sábado, setembro 29, 2012

Fun Boy Three, 1981

Esta semana recuperámos aqui a memória do álbum de estreia dos Fun Boy Three. Hoje recordamos o teledisco daquele que foi, alguns meses antes, o cartão de visita desta banda nascida de três dissidentes dos Specials. Aqui fica, com sabor tribal, a memória de The Lunatics Have Taken Over The Asylum.

Queer Lisboa 16 - dia 9


Dia de encerramento do Queer Lisboa 16, o programa de hoje inclui a gala de entrega de prémios (21.00 na Sala Manoel de Oliveira do Cinema São Jorge) à qual se segue o filme Cloudburst, de Thom Fitzgerald. Antes há ainda espaço para revisitar os telediscos dos Abba (Sala Montepio, 18.00 – sessão de entrada gratuita) e para ver Chroniques sexuelles d'une famille d'aujourd'hui, de Jean Marc Barr, que passa às 17.15 horas na Sala Manoel de Oliveira.

Podem ver aqui a restante programação de hoje.

Um ícone dos anos 70

Discografia Roxy Music - 1 
'Roxy Music' (album), 1972

Iniciamos hoje novo perscurso por uma discografia integral, revisitando desta vez a obra dos Roxy Music, que se estrearam em disco há precisamente 40 anos com um álbum ao qual chamaram, muito simplesmente, Roxy Music. Num ano em que Bowie lançava Ziggy Stardust e os T-Rex viviam já os efeitos mediáticos do álbum Eletric Warrior editado no ano anterior, os Roxy Music revelavam ser uma das mais sofisticadas e visionárias propostas do glam rock, género ao qual o grupo surge assim associado. Cruzando linhas características da música popular com ideias experimentais – a presença das eletrónicas de Brian Eno sendo aqui uma presença determinante – o álbum de estreia dos Roxy Music vive sobretudo encantado por citações cinematográficas, entre as letras e ambientes surgindo referências a filmes como Casablanca, de Michael Curtiz, ou Breve Encontro, de David Lean. Imediatamente abraçado pela crítica, e sem um single para o acompanhar (a edição original do LP, em junho de 1972, não incluia Virginia Plain, que nessa altura nem sequer estava gravada), Roxy Music fez-se um inesperado caso de successo, o tempo elegendo-o como um clássico maior da música dos anos 70. A sua memória projeta-se em inúmeras criações posteriores. A banda sonora de Velvet Goldmine (de Todd Haynes), por exemplo, revisita e reinventa algumas das suas canções. David Bowie mais tarde recriou If There Is Something, com os Tin Machine. E os Ladytron devem o seu nome à canção com o mesmo título que descobrimos no alinhamento do disco. A capa, que usa uma foto da modelo Kari-Ann Muller, tirada por Karl Stoecker, não só se tornou num ícone pop como definiu um paradigma pelo qual responderia a grande parte das posteriores capas de discos dos Roxy Music.

Em conversa: Gary Numan

Um dos pioneiros da pop electrónica na Inglaterra de finais de 70 é hoje apontado como uma das figuras mais influentes da sua geração. Coisa rara num universo implacável como o da pop, um músico que se tornara memória obscura desde meados de 80 viu-se mais tarde citado como herança fulcral para uma variedade impressionante de famílias de músicos. Nos anos 90 nomes corno os Nine Inch Naus, Marilyn Manson, Foo Fighters ou Deadsy revelaram assim heranças invulgares em domínios rock. Nas esferas das electrónicas dançáveis o Numan é igualmente venerado. Em inícios de 80 era, juntamente com os Kraftewrk, alimento fundamental do som electro que começava a transformar o hip hop. O electroclash, na alvorada do século XXI escutou-o outra vezz... E mais tarde até as Sugarbabes transformam Are Friends Electric..
Em 2002, dois anos depois de um regresso mais mediatizado com Pure, falei com ele. Esta é a transcrição (editada para 2012) de uma entrevista originalmente publicada nas páginas do suplemento DNmais.

Nos dias de Replicas [álbum de 1979] poucos foram os que em si reconheceram imediatamente um futuro. John Peel foi um "padrinho" para si...
Foi o único que tocou os discos antes do grande sucesso.

Quando Are Friends Electric começou a rodar na rádio, em 1979, actuou pela primeira vez no Top Of The Pops, numa performance que hoje é apontada corno histórica. Foi um momento assim tão importante?
A canção era muito diferente do que o programa estava então a mostrar, mas eu não chamo a mim qualquer marco histórico nessa ocasião. O que se passou é que eu era um grande fã do programa. Via-o desde os dias da minha adolescência...

