T-Pain – The Way You Move
4. Jhené Aiko – Stranger
5. James Blake – I Never Learnt to Share
6. Lloyd – Naked
7. John Maus – Believer
8. Panda Bear – Benfica
9. Purpl Pop – The Way (The Living Graham Bond Dub Remix)
10. One Direction – What Makes You Beautiful

Concertos do ano: 
1. Kanye West no Festival Sudoeste
2. Ben Frost no Teatro Maria Matos
3. Peter Brötzmann’s Hairy Bones no Jazz em Agosto
4. John Maus na Galeria Zé dos Bois
5. Mostly Other People Do the Killing no Portalegre JazzFest
6. Schlippenbach Trio no Out.Fest
7. Ricardo Rocha no Teatro Maria Matos
8. Buraka Som Sistema no Coliseu dos Recreios
9. Primal Scream no Optimus Alive
10. Ken Vandermark (solo) no Jazz ao Centro Coimbra

Em conversa: Osso Vaidoso (2)


Autores de um dos melhores discos portugueses dos últimos anos, os Osso Vaidoso são Ana Deus e Alexandre Soares, músicos experientes e com vidas anteriores em variados projectos. Esta é a primeira parte de uma entrevista que serviu de base a um texto publicado no DN a 23 de Dezembro.

Regina Guimarães é uma colaboradora de Ana Deus desde inícios dos anos 90. O que procuraram desta vez nas suas palavras? 
Ana Deus - Todos nós crescemos nestes processos. Mas desta vez pedi-lhe coisas mais concretas, como no caso do Bem mal, foi um pedido ainda debaixo da ideia dos Nadadores de inverno, sobre o fazer fora do tempo e da corrente, e a Regina pegou num poema de um romântico francês, Charles Cros, e fez uma tradução/adaptação. Como estávamos a tocar ao vivo e não propriamente a pensar em gravar, queríamos textos que se percebessem à primeira, que não deixassem quem ouve de fora, como acho que acontecia nos Tigres.

Alguns dos poemas de Regina Guimarães provém de experiências concretas. Sentem uma carga diferente nessas palavras que decorrem de acontecimentos ou pessoas reais? 
AD - São experiências muito diferentes das nossas, que nos fazem ver o "lado de lá" e que nos põem em causa. O caso da Matematicamente será o mais flagrante, escrita pela Regina a partir de conversas com jovens presos na tutoria do Porto, em ataque cerrado aos valores herdados desta porcaria do "ter e parecer" e do crime e castigo. Em oposição temos a "Um e o muito" escrita com um grupo de jovens da Qualificar para incluir, que aposta na ocupação dos chamados tempos livres com atividades de grupo e criações.

Como escolheram os outros dois autores em cuja poesia encontram palavras para outras canções?
AD - Ao Valter [Hugo Mãe] pedi que fizesse uma letra como um testemunho de alguém mais velho, mas libertário, pois a ideia de que com a idade vem o conservadorismo parece-me antiquada. Os novos velhos serão novos. Sabia que ele andava na altura a escrever sobre a velhice. Ao Alberto Pimenta fomos buscar a libertação da forma. A Cola-cola é um belíssimo poema sobre o efémero e a Ni nha rias, obedece à forma visual do poema onde as palavras são divididas quase sílaba a sílaba.

Como vêem este momento para a música que se faz entre nós num tempo em que o facto de cantar em português parece ser novamente uma característica motivadora para quem faz música? 
Alexandre Soares - Só não tenho inveja deste momento na música portuguesa porque a sinto próxima. O que quero dizer é que me parece é que a música em Portugal está muito viva nos novos e excelentes músicos que agora se ouvem. A diversidade é imensa, e essas diferenças são sinais de um tempo que se vive em todo o lado não só em Portugal.

Sentem heranças de vossos trabalhos anteriores em obras de músicos de gerações mais novas? 
AS - Não somos nem herança nem doutores de confiança.
AD – (risos)

Que horizontes de futuro encaram para esta vossa banda? 
AS - Não paramos de compor depois da saída deste disco. Já temos mais temas e , para o ano editamos outro, ou então ficarão acessíveis na net. Entretanto os espetáculos são o nosso guia espiritual.

Como pode um osso, mesmo ser carne, ser vaidoso? 
AD - Se calhar com alguma cegueira, mas não seremos todos cegos?

