sábado, agosto 09, 2008

Madonna 50 vezes (31/35)

A revista Egoísta assinalou os 50 anos do Casino Estoril com uma edição especial dedicada ao número "50" — este texto integra essa edição, com o título 'She's not me' [fotogramas do video de Love Don’t Live Here Anymore (1996), dirigido por Jean-Baptiste Mondino].

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31. Madonna tinha cinco anos quando a mãe morreu (a 1 de Dezembro de 1963). O peso desse desaparecimento é algo sobre o qual ela, em boa verdade, nunca deixou de falar, inclusivé em algumas canções (uma delas chamada “Oh Father”). Mas que dizer do facto de a mãe de Madonna se chamar... Madonna? Madonna Louise. Madonna Louise Fortin (apelido de solteira). Que significa perder uma mãe que tem o nosso nome? Que herança transporta um nome?

32. Em 1998, para o álbum “Ray of Light”, Madonna escreveu “Mer Girl”. Começa assim: “I ran from my house that cannot contain me / From the man that I cannot keep / From my mother who haunts me, even though she’s gone / From my daughter that never sleeps / I ran from the noise and the silence / From the traffic on the streets.” Mais à frente, emerge um negrume de amor: “Up into the hills, I ran to the cemetery / And held my breath, and thought about your death.”

33. Como é que uma época fala da morte? Como é que a nossa época fala da nossa morte? Eis uma pergunta que nos pode ajudar a lidar com o nosso tempo. Basta olharmos para a mediatização da destruição, para percebermos que a morte é tema tabu. Por um lado, somos diariamente massacrados com histórias tétricas sobre o fim do mundo e outros acidentes sem importância; por outro lado, não é permitido falar da certeza da morte, da sua silenciosa nitidez.

34. Talvez seja a nitidez da morte que torna o teledisco de “American Life” tão intolerável para o nosso tempo de permanente “divertimento” e “purificação”. Se há mensagem política em “American Life”, é a mais linear e, por assim dizer, mais primitiva. A saber: a guerra mata. Com uma alínea económica: o armamento é uma indústria. Mais do que o ser “pró” ou “contra” (a administração Bush), era isso o insuportável: expor o gelo irreversível da morte.

35. As palavras de “American Life” desembocam num cepticismo sem redenção possível. Mais do que isso: trata-se de um desencanto que resiste a ser encaixado num qualquer dispositivo panfletário, afirmando-se antes através de um grito selvagem de puro individualismo: “I’d like to express my extreme point of view / I’m not a Christian and I’m not a Jew / I’m just living out the American Dream / And I just realized that nothing is what it seems.”

[continua]