Viu por ali passar Bowie, os T-Rex...
Precisamente... E já o via até mesmo antes deles. Mas reparara já que todos usavam muitas luzes coloridas. Eu queria evitar um pouco aquilo, sobretudo porque muitas vezes aquelas luzes transformavam tudo numa espécie de banda de baile em bar de praia... Na altura as luzes eram sempre as mesmas, todos olhavam para a câmara, todos sorriam para a câmara... Eu não queria fazer aquilo. Pedi então apenas luz branca, e evitei sempre olhar para a câmara, excepto num momento específico da canção.

Lavou para ali a ideia de teatro que começava também a trabalhar nos seus concertos?
Tudo para aproveitar as potencialidades do meio e fazer da música algo mais interessante. E da letra algo mais apelativo. Sorrir para a câmara não tinha nada a ver com aquela letra!

As letras de Replicas parecem reflectir muita leitura na área da literatura de ficção científica...
Sim, interessava-me bastante por ficção científica quando era mais novo, mas à medida que fui envelhecendo fui mudando de interesses. Replicas foi, na verdade, um disco que nasceu de uma vontade de escrever um livro, que não consegui concluir. Talvez porque estivesse mais destinado para escrever canções. O livro era uma colecção de contos, e acabei por converter grande parte daquelas histórias em letras de canções. De certa forma Replicas é um álbum temático.

E desenha uma visão muito sombria do futuro... Era a sua visão da então?
Exatamente.

De certa forma segue um pouco as linhas de um Soylent Green ou de um Blade Runner...
O conto de Philip K Dick do qual surgiu o filme Blade Runner, o Do Androids Dream Of Electric Sheep, foi das coisas mais marcantes que li. Quando o filme surgiu senti que tinha muito a ver com o ambiente de Replicas. Voltei a sentir o mesmo mais tarde com O Extreminador Implacável, com aquela coisa da máquina que parece ter uma pele humana, e impossível de detetar. Essa era uma das ideias fulcrais em Replicas. O disco tem muitas ideias de ficção científicas, é verdade.

Ainda assina algumas dessas visões sobre o futuro?
Sim, algumas. Não diria que o álbum queria ser profético, até porque era apenas entretenimento; Mas penso que o futuro é um misto de deslumbramento e terror. A tecnologia pode dar-nos coisas incríveis... De resto, vivemos num tempo em que tomamos muitas coisas por conquistadas. Vivemos as descobertas a tal ritmo que, se não acontece nada de novo numa semana ficamos desapontados. Mas temos ferramentas incríveis à nossa disposição. E podemos não só saber mais sobre o que nos envolve, como descobrir muito mais sobre nós mesmos. Com um computador, mesmo sem saber muita técnica, qualquer um poder criar. Hoje posso desenhar revistas, T-shirts, até mesmo as capas do meus discos.

Podem ver aqui um excerto da atuação de 1979 no Top of The Pops.

Herbert Lom (1917 - 2012)

Com uma longuíssima carreira no cinema britânico, é conhecido sobretudo pela personagem de Charles Dreyfus, o inspector chefe de Jacques Clouseau (celebrizado pelas interpretações de Peter Sellers) nos filmes da série da "Pantera Cor de Rosa": Herbert Lom faleceu no dia 27 de Setembro, na sua casa em Londres — contava 95 anos.
Nascido em Praga, estreou-se ainda no cinema checo. Quando da invasão das tropas nazis, fugiu para a Grã-Bretanha, tendo rapidamente começado a trabalhar na indústria cinematográfica. Um dos seus primeiros papéis foi de Napoleão em The Young Mr. Pitt/Pitt, Vencedor de Napoleão (1942), sob a direcção de Carol Reed. Reconhecido como um secundário competente, participou em mais de uma centena de títulos, com inevitável destaque para a série da "Pantera Cor de Rosa", sob a direcção de Blake Edwards: Um Tiro às Escuras (1964) foi o primeiro de seis filmes. Entre outros momentos marcantes da sua filmografia, vale a pena destacar O Quinteto Era de Cordas (1955), de Alexander Mackendrick, Guerra e Paz (1956), de King Vidor (em que voltou a interpretar Napoleão), Spartacus (1960), de Stanley Kubrick, El Cid (1961), de Anthony Mann, e Zona de Perigo (1983), de David Cronenberg.

>>> Obituário no New York Times.

sexta-feira, setembro 28, 2012

Rolling Stones: o filme dos 50 anos


I was born in a crossfire hurricane
And I howled at my ma in the driving rain (...)

