PETER LINDBERGH Martha Graham Tribute [fragmento] (1994)
Madonna Louise Ciccone faz hoje 50 anos. "Material Girl" e "Material Mother", senhora de nome divino ou mulher diabolizada, entra no segundo meio século da sua vida como quem reabre a história da cultura pop que, afinal, nos últimos 25 anos, desde os tempos heróicos de Lucky Star, Burning Up e Holiday, por ela foi, em muitos e decisivos aspectos, marcada, transfigurada, feita, desfeita e relançada.
Desde a entronização no Rock and Roll Hall of Fame até ao lançamento de uma nova digressão ('Sticky & Sweet Tour'), o ano de 2008 tem sido de grande actividade para Madonna — e também de constante presença nos media, protagonizando uma relação amor/ódio que, em boa verdade, é indissociável da sua história privada e artística.
Sem ser propriamente uma ingénua — hélas!, não há ninguém como a criadora de Like a Virgin para compreender as ambivalências e perversidades da exposição mediática —, Madonna é também uma das figuras públicas mais sistematicamente simplificadas na amplitude e diversidade do seu trabalho. Para nos ficarmos por um exemplo óbvio e recente, é possível encontrarmos páginas e páginas de gratuita especulação sobre o aspecto "suspeito" de Madonna numa banal fotografia de paparazzi, ao mesmo tempo que pouco ou nada se diz sobre o seu envolvimento na campanha Raising Malawi [cartaz], de apoio a um milhão de órfãos da sida naquele país africano.
Há, por isso, uma desproporção entre o que, em termos mediáticos, Madonna supostamente "diz" ou "faz" e os acontecimentos específicos da sua carreira. Ironicamente, a componente mais secundarizada é aquela que, de uma maneira ou de outra, sustenta todos os desenvolvimentos do seu trabalho — a música.
Vale a pena, assim, recordar três temas que, embora de forma restrita, podem simbolizar a pluralidade do seu labor musical.
O primeiro, Live to Tell (Madonna/Patrick Leonard) pertence ao terceiro álbum de estúdio de Madonna, True Blue (1986), e pode resumir um vector constante da sua actividade: a valorização do modelo canção e, em particular, a sua colagem a todo um romanesco que não é estranho ao património cinéfilo — Live to Tell acabou por se transformar na canção-tema de At Close Range/À Queima Roupa (1986), filme de James Foley, com Sean Penn e Christopher Walken.
Oh Father (Madonna/Patrick Leonard) pertence a Like a Prayer (1989), quarto ábum de estúdio de Madonna e ilustra de forma crua a relação com o pai, figura tensa e contraditória na história pessoal de Madonna, quanto mais não seja porque a mãe morreu pouco depois de ela fazer cinco anos — embora a canção desemboque numa forma de reconciliação, os seus versos de abertura dizem: "It's funny that way, you can get used / To the tears and the pain / What a child will believe / You never loved me." O respectivo teledisco, prodigiosamente dirigido por David Fincher, inspira-se directamente em alguns aspectos cénicos e iconográficos de O Mundo a Seus Pés (1941), de Orson Welles.
Enfim, Has to Be (Madonna/William Orbit/Patrick Leonard) provém do sétimo álbum de estúdio de Madonna, Ray of Light (1998), e é um reflexo modelar da sua relação criativa com o espaço multifacetado das electrónicas — é uma raridade, pelo menos deste lado do planeta, uma vez que apenas integrou a edição japonesa do álbum.
Tem algo de paradoxal que 2008 seja também o ano em que Madonna se reafirma no espaço cinematográfico, por um lado lançando o seu primeiro trabalho como realizadora, Filth and Wisdom, por outro lado produzindo I Am Because We Are, uma realização de Nathan Rissman, sobre a situação humanitária no Malawi e, em particular, a acção da fundação Raising Malawi.
De facto, a distância que a comunidade de Hollywood sempre manteve em relação à sua pessoa (e que a própria, obviamente, quis anular, embora sem o conseguir) conduz a uma visão automaticamente "deficitária" da sua carreira nos filmes. Duplo paradoxo, se assim nos podemos exprimir, sobretudo se nos lembrarmos que o seu nome está ligado a três momentos emblemáticos de reconversão da imagem feminina — Desesperadamente Procurando Susana (1985), de Susan Seidelman, Liga de Mulheres (1992), de Penny Marshall, e Evita (1996), de Alan Parker —, tendo ainda trabalhado sob a direcção de autores tão marcantes como Warren Beatty (Dick Tracy, 1990), Woody Allen (Sombras e Nevoeiro, 1992), Abel Ferrara (Dangerous Game, 1993) e Spike Lee (Girl 6, 1996).
Neste conjunto, Dangerous Game, por certo um dos mais radicais filmes americanos de toda a década de 90, constitui um caso paradigmático de "apagamento" das memórias cinéfilas, tanto mais desconcertante quanto o filme de Ferrara arrisca nesse território sempre difícil das relações entre "verdade" e "ficção", encenando as relações tensas no interior de uma equipa de rodagem de um filme — as personagens de Madonna e James Russo são actores, assumindo Harvey Keitel a figura do realizador. Foi um imenso falhanço comercial, lançado nos EUA (e em alguns países europeus) com o título Snake Eyes, depois mudado para Dangerous Game [cartaz] — em Portugal, nunca estreou nas salas, tendo sido editado apenas em cassete de video com o título Linha de Demarcação. Este fragmento ilustra exemplarmente o jogo de espelhos proposto por Ferrara e também o espantoso sentido de composição de Madonna.
>>> Site oficial de Madonna.
>>> Madonna-online.ch: embora desactivado, este site suíço (construído no período 1998-2008) mantém-se online e é um dos mais bem organizados e informados sobre a carreira de Madonna.
>>> No Sound+Vision: Ano Madonna.
HELMUT NEWTON Vanity Fair (1990)