'A Bela e o Monstro' (1991)
por Rui Pedro Tendinha


Este mês pedimos a uma série de amigos que nos falassem do “seu” filme da Disney. Hoje recordamos A Bela e o Monstro, longa-metragem de 1991 que aqui é evocada por Rui Pedro Tendinha da NM e revista Premiere. Um muito obrigado ao Rui pela colaboração.

Digam o que disserem, nos filmes da Disney, o primeiro amor nunca se repete. Já era eu um escriba de cinema quando me apaixonei séria e valentemente por este A Bela e o Monstro, de Gary Trousdale e Kirk Wise. A minha paixão pelo filme teve direito a citação de frase da minha crítica n’O Jornal no cartaz do filme nos jornais. Já lá vão duas décadas e o amor não desvanece (em parte porque talvez não tenha tido a oportunidade para ver a versão aumentada que foi lançada em 2002 nos cinemas com sistema IMAX…). E esta variação da famosa fábula onde uma bela mulher se apaixona por uma besta que, afinal, tem o coração perfeito, é e será sempre intemporal. A sua animação 2D não ficou rugosa nem a música de Alan Menken datada. Claro está que Be our Guest é daquelas melodias que será sempre um emblema carismático desta maravilha.

A Bela e o Monstro é uma história de amor perfeita, um musical que nos exalta o espírito e que representa na prática a validade da nova vaga da Disney iniciada por Jeffrey Katzenberg. E um dos seus segredos que continua a cativar mesmo quem não é fã da Disney é a sua propensão para servir de vénia à versão de Jean Cocteau de 1946…

Tudo isto lembrado, importa também frisar que A Bela e o Monstro não precisa de manhas de 3D nem humor "chico-esperto" da DreamWorks. Antes da feliz explosão Pixar, a Disney reinventava o prazer da animação mais clássica com uma elegância enfeitiçadamente…clássica! Mais a mais, é ainda daqueles casos de espectáculo de animação que não a mínima necessidade de pedir ao espectador para ser criança de novo. Nada disso, A Bela e o Monstro é para adultos de bom gosto. Espero que esta frase não seja citada em nenhum cartaz de jornal nem capa de verso de Blu-ray.

quarta-feira, dezembro 28, 2011

Oscars 2012: o cartaz

A estatueta dourada está em destaque no cartaz oficial dos Oscars 2012, acompanhada por imagens de oito filmes (de cima para baixo, da esquerda para a direita):

- FORREST GUMP (1994)
- O PADRINHO (1972)
- MÚSICA NO CORAÇÃO (1965)
- E TUDO O VENTO LEVOU (1939)
- MISS DAISY (1989)
- O GIGANTE (1956)
- GLADIADOR (2000)
- CASABLANCA (1943)

Mensagem ingenuamente romântica: as "luzes" (lights) da tradicional expressão de arranque para começar a filmar (lights, camera, action) surgem substituídas pela "vida" (life). Além do mais, através de um arranjo talvez demasiado "descritivo", dir-se-ia que o cartaz dos 84ºs prémios da Academia de Hollywood (26 Fevereiro) aposta num equilíbrio das décadas, "democratizando" as escolhas e os rostos. Ironicamente, a estrela iconograficamente mais forte — James Dean com o seu chapéu texano — pertence ao único filme que não ganhou a estatueta de melhor filme: O Gigante apenas teve um Oscar (George Stevens, realizador), tendo perdido na categoria principal para A Volta ao Mundo em Oitenta Dias, de Michael Todd. Sarcasmo suplementar: quem se lembra de A Volta ao Mundo em Oitenta Dias?.

Notícias da Coreia do Norte

Foto BBC
Como vemos os acontecimentos de um país tão distante como a Coreia do Norte? E, no espaço televisivo, como é que as suas notícias se cruzam com as outras notícias? — esta crónica de televisão foi publicada no Diário de Notícias (23 Dezembro).