É do primeiro verso de Jumping Jack Flash que provém o título do documentário com que os Rolling Stones assinalam o seu cinquentenário artístico: Crossfire Hurricane terá a primeira exibição no dia 18 de Outubro, no Festival de Londres, numa projecção que será partilhada, via satélite, com cerca de 250 salas europeias. Dirigido por Brett Morgen, o filme promete ser, de uma só vez, uma antologia de memórias e uma celebração do imaginário da banda — eis o trailer.

Strike a pose...

Não vos vamos enganar... A expressão pode evocar memórias de outra canção, outra voz e outros tempos. Mas são palavras que escutamos em Confidence Boost, de Timbal que, numa remistura assinada por James Blake, surge como uma das mais surpreendentes e desafiantes propostas em regime eletrónico neste início rentrée. Aqui fica o teledisco.

Reedições:
Michael Jackson, Bad 25


Michael Jackson 
“Bad 25” 
Epic / Sony Music 
3 / 5

A 31 de agosto de 1987 Michael Jackson apresentava, sob expectativa global, o sucessor de Thriller. Editado cinco anos antes, o disco tinha-se transformado no álbum com maiores vendas da história e transportado o músico para bem lá do patamar de reconhecimento já expressivo, mas ainda não tão ostensivamente presente, que a carreira a solo e com os irmãos nos anos 70 (e em particular Off The Wall) lhe garantiam antes desse marco histórico de 1982. Bad tomava as sugestões de Thriller para seguir caminhos pop, mantendo firme uma relação com as fundações rhythm’n’blues fundadoras da sua linguagem. Lançava pistas swing beat que o músico aprofundaria pouco depois. E concluía com uma mão cheia de canções – que acabaram transformadas quase todas em singles de sucesso mundial – uma trilogia trabalhada em conjunto com o produtor Quincy Jones. Agora, no momento em que se assinalam os 25 anos da edição de Bad, uma edição especial celebra a sua memória acrescentando ao alinhamento do disco original uma série de gravações que permitem um retrato alargado do período no qual Michael Jackson trabalhou neste seu álbum. Há aqui uma série de maquetes, ainda longe do que poderiam ser as suas expressões finais, mas na verdade muito aquém dos mínimos olímpicos que lhes garantiriam um lugar no alinhamento do álbum. Recuperam-se os inéditos (também da época) já revelados numa reedição anterior do álbum. Juntam-se versões em francês e espanhol de I Just Can’t Stop Loving You e duas absolutamente dispensáveis remisturas atuais de Bad e Speed Demon, respetivamente envolvendo a colaboração da dupla Afrojack e Pitbull e, depois, Nero. Pena que a edição comemorativa disponibilizada entre nós não seja a que traz consigo o único “extra” verdadeiramente cativante: um DVD com o registo de um concerto da digressão que se seguiu ao lançamento do álbum.

Um realizador em Versalhes

Este texto é uma versão aumentada de uma entrevista com Benoît Jacquot, publicada na edição de 26 de setembro do DN com o título 'Como as criadas sentiram a revolução'.

Versalhes, 14 de julho de 1789. Os livros de História ensinam-nos que esta não foi uma data como outra qualquer. Em Paris uma multidão assaltava a Bastilha (uma fortaleza-prisão que era um símbolo do regime). Mas no palácio, a poucas dezenas de quilómetros, a corte vivia um dia como outro qualquer. “Era um mundo fechado, impenetrável”, recorda o realizador Benoît Jacquot, que faz do seu filme Adeus, Minha Rainha um retrato dos três primeiros dias da sublevação que se transformaria na revolução francesa. Versalhes “estava guardado de tudo o que fosse informação negativa que pudesse vir do exterior”. E por isso mesmo o filme nos dá conta de como a notícia ali chegou. Lentamente. Primeiro por rumores de algo invulgar que se estaria a passar. “E quando a informação chega o pânico instala-se”, descreve o realizador, que nos mostra como essa mesma explosão de medo “é enfatizada pelo ambiente de clausura” em que muitos ali viviam.

