domingo, dezembro 20, 2009

"Avatar" e os outros espaços (3/10)

DESERTO VERMELHO (Itália/França, 1964), de Michelangelo Antonioni

Face a Avatar, de James Cameron, gostaria de defender a ideia segundo a qual a "descoberta" do 3-D é uma asserção historicamente fraca. Dito de outro modo: a história do cinema contém toda uma genealogia dramática do espaço, por vezes de enorme complexidade conceptual, que está muito para além da "ilusão" óptica — dez fotogramas para nos lembrarmos.

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A relação do cinema com a perspectiva da pintura renascentista é, de uma só vez, um dado técnico e uma herança genética. A sua desvalorização contemporânea é tanto mais dramática quanto não decorre do triunfo de nenhuma alternativa figurativa, mas da generalização de um conceito anódino de produção das imagens (todos os dias favorecido pela irresponsabilidade televisiva). Ironicamente lembrado pela sua espantosa transfiguração das cores naturais — ou da natureza das cores —, Deserto Vermelho é também um filme que discute, ponto por ponto, fotograma a fotograma, os mecanismos e efeitos da perspectiva. Como se Antonioni tivesse pressentido que a desvalorização consumista do factor humano passava por uma metódica destruição das coordenadas do espaço: infelizmente, quase meio século depois, a arbitrariedade urbana e a desvalorização dos afectos dão-lhe uma desencantada razão.