As imagens provenientes da Coreia do Norte, dando conta da morte do líder Kim Jong-il, constituem um cristalino exemplo da lógica de propaganda de uma ditadura. De um país que sabemos marcado pela repressão e pela miséria da esmagadora maioria da população, recebemos, assim, uma perspectiva propriamente religiosa, remetendo o defunto para uma transcendência a que, “idealmente”, todos deveríamos reconhecer um carácter absoluto e indesmentível.
Vale a pena, por exemplo, confrontar as imagens daqueles que choram para as câmaras com a reportagem de Sue Lloyd-Roberts (disponível no site da BBC), realizada, em 2010, no âmbito de uma visita oficial à Coreia do Norte e recentemente distinguida com um Emmy do jornalismo televisivo. Desde as aldeias que não foi possível visitar até à simples interdição de filmar um cidadão que acabou de fazer compras num mercado (em cujo interior as câmaras também não podem entrar), passando pelas perguntas a que alguns interlocutores oficiais recusam responder, Lloyd-Roberts confronta-nos com um país de “fantasia” que, no final, lhe suscita uma desencantada reflexão: “Creio que aquilo que mais me surpreendeu foi o facto de eles conseguirem acreditar que nós acreditaríamos que aquilo que nos mostraram era a realidade.”
Eis um bom princípio jornalístico: não ceder ao carácter pitoresco das imagens (e sons) que é possível recolher face a qualquer acontecimento, não as transformando também em “apanhados” mais ou menos sarcásticos. Acima de tudo: pensar com as imagens, em vez de as difundir como se nelas residisse a prova linear de uma verdade definitiva.
Daí o perturbante paradoxo: deparando com as imagens dos coreanos a chorar, não podemos deixar de sentir que a sua carga de verdade (seja ela qual for) está contaminada por uma matriz informativa que trata, com a mesma evidência, a morte de Kim Jong-il, um acidente numa auto-estrada ou a mais recente lengalenga de um treinador de futebol a proclamar que “a equipa trabalhou muito”. Dito de outro modo: as imagens codificadas de uma ditadura poderiam ser um bom pretexto para reflectirmos sobre as contradições do jornalismo televisivo em democracia.

>>> Textos do New York Times sobre Kim Jong-il.

Figuras do ano: Rita Blanco

Ser actriz — eis a questão. Não de televisão ou de cinema. Não de "telenovela" ou de "filmes". Mas apenas isso: ser actriz. Ser. Rita Blanco é uma actriz assim e, se dúvidas ainda houvesse, a sua participação no notável Sangue do Meu Sangue, de João Canijo, bastaria para as dissipar. Mérito de Canijo, sem dúvida, que soube criar um dispositivo de representação raro no cinema português. Mérito também de um elenco que, incluindo as igualmente brilhantes Anabela Moreira e Cleia Almeida, corresponde para além de todos os clichés dramáticos, sociais ou figurativos. Nesse contexto (e um actor/actriz é também o seu contexto), Rita Blanco ensina-nos a olhar para o que realmente acontece no ecrã, garantindo uma verdade existencial que integra, e supera, todos os artificialismos que qualquer representação necessariamente envolve. Ser actriz — eis o milagre.

Helen Frankenthaler (1928 - 2011)

FOTO Alexander Liberman
Figura central na história da pintura abstracta americana, Helen Frankenthaler faleceu no dia 27 de Dezembro, na sua casa em Darien, Connecticut — contava 83 anos.
Influenciada por Jackson Pollock e Willem de Kooning, Frankenthaler impôs-se como um dos nomes mais sonantes da chamada segunda geração da expressionismo abstracto, sendo o quadro Mountains and Sea (1952) o momento decisivo da sua afirmação. O desenvolvimento de uma técnica peculiar ('color field') de tratamento da tela ajudou-a a criar um universo por vezes reminiscente da aguarela. Tal como Pollock, trabalhou muitas vezes com grandes formatos, exprimindo-se também nas áreas da gravura, escultura e tapeçaria. Em 2001, o governo americano consagrou-a com a 'National Medal of Arts'.
HELEN FRANKENTHALER
Mountains and Sea
1952
HELEN FRANKENTHALER
Sunshine
1985
>>> Obituário no New York Times.

As canções de 2011 (15):
John Maus, Head For The Country



Mais uma canção que ajudou a definir a banda sonora de 2011. Head For The Country é um dos temas que encontramos em We Must Become The Pityless Censors of Ourselves, de John Maus, um dos grandes discos deste ano.