Não é a primeira vez que o cinema nos leva à eclosão da revolução francesa. Filme de abertura da edição deste ano da Berlinale, Adeus, Minha Rainha propõe-nos contudo um olhar diferente. E se em A Inglesa e o Duque, de Rohmer, nos era dada a ver a revolução pelo ponto de vista da aristocracia, aqui quem no-la conta são os criados. Em particular a leitora da rainha (interpretada por Léa Seydoux). “Quis encontrar um ponto de vista de alguém que não é aristocrata e assiste a tudo, mas de uma forma que não é inocente”, explica Jacquot. Lembrando um outro exemplo de um ponto de vista pessoal no contar das histórias deste mesmo período, aponta o filme de 1938 La Mareseillaise, de Jean Renoir, “que na altura estava politicamente muito engagé”, sublinha. Jacquot reconhece no seu filme uma ligação ao modo de olhar o mundo das criadas que o fizeram pensar em Renoir, apesar das diferenças. “Sidonie é muito renoiriana”, sublinha.

Eram quatro mil os habitantes do palácio naquele tempo, “três mil servindo a corte, entre pessoal da cozinha, criados de quarto dos estábulos, valetes, etc”, diz o realizador que ainda recentemente sentira uma comparação possível com estes ambientes e diferenças quando leu as notícias do naufrágio do Costa Concordia.


A figura de Maria Antonieta, não sendo protagonista, “nem a razão de ser do filme”, também não deixa de ser central à ação. “Nunca teria a ideia de fazer um filme sobre a rainha e os filmes que até hoje vi sobre ela não me parecem particularmente interessantes”, justifica o realizador, para quem a mulher de Luis XIV não é a razão de ser deste filme, sendo que “foi mais a situação exposta no romance [de Chantal Thomas] que deu a ideia”. Mas reconhece o fascínio que emana da personagem, que descreve como sendo “uma lenda para os franceses”. Atrai-o contudo a identidade “algo esquizofrénica” de alguém que chegou a Versalhes “como uma princesa desolada que vem do estrangeiro” e que com o tempo “transforma o palácio num espaço de representação frívola” e que, de certa maneira “inventou o conceito de mundo da moda” (algo que, ressalva, “Sofia Coppola apanhou muito bem”). Adeus, Minha Rainha retrata mesmo assim aquele que Jacquot descreve como “o momento em que ela se coroa a si mesma”, em que “sai do seu mundo frívolo e se transforma na rainha de França”. Uma coroação com uma carga de tragédia. “E isso é fascinante”, conclui.

Baseado no romance homónimo de Chantal Thomas, Adeus, Minha Rainha sugere um clima de envolvimento romântico entre a rainha e a duquesa de Polignac. “O filme não indica que tenha havido uma relação sexual ou mesmo erótica”, diz Jacquot, que fala antes de “uma paixão”. Acrescenta, contudo, que “as amizades femininas entre a aristocracia de então tinham uma dimensão passional extraordinária”. Maria Antonieta, diz, “era muito só e há ali uma dimensão de vida de convento”, diz. “Teve as suas histórias de amor, algumas com mulheres, mas não procurei sublinhar uma abordagem sáfica, apenas que fosse erotizado”, defende.

É certo que nem só do romance de Chantal Thomas viveu a preparação do filme. “Não se pode fazer um filme como este sem reunir um conhecimento do que se vai filmar”, diz Jacquot. “O filme vem de um livro e quem o escreve é uma especialista daquele período” e essa vontade de respeitar esse rigor na representação das gentes e lugares levou-o a filmar em Versalhes (sobretudo de noite e nos dias em que está fechado a visitas), pelo que Adeus, Minha Rainha “foi feito em conivência com o Palácio, que é o primeiro destino turístico do mundo”. E sublinha: “filmar em Versalhes implica uma colaboração cerrada e um apoio positivo” da instituição. Há, contudo, “lugares que já não existem”, alguns deles “hoje transformados em escritórios” ou salas de apoio. Teve assim de criar algune décors, como é o caso do quarto da rainha no Petit Trianon, uma vez que o verdadeiro tem a dimensão “de uma casinha de bonecas” onde não cabia nem a equipa nem o material.

Benoît Jacquot regressou ao palácio para uma sessão fotográfica. “É bizarro o fantasma de ali ter filmado”, reconhece. E a dada altura sentiu mesmo que o verdadeiro Versalhes era o do seu filme e não aquele onde estava novamente a passear.

Queer Lisboa 16 - dia 8


O penúltimo dia da edição deste ano do festival Queer Lisboa propõe como sessão da noite – pelas 22.00 na Sala Manoel de Oliveira do Cinema São Jorge – o filme Beauty, de Oliver Hermanus, vencedor da Queer Palm em Cannes, em 2011. Ainda hoje há uma nova oportunidade para ver American Translation, de Jean Marc Barr (17.15 na Sala Manoel de Oliveira) e, em projeção única, o documentário Detlef, de Stefan Westervelle (19.15 na Sala 3), realizador alemão que venceu o Prémio de Melhor Longa Metragem de Ficção no Queer Lisboa 11, em 2007.

