quinta-feira, agosto 07, 2008

Madonna 50 vezes (26/30)

A revista Egoísta assinalou os 50 anos do Casino Estoril com uma edição especial dedicada ao número "50" — este texto integra essa edição, com o título 'She's not me' [fotogramas do video de Love Don’t Live Here Anymore (1996), dirigido por Jean-Baptiste Mondino].

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26. Nos anos 60, a regra era não se falar sobre a sexualidade. Regra social, dispositivo moral. Não que não houvesse excepções, mas a regra, nem que fosse pelo pressentimento do medo (sobretudo pelo medo), era remeter a sexualidade para um abismo negro que, num tempo futuro e “adulto”, seria resgatado e dissipado, porventura com alguma compensação. Não que os adultos quisessem “reprimir” os mais novos. Apenas escolhiam o silêncio.

27. O escândalo social gerado por algumas imagens é, quase sempre, o escândalo das palavras que as sustentam, ou que nelas se dizem. Se há uma violência artística capaz de nos desafiar nas nossas certezas (e eu acredito que há), raras vezes pode ser interpretada como mero resultado do que se vê ou dá a ver. Daí decorre, aliás, a mais política noção de imagem: não uma tela de “revelações”, sejam elas quais forem, mas algo que fala. E nos faz falar.

28. As canções são palavras. Em “Justify My Love”, Madonna cantava assim: “Yearning, burning / For you to justify my love / (…) / Talk to me, tell me your dreams / Am I in them? / Tell me your fears / Are you scared? / Tell me your stories / I’m not afraid of who you are / We can fly! / Poor is the man / Whose pleasures depend / On the permition of another.” Há palavras que valem mais que mil imagens. Não é popular dizê-lo, mas a sabedoria popular mente.

29. Lembro-me que, já no final da minha adolescência, pela primeira vez, a minha mãe tentou falar comigo sobre algumas questões da vida sexual. Na altura não consegui sair do próprio choque que a situação me provocou, mas não pude deixar de sentir que havia nela um mal estar, se não maior, muito diferente do meu. Agora, à distância, sinto algo de romanesco, porventura de cruelmente romanesco: era como se ela estivesse a falar da mágoa do seu próprio paraíso perdido.

30. No filme “Na Cama com Madonna” (1991), de Alek Keshishian, há uma sequência em que Madonna visita a campa da sua mãe. Debruça-se sobre o terreno, como que à procura de uma posição aconchegada, e diz esta coisa impres-sionante: “Eu vou ficar aqui.” É ela que o diz: a morte da mãe, aos 30 anos, vitimada por cancro, foi um dos factos impulsionadores de toda a sua biografia, quer a entendamos no plano privado, quer no espaço do “entertainment”.
[continua]