terça-feira, janeiro 05, 2010

"Avatar" e os outros espaços (7/10)

TAXI DRIVER (EUA, 1976), de Martin Scorsese

Face a Avatar, de James Cameron, gostaria de defender a ideia segundo a qual a "descoberta" do 3-D é uma asserção historicamente fraca. Dito de outro modo: a história do cinema contém toda uma genealogia dramática do espaço, por vezes de enorme complexidade conceptual, que está muito para além da "ilusão" óptica — dez fotogramas para nos lembrarmos.

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Por razões inevitavelmente simbólicas, filmar o dinheiro é algo que põe à prova a ética e a estética de qualquer cineasta. E tanto mais quanto a cinefilia contemporânea se degradou, a ponto de substituir a singularidade das linguagens pela universalidade dos cifrões. Daí a intensidade de uma imagem como esta: as mãos de Travis Bickle (Robert De Niro) avaliam as suas magras posses. Na verdade, Scorsese não filma o mero valor de uso do dinheiro, mas a sua colagem à intimidade do sujeito e da sua sobrevivência: o enquadramento, com a chávena e a fatia de bolo, dá-nos a ver a banalidade do quotidiano como um painel de gestos e objectos em que, em última instância, se encena a frágil diferença entre vida e morte. É interessante verificar que o ponto de vista não é exactamente subjectivo, isto é, não remete para o olhar de Travis — como se Travis, ele próprio, se pudesse desviar um pouco do seu corpo, observando o quadro dramático da sua sobrevivência. No limite, Scorsese faz-nos sentir que olhamos algo que se confunde com uma nudez radical — cerca de duas décadas mais tarde, em Casino (1995), o dinheiro circulava de forma absolutamente fria e racional, em malas metálicas, como se todos os Bickle deste mundo tivessem sido engolidos pelo dinheiro que nunca manusearam.