domingo, fevereiro 21, 2010

"Avatar" e os outros espaços (10/10)

O HOMEM DA CÂMARA DE FILMAR (URSS, 1929), de Dziga Vertov

Face a Avatar, de James Cameron, gostaria de defender a ideia segundo a qual a "descoberta" do 3-D é uma asserção historicamente fraca. Dito de outro modo: a história do cinema contém toda uma genealogia dramática do espaço, por vezes de enorme complexidade conceptual, que está muito para além da "ilusão" óptica — dez fotogramas para nos lembrarmos.

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Um dos sintomas da escassez de densidade — entenda-se: de densidade histórica — dos debates sobre as vanguardas contemporâneas (incluindo as vanguardas tecnológicas) é o frequente esquecimento da herança plural e fascinante do cinema soviético. E não só porque nenhum rótulo ideológico pode esgotar a sua riqueza (mesmo se as convulsões ideológicas, com as suas utopias e tragédias, são essenciais para compreender as suas dinâmicas) — também porque os seus desafios estéticos permanecem actualíssimos. Dziga Vertov (1896-1954) é um dos nomes incontornáveis dessa conjuntura, a par de Sergei Eisenstein, Vsevolod Pudovkin ou Alexander Dovjenko. Porventura mais do que qualquer um dos outros, Vertov quis confrontar o seu espectador com a questão fulcral da inscrição da verdade no filme. O Homem da Câmara de Filmar, crónica realista & imaginária dos desígnios quotidianos da Revolução, é a apoteose disso mesmo: um filme que propõe uma visão cinematográfica do presente, tratando o presente como um entidade conceptual gerada pelo próprio cinema. Daí que uma imagem como esta não possa ser vista como um mero efeito de "distanciação" de quem revela a materialidade dos fotogramas — ao mesmo tempo, trata-se de celebrar essa materialidade como um instrumento lúdico de reconquista da realidade. O fotograma remete-nos necessariamente, porventura moralmente, para algum real, coisa de que o digital nem sempre se pode reivindicar.