Serenamente, Anne Sofie von Otter tem sabido evoluir sem se sentir compelida a conservar a "imagem" e o repertório que, há cerca de duas décadas, a impuseram como mezzo-soprano de excelência. Disso era um exemplo modelar o seu Bach, lançado o ano passado. Agora, com uma colecção de árias do barroco francês, ela volta a surpreender como alguém que continua a explorar terrenos inusitados, alheios a qualquer gestão defensiva da carreira.
Com chancela da Deutsche Grammophon, Ombre de Mon Amant é, em disco, uma notável estreia no domínio específico da ópera francesa do período barroco. Marc-Antoine Charpentier (1634-1704), Michel Lambert (1610-1696) e Jean-Philippe Rameau (1683-1764) são os autores convocados, num registo que está muito distante de qualquer revivalismo banalmente nostálgico. Tal como o anterior Bach, e para além dos recursos específicos da voz, Anne Sofie von Otter distingue-se por uma cada vez mais sofisticada teatralidade do dizer (e do cantar). Ouça-se, por exemplo, a ária de Lambert que empresta o título ao álbum: são momentos de surpreendente delicadeza emocional, ao mesmo tempo celebrando o artifício próprio da música. Dirigido por William Christie, o colectivo Les Arts Florissants fornece o enquadramento exuberante, mas geométrico, também ele sereno, para um grande acontecimento musical.