sexta-feira, agosto 15, 2008

Madonna 50 vezes (46/50)

A revista Egoísta assinalou os 50 anos do Casino Estoril com uma edição especial dedicada ao número "50" — este texto integra essa edição, com o título 'She's not me' [fotogramas do video de Love Don’t Live Here Anymore (1996), dirigido por Jean-Baptiste Mondino].

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46. Uma mitologia recorrente (e muito estúpida) tende a fazer crer que as canções populares existem para cumprir um mero hiato de futilidade, não importando o que nelas se diz e canta. É difícil sustentar isso face a alguém que canta “You made me feel / (...) / like a virgin / touched for the very first time.” Na verdade, a popularidade de muitas canções é indissociável da sofisticada ligeireza com que conseguem condensar sentimentos verdadeiramente universais.

47. Em 1995, quando lançou a antolo-gia “Something to Remember”, Madonna foi buscar “Love Don’t Live Here Anymore”, uma canção algo esquecida do álbum “Like a Virgin” (1984). É uma balada de desencantada solidão (“Love don’t live here anymore / Just emptiness and memories / Of what we had before / You went away / Found another place to stay, another home.”) que mereceu mesmo um teledisco feito mais de uma década depois do seu lançamento.

48. Assinado por Jean-Baptiste Mondino, o teledisco de “Love Don’t Live Here Anymore” comete uma proeza rara neste tipo de produto: a interpretação de Madonna surge em continuidade, numa única “take”, emprestando ao video uma espécie de angustiado “suspense”. Ela revela-se num cenário palaciano, com janelas de cortinas batidas pelo vento, esconde-se e reaparece por detrás de uma coluna de mármore. Sente-se a duração da canção: o tempo é real.

49. O teledisco de “Love Don’t Live Here Anymore” foi filmado a 4 de Março de 1996, em Buenos Aires, durante a rodagem de “Evita”, sob a direcção de Alan Parker. Madonna estava grávida de dois meses e mantinha ainda segredo sobre a sua condição. É possível imaginá-la a dizer à sua filha Lourdes Maria (nascida a 14 de Outubro desse ano) qualquer coisa como: “Tu estavas aqui.” Afinal de contas, a nossa história começa sempre com imagens onde não nos vemos.

50. Quando olho para as fotografias mais antigas dos meus pais, antes de eu ter nascido, sinto sempre a nostalgia desse passado onde não podia estar. Prova-velmente, desejo uma espécie de nomadismo metafísico onde, em boa verdade, não sei como me sentir apaziguado: não sinto a falta do passado que vivi, mas do tempo anterior à minha existência. Tento aquietar esta insensatez contemplando os sorrisos ainda cândidos dos dois. Será que já tinham escolhido o meu nome?