Falta pouco para o Kodak Theater receber os prémios da Academia de Hollywood. Que significa o facto de dois filmes portugueses surgirem na corrida para as nomeações para os Oscars? Em boa verdade, algo de muito básico, basicamente essencial: trabalho promocional — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Dezembro).
Nos últimos dias, proliferaram notícias sobre as presenças portuguesas na corrida para os Oscars da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (a atribuir no dia 26 de Fevereiro, no Kodak Theater). Primeiro, dando conta do facto de o fado Já Não Estar, cantado por Camané, no filme José e Pilar, de Miguel Gonçalves Mendes, surgir na lista dos 39 candidatos a uma nomeação na categoria de melhor canção. Depois, revelando que entre os 265 títulos este ano elegíveis para os prémios da Academia, se encontram duas produções portuguesas: Mistérios de Lisboa, de Raúl Ruiz, e José e Pilar, este já anteriormente integrado na lista dos 63 nomeáveis para melhor filme estrangeiro (na sequência de uma candidatura apresentada oficialmente pelo próprio país, através do Instituto do Cinema e do Audiovisual).
Há qualquer coisa de bizarro no facto de uma parte significativa dessas notícias se apresentar contaminada por um espírito triunfalista que contrasta, em tudo e por tudo, com uma persistente atitude de banalização do impacto internacional dos nossos filmes (detectável, antes do mais, nos meios culturais e jornalísticos). Assim, havendo quem considere que o “cinema português” não passa de uma colecção de intelectuais à procura de louvores “lá fora”, é desconcertante que o normal envolvimento no processo de candidatura aos Oscars seja socialmente transformado numa espécie de vitória moral antecipada (e tanto mais quanto sabemos que muitas formas de anti-americanismo primário gostam também de eleger Hollywood como alvo preferencial).
De facto, a importância da notícia reside numa dimensão bem diferente, em tudo estranha a esse provincianismo cíclico que, do futebol ao cinema, nos representa como os inevitáveis “melhores do mundo”. Acontece que os responsáveis por filmes como José e Pilar e Mistérios de Lisboa trabalharam, de forma muito séria e empenhada, para lhes conferir visibilidade. A notícia “escondida” é muito mais básica, mas incomparavelmente mais significativa: ambos os filmes estrearam no dificílimo mercado americano, abrindo espaços de difusão que, num futuro mais ou menos próximo, e se existirem políticas adequadas (da profissão e do Estado), poderão ser cada vez mais rentabilizados por outros títulos e outros cineastas.
Uma simples nomeação para um destes filmes (seja qual for o filme, seja qual for a nomeação), constituiria mais um passo importantíssimo na sua existência e, por certo, na imagem internacional da produção artística portuguesa. O que está em jogo transcende qualquer visão subjectiva de filmes “bons” e “maus”: são genuínas hipóteses de internacionalização que importa reconhecer e acarinhar. Nesta perspectiva, Mistérios de Lisboa e José e Pilar são apenas dois casos particulares de um processo que, ao longo dos anos, tem sido protagonizado pelos mais variados filmes e cineastas do nosso país.