Podem ver aqui a restante programação de hoje

quinta-feira, setembro 27, 2012

Passos Coelho = José Sócrates

1. Infelizmente, não era difícil de prever: a queda anunciada de Passos Coelho.

2. Os tempos não são de sensatez, muito menos de gosto de pensar. Em qualquer caso, permito-me recordar que não se trata, neste caso específico, de analisar comportamentos políticos ou medidas governamentais. Nem se trata, ainda menos, de escamotear que a sociedade portuguesa vive um dramático momento histórico em que, creio eu, políticas e políticos de direita e de esquerda partilham responsabilidades (sublinho que a palavra responsabilidade nos convoca para a gravidade dos problemas e também para a necessidade de tentar encontrar discursos em que a contundência não seja inimiga do sentido construtivo, nada tendo, por isso mesmo, nada a ver com a histeria das "culpas" que se gritam em muitos debates televisivos).

3. Trata-se, isso sim, de confirmar uma triste realidade: a queda anunciada de Passos Coelho confunde-se com a sua queda mediática — e, em particular, televisiva.

4. Na prática, assistimos a um fenómeno cíclico que, pelos vistos, tomou conta da sociedade portuguesa (com mais ou menos "cauções" das chamadas redes sociais): vivemos, assim, num sistema de alternância euforia/apocalipse que faz com representemos a nossa existência (social, hélas!) como uma paisagem na fronteira de um paraíso feito de telemóveis e exuberantes anúncios de cerveja... ou então como um inferno quotidiano a que, como espectadores, temos de nos submeter.

5. Observe-se a triste exploração (televisiva, et pour cause...) de um episódio irrelevante com um segurança que insistiu em não ser filmado por uma câmara de televisão. Será que passámos a viver num país em que alguém acredita que um primeiro-ministro (português ou de qualquer outra origem) deve ter seguranças que sorriem estupidamente para as câmaras, porventura deixando-se fotografar com um copo de whisky na mão à maneira dos patéticos "famosos" que todos os dias nos impingem em sinistros programas televisivos e revistas "sociais"? Desgraçadamente, o episódio acaba por ser empolado de forma obscena e demagógica, mais parecendo que, subitamente, tínhamos passado de uma democracia (certamente imperfeita e contraditória) para uma ditadura com PIDE, perseguições políticas, torturas e orgulhoso isolamento internacional.


6. Não, o que está em causa não é o direito à expressão seja de quem for. O que está em causa é a transformação da vida política numa guerra de imagens anedóticas e soundbytes simplistas, cujo único princípio ideológico consiste em dividir o mundo em duas facções ridículas: o "povo" que grita e que, só porque grita, arrastaria uma razão que ninguém se deve atrever a pensar nos seus fundamentos e incidências... e os "políticos" que, por causa dos problemas muito reais que vivemos, só podem ser caricatos, malignos ou corruptos — a história repete-se, e não como farsa: a tragédia mediática em que José Sócrates foi difamado para além de qualquer pingo de humanidade está a reproduzir-se na tragédia mediática através da qual, hora após hora, Passos Coelho é empurrado para o papel do monstro de Frankenstein perseguido pela multidão ululante (e, como é fácil perceber, já passámos para além da metáfora).

7. Neste processo — e exactamente como o fez o Partido Socialista durante a governação de José Sócrates —, é chocante a incapacidade do Partido Social Democrata esboçar um discreto, mas firme, gesto contra a decomposição de todo um país através do arraial do populismo televisivo. Em boa verdade, creio que a classe política (partidos do governo & partidos da oposição) já há muito devia ter assumido uma posição de firmeza — quer dizer, de inteligência — face a um estado de coisas em que cada cidadão está constantemente a ser empurrado para pensar a "preto e branco", "pró" ou "contra", escolhendo como personagens diabólicas de hoje as virgens redentoras de ontem (ou o contrário).

8. A classe política portuguesa parece não compreender que este processo de degradação televisiva da imagem de Passos Coelho, tal como o de José Sócrates, atinge muito para além do partido ou partidos que estão no governo — a sua lógica bélica restringe, dia após dia, o espaço de manobra para o próprio trabalho político de todos.

9. Pergunta dramática e inquietante: será que a maioria dos membros da classe política apenas existe em função do efeito televisivo dos seus comportamentos?