O “sabor” oitentas é coisa que não tem faltado aos discos editados nos últimos anos. “Em concreto, o tom algo ingénuo, mas ao mesmo tempo aventureiro e decidido com que, em clima pós punk, e com as novas electrónicas de então por companhia, se inventava uma nova pop”, escrevia aqui em inícios de Setembro, ao apresentar o álbum de John Maus. Acrescentava então que “os últimos anos viram muitos novos discos procurar nestes cantos da memória os pontos de partida, porém tantas foram já as vezes que pouco se avançou para lá do decalque (com tempero moderno) que este parecia destino estafado na hora de procurar focos de inspiração”. Mas, “felizmente há excepções”... E através do disco de John Maus “fica bem claro como, de um terreno tão visitado, ainda podem surgir grandes ideias”. O álbum “toma ferramentas electrónicas com travo vintage por elementos de protagonismo num cartaz de ideias que mostra na genética memórias que passam por uns Joy Division ou Human League”. Revela “canções pop feitas de uma luminosidade que todavia não ofusca pela aparente vontade em não polir arestas, cruzam um alinhamento que, sem deixar dúvidas quanto aos ecos dos oitentas que se evocam, em nada procura uma lógica de revisitação. Pelo contrário, usa ferramentas e memórias em serviço de canções que traduzem uma personalidade maior, que a voz ajuda a moldar e tornar peças únicas”. Head For The Country é um bom exemplo do que ali se passa.

Os melhores livros de 2011


J.L.: A agência Magnum publicou um álbum dedicado às provas de contacto dos seus fotógrafos. De algum modo, é o fim simbólico de uma época, não apenas da fotografia antes do digital, mas também do papel como signo exangue de um tempo outro, literário sem dúvida, até mesmo na nossa relação com as imagens. Daí o assombramento das cartas de amor de Althusser (é a morte que se pressente) e a crença romanesca de Sollers (é a vida que não desarma): para além dos sobressaltos de cada um, ambos se movimentam na mesma paisagem mágica em que a escrita refaz a ordem do mundo. Tenham medo.

LETTRES À HÉLÈNE, Louis Althusser (Grasset)
TRÉSOR D’AMOUR, Philippe Sollers (Gallimard)
LES ÉCARTS DU CINÉMA, Jacques Rancière (La Fabrique)
FRANCIS BACON – LÓGICA DA SENSAÇÃO, Gilles Deleuze (Orfeu Negro)
CONTOS COMPLETOS, Vladimir Nabokov (Teorema)
A ESCAVAÇÃO, Andrei Platonov (Antígona)
A PURGA, Sofi Oksanen (Alfaguara)
OBRAS COMPLETAS I / HETERODOXIAS, Eduardo Lourenço (Fundação Gulbenkian)
ARGUMENTOS PARA FILMES, Fernando Pessoa (Ática)
MAGNUM – CONTACT SHEETS, colectivo (Magnum)


N.G.: Ler um livro como quem vê um filme. Como quem vê um pequeno filme. Uma curta-metragem, outra chegando logo na página seguinte e mais outra a seguir... Pequenas narrativas, breves sugestões, retratos de situações, o absurdo ou um estado de tensão caracterizando o que lemos (e vemos). São assim os pequenos contos que lemos em Short Movies, um dos livros que Gonçalo M Tavares publicou este ano e que, incluindo por vezes indicações concretas de movimentos de câmara, nos sugere como as palavras no fundo acabam por ser lidas como imagens. Do panorama de 2011 destaque-se ainda o início da publicação das obras de Christopher Isherwood pela Quetzal. Uma biografia de Mahler que procura na sua obra as marcas vincadas dos factos que cruzam a sua vida. Ainda um belíssimo exemplo da (pouco conhecida) literatura da Suíça, num belíssimo texto sobre o medo e o preconceito, por Jacques Chessex. Ou um olhar (com mais de 50 anos) sobre D. Pedro V, reeditado na recta final do ano.

1 . Short Movies, de Gonçalo M Tavares (Caminho)
2 . Um Homem Singular, de Christopher Isherwood (Quetzal)
3 . Why Mahler?, de Norman Lebrecht (Faber & Faber)
4 . O Vampiro de Ropraz, de Jacques Chessex (Sextante)
5 . D. Pedro V – Um Homem e um Rei, de Ruben Andresen Leitão (Texto)
6 . The Art of The Hobbit, de JRR Tolkien (Harper Collins)
7 . Le Mystère de La Grande Pyramide – Intégrale, de Edgar P. Jacobs ( Les Editions Blake & Mortimer)
8 . Listen To This, de Alex Ross (Fouth Estate)
9 . Onze Tipos de Solidão, de Richard Yates (Quetzal)
10 . O Ponto Ómega, de Don DeLillo (Sextante)