A revista Egoísta assinalou os 50 anos do Casino Estoril com uma edição especial dedicada ao número "50" — este texto integra essa edição, com o título 'She's not me' [fotogramas do video de Love Don’t Live Here Anymore (1996), dirigido por Jean-Baptiste Mondino].
[1/5] [6/10] [11/15] [16/20] [21/25] [26/30] [31/35]
36. A dimensão provocatória dos discursos humanos passou a ser um “gadget” vulgar. No nosso mundo televisivo, assistimos mesmo à promoção de formas degradadas de conservadorismo (há também um conservadorismo inteligente e criativo) em que se confunde a mera proliferação do calão com o desafio às convenções sociais. Veja-se a redução da nobre tradição da “stand-up comedy” a uma lista de asneiras. Se eles dizem “merda”, prefiro não dizer.
37. Na sua análise da possível deriva fascizante de uma língua, qualquer língua, Roland Barthes leva-nos a repensar a censura, não como uma estratégia absoluta de interdição (ou de interdição absoluta), mas sim como uma grelha ideológica de condicionamento dos discursos. Censurar pode ser esconder, mas também pode ser expor. Daí o reconhecimento de que há uma censura que impede de falar, mas pode haver outra que obriga a dizer.
38. Através do sistema dos “apanhados”, a televisão contemporânea conseguiu convencer o cidadão comum a comportar-se como um “paparazzi” das misérias dos outros, no limite das desgraças do seu próprio mundo privado. O “apanhado” não existe para nos fazer perceber que o factor humano não é alheio ao ridículo (afinal de contas, sabemos que Buster Keaton existe). O “apanhado” existe para nos convencer que nada merece valor, tudo é irrisório.
39. O desafio mais forte que se pode lançar à obscenidade do espaço mediático não é a negação infantil (“eu não sou obscena”). O verdadeiro desafio consiste em afirmar, obsessivamente, um “eu” que não aceita dissipar-se em nenhuma generalização. No limite, um “eu” disposto a renegar a palavra original, isto é, o seu próprio nome. No final de “American Life”, a interrogação das ilusões do “american dream” leva Madonna a perguntar: “Do I have to change my name?”
40. Seria possível a história de Madonna Louise Ciccone ser o que é se o seu nome fosse outro? Ou ainda: até que ponto (ou de que modo) a história de uma pessoa passa pela materialidade do seu nome, pela sonoridade do seu dizer, eventualmente pelas suas repercussões simbólicas? Que significa herdar o nome da mãe? E que representa um nome (“Madonna”) que remete, de forma tão directa, para a tradição religiosa e a iconografia católica?
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36. A dimensão provocatória dos discursos humanos passou a ser um “gadget” vulgar. No nosso mundo televisivo, assistimos mesmo à promoção de formas degradadas de conservadorismo (há também um conservadorismo inteligente e criativo) em que se confunde a mera proliferação do calão com o desafio às convenções sociais. Veja-se a redução da nobre tradição da “stand-up comedy” a uma lista de asneiras. Se eles dizem “merda”, prefiro não dizer.
37. Na sua análise da possível deriva fascizante de uma língua, qualquer língua, Roland Barthes leva-nos a repensar a censura, não como uma estratégia absoluta de interdição (ou de interdição absoluta), mas sim como uma grelha ideológica de condicionamento dos discursos. Censurar pode ser esconder, mas também pode ser expor. Daí o reconhecimento de que há uma censura que impede de falar, mas pode haver outra que obriga a dizer.
38. Através do sistema dos “apanhados”, a televisão contemporânea conseguiu convencer o cidadão comum a comportar-se como um “paparazzi” das misérias dos outros, no limite das desgraças do seu próprio mundo privado. O “apanhado” não existe para nos fazer perceber que o factor humano não é alheio ao ridículo (afinal de contas, sabemos que Buster Keaton existe). O “apanhado” existe para nos convencer que nada merece valor, tudo é irrisório.
39. O desafio mais forte que se pode lançar à obscenidade do espaço mediático não é a negação infantil (“eu não sou obscena”). O verdadeiro desafio consiste em afirmar, obsessivamente, um “eu” que não aceita dissipar-se em nenhuma generalização. No limite, um “eu” disposto a renegar a palavra original, isto é, o seu próprio nome. No final de “American Life”, a interrogação das ilusões do “american dream” leva Madonna a perguntar: “Do I have to change my name?”
40. Seria possível a história de Madonna Louise Ciccone ser o que é se o seu nome fosse outro? Ou ainda: até que ponto (ou de que modo) a história de uma pessoa passa pela materialidade do seu nome, pela sonoridade do seu dizer, eventualmente pelas suas repercussões simbólicas? Que significa herdar o nome da mãe? E que representa um nome (“Madonna”) que remete, de forma tão directa, para a tradição religiosa e a iconografia católica?
[continua]