10. Sabemos que lembrar tudo isto, aqui e agora, facilmente é descartado pelos demagogos de serviço como prova de um permanente discurso "contra a televisão". Em boa verdade, é exactamente o contrário que está em jogo: a televisão é qualquer coisa de demasiado importante, e demasiado fascinante, para a deixarmos ser ocupada por crianças mal educadas que se divertem a desamurrar a casa ou, pior ainda, a esgaravatar as suas fissuras, ansiando por vê-la ruir — não há, no tempo que vivemos, questão mais dramaticamente social.

No deserto...

É a própria Chan Marshall quem realiza o teledisco que assinala o cartão de visita para Sun, o novo disco de Cat Power. Aqui ficam as imagens que acompanham Cherokee, o tema que abre o alinhamento do álbum.

Discos pe(r)didos
Fun Boy Three, Fun Boy Three


Fun Boy Three 
“Fun Boy Three” 
Chrysalis Records 
(1982)

Foi uma surpresa para tudo e todos. Os Specials eram um dos nomes mais vibrantes nascidos em clima pós-punk na Inglaterra de finais dos anos 70. Mas quando menos se esperava, três dos seus elementos resolveram sair de cena, formando nova banda e seguindo um caminho distinto. Eram eles Terry Hall (uma das almas centrais dos Specials e figura que ainda teria protagonismo pop nos Colourfield, um pouco mais adiante), Neville Staple e Lynval Golding. Juntos passaram a responder como Fun Boy Three e estrearam-se em 1982 num álbum homónimo que, apesar do sucesso dos três singles extraídos do seu alinhamento – The Telephone Always Rings, It Ain’t What You Do, It’s The Way That You Do It e The Lunatics Have Taken Over The Asylum – acabou com o tempo como uma peça injustificadamente esquecida entre as memórias do seu tempo. Tal como outros contemporâneos seus como os Creatures (projeto paralelo dos Sixouxsie & The Banshees), os Bow Wow Wow ou Adam and The Ants, os Fun Boy Three colocavam o trabalho com as percussões na frente da sua identidade. Há entre as canções de Fun Boy Three uma noção de arrumação dos espaços que, entre o minimalismo de recursos levado a cena, faz das vozes e do trabalho de percussão o centro gravítico das composições. Um apelo tribal (ora africano, ora caribenho, outras vezes sem uma geografia concreta) cruza canções que sugerem uma cenografia de mais sombras que luzes, de tensão e mistério, de formas mais sugeridas que polidas, diferentes da angulosidade habitual em clima pop/rock. Longe do ska e dos espaços mais claramente demarcados vividos pelos Specials, os Fun Boy Three propunham caminhos de ensaio e descoberta que, apesar da invulgaridade das ferramentas e formas, não perdia a consciência de uma alma pop que, de resto, se manifestou bem evidente nos singles acima retirados. Nota ainda para a presença frequente das (então também estreantes) Bananarama nos coros de vários momentos do álbum.

Versalhes, 14 de julho de 1789...

A história conta-se com tempo e distância. Procurando uma objetividade que o jornalismo tenta observar mais em cima do acontecimento. Mas quando estamos demasiado perto das situações há, inevitavelmente, um ponto de vista. Não apenas pela forma como pessoalmente interpretamos o sucedido em função da nossa proximidade relativamente aos factos. Mas também pelo modo como a esses factos temos acesso... Estas são premissas centrais a Adeus, Minha Rainha (no original Les Adieux à La Reine), filme de Benoît Jacquot que abriu este ano a Berlinale e que chega hoje às salas de cinema portuguesas.

O lugar é Versalhes. O tempo, o dia 14 de julho de 1789. O dia da tomada da Bastilha (em Paris). O eclodir da revolta popular que em breve se transformaria numa revolução. Mas no palácio, a poucas dezenas de quilómetros da capital francesa, é business as usual (que é como quem diz que não acontece nada além de uma agenda de frívolo passar do tempo para a corte e de azáfama quase invisível para quem a serve). Adeus, Minha Rainha, coloca-nos em Versalhes, ao longo dos três dias que se seguem à revolta popular. Observa como a informação vai chegando aos poucos, sussurrada primeiro entre rumores de algo que terá acontecido, explosão de terror pouco depois quando ali chega uma lista das cabeças que a multidão revoltada quer fazer saltar...


Benoît Jacquot foca contudo o desenrolar dos acontecimentos segundo o ponto de vista de uma criada. Sidonie (interpretada por Léa Seydoux), a leitora da rainha Maria Antonieta, que começa o dia a rumar ao Petit Trianon para ler-lhe algumas páginas e acaba a tecer um bordado para tentar aliviar a tensão e o medo que pouco depois ali se instala. É entre as cozinhas, os corredores dos dormitórios dos criados e salas de trabalho onde a corte não entra que o filme coloca o seu ponto de vista, olhando a realeza e quem com ela vive de perto. Entre gente do povo, portanto, mas habituada a uma vida entre o fausto de Versalhes. Uma população crítica, talvez, mas não inocente...

O filme, baseado no romance de Chantal Thomas, junta ainda uma condimentação extra ao sugerir uma tensão amorosa (podemos mesmo dizer erotizada, se bem que não necessariamente sexualmente consumada) entre a rainha (Diane Kruger) e a duquesa de Polignac (Virgine Ledoyen). História paralela que quase tropeça no verdadeiro fio narrativo e que acaba na verdade coisa tão secundarizada como a passagem por algumas cenas e planos do rei Luis XVI. Afinal, é entre quem serve os apartamentos da rainha que olhamos o evoluir dos acontecimentos.

Se o magnífico A Inglesa e o Duque, de Eric Rohmer, nos deu um ponto de vista diferente da revolução francesa (em concreto o da aristocracia), Adeus, Minha Rainha olha-a do ângulo dos que a serviam. Tal como o belíssimo Marie Antoniette, de Sofia Coppola, o filme de Jacquot revela espantosa art direction e tem um cuidado extremo na reconstituição dos espaços, dos figurinos e dos gestos. Focado porém no momento em que uma onda de choque abana a pax dourada de Versalhes, Adeus, Minha Rainha é narrativamente mais consistente (por oposição ao olhar eminentemente plástico do filme de Coppola que, na essência nos mostra a história de um lugar onde não havia história senão uma rotina de protocolos coreografados, com pontos de fuga nas noites de festa e nas escapadelas no Trianon). Tal como o filme de Coppola, também o de Jacquot deixa a história da revolução por contar. Fica em Versalhes. O resto, sabemo-lo dos livros de história.

A solidez com que lança o olhar, encena os acontecimentos e observa o fazer da história faz de Adeus, Minha Rainha, um episódio marcante na história da representação deste período da história de França. Quem pensava que já tinha sido contado tudo sobre Versalhes e a revolução francesa, terá aqui uma bela surpresa.

Três imagens que recordam três representações do universo de Versalhes no cinema e na televisão. A primeira corresponde a Si Versailles m'était conté (1954), de Sacha-Guitry. A segunda a produção televisiva La Prise du Pouvoir Par Louis XIV (1966) de Roberto Rosselini. E a terceira, o mais recente olhar de Sofia Coppola sobre a figura da rainha em Marie Antoinette (2006).

Brian Eno 'ambiental' em novembro

Brian Eno regressa aos discos em clima "ambient" em novembro. Lux é o seu novo álbum a solo e tem edição assegurada pela Warp. O disco apresenta uma peça dividida em 12 partes (por quatro faixas). Já está na lista dos mais esperados do ano...

Queer Lisboa 16 - dia 7

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O Queer Lisboa passa hoje, integrado no programa ‘Curtas – Queer Art’ as curta-metragens O Que Arde Cura, de João Rui Guerra da Mata e Parabéns, de João Pedro Rodrigues. O programa, que inclui ainda filmes de António da Silva e José Gonçalves, passa às 19.30 na Sala Manoel de Oliveira e precede um debate sobre o cinema queer em Portugal. Antes (17.15 na mesma sala) passa o documentário Olhe Para Mim de Novo, de Claudia Priscilla e Kiko Goffman, que nos leva a espaços do Sertão brasileiro. Também do Brasil chega, pelas 22.00, e novamente na Sala Manoel de Oliveira, o filme Novela das 8, de Odilon Rocha.

Podem ver aqui a restante programação do dia.o. A primeira corresponde a no cinema
s e a revoluçentos e observa o fazer da histno Trianon). m um cuidado extremo na reconsti

"Mad Men" e as crianças

Esta é Kiernan Shipka no papel de Sally, a filha de Don Draper, em Mad Men: um exemplo admirável de abordagem do espaço das crianças — este texto foi publicado no Diário de Notícias (23 Setembro), com o título 'Como filmar um olhar de criança'.

Sally Draper, interpretada pela brilhante Kiernan Shipka (actualmente com 12 anos), é uma das personagens mais desconcertantes da série televisiva Mad Men. Filha de Don e Betty Draper (Jon Hamm e January Jones), separados na actual quinta temporada (a passar na RTP2), há nela uma bizarra e paradoxal energia: por um lado, sendo ainda uma criança, ocupa um lugar “marginal” aos problemas dos adultos; por outro lado, a sua inteligência e perspicácia leva-a a decifrar muitas das máscaras que os mais velhos usam para sobreviver na selva profissional da publicidade ou para manter os frágeis equilíbrios dos seus universos conjugais e familiares.
Tanto bastaria para a definir como inequivocamente exterior a esse cliché muito televisivo que faz com que as crianças (e adolescentes) sejam quase sempre expostas como marionetas da própria ficção: são figuras decorativas que parecem desprovidas de qualquer forma de sensibilidade humana ou, então, entram nas histórias como banais matérias instrumentais dos adultos e respectivos discursos.
O mais difícil, há que reconhecê-lo, é fazer passar a noção de que a personagem da criança não tem de ser um “símbolo” obrigatório da sua própria condição etária (impostura corrente no espaço das telenovelas), mas uma personagem que se distingue também por um olhar. Dito de outro modo: o desafio consiste em filmar a criança como alguém que, com mais ou menos ilusões, vazios ou equívocos, elabora o seu próprio ponto de vista sobre as relações em que está inserida.
Num dos episódios da corrente temporada (nº 7, “At the Codfish Ball”), Sally acompanha o pai numa recepção oficial, acabando por assistir, nos bastidores, a um acto sexual entre um homem e uma mulher cujos cônjuges permanecem, entretanto, no salão onde decorre o evento. O episódio termina com Sally a telefonar a um amigo a quem, em qualquer caso, não conta o que viu. Quando o amigo lhe pergunta “como está Nova Iorque”, ela responde com uma simples palavra que encerra o episódio: “Suja.” O que é admirável neste desenlace não é o “simbolismo” nem a “pedagogia”, mas a verdade visceral que emana de Sally: ela não só observa metodicamente o mundo à sua volta como tem uma visão moral que, na sua contundência, é estranha ao laxismo de quase todas as personagens adultas.
Não se trata, entenda-se, de dizer que Mad Men dá “razão” às crianças. Aliás, aplicando a velha fórmula de Jean Renoir, poderemos dizer que a série procura iluminar as “razões”, mesmo as mais cruéis ou insensatas, de todos os seres humanos. Trata-se antes de encenar as crianças como personagens vivas e contraditórias (Sally é também, por vezes, um vulcão de egoísmo), no mesmo plano dramático de todas as outras. Infelizmente, esse risco estético e ético é coisa cada vez mais rara no conformismo narrativo dos modelos televisivos.

quarta-feira, setembro 26, 2012

Dois irmãos (em Chicago)

São dois irmãos e vivem em Chicago. Juntos assinam como Wild Belle e têm um novo EP. It's Too Late é o tema que lhe dá título e que representa a sua estreia no catálogo da Columbia Records. Aqui fica o teledisco que o acompanha.

Novas edições:
Cat Power, Sun


Cat Power 
“Sun” 
Matador  Records
4 / 5

Foi longa a espera. Seis anos, pelo caminho um álbum de versões – Jukebox, em 2008. E na altura de acolher a chegada do sucessor de The Greatest sentimos aquele entusiasmo que muitas vezes nos leva a dizer que a espera foi compensada. Porque, para dizer a coisa em poucas palavras, Sun é uma deliciosa surpresa. A sua gestação não foi fácil (de resto, a longa pausa deixa claro que a espera não aconteceu por acaso)… A história de Sun começa pouco depois do lançamento de The Greatest, num cenário de crise financeira pessoal, que levou Cat Power (ou seja, Chan Marshall) a levantar o seu fundo para a reforma, o que lhe permitiu construir um estúdio ao lado da sua casa, em Malibu. De uma primeira etapa de escrita da qual acabou com uma mão-cheia de canções melancólicas para voz e guitarra passou a nova fase, longe dali, apenas com eletrónicas por ferramentas de trabalho. O tempo passou… Houve dramas pessoais pelo caminho. Até que da reunião com a sua banda de estrada surgiu novo fôlego. E, ao que parece, o espaço de diálogo entre eletrónicas e os espaços mais próximos de heranças da folk e vivências da cultura pop/rock que eventualmente a terão conduzido ao terreno do qual nasceram as onze canções que fazem agora o alinhamento de Sun. A música revela desafios bem resolvidos – as eletrónicas são assimiladas segundo uma linguagem pessoal, tornadas pragmatismo ao serviço de canções sem evidentes citações nem colagens a modelos de referência – e espelha uma vitória sobre as sequelas de uma separação e de um bloqueio que se lhe seguiu (uma das explicações para tão extenso silêncio). Manhattan é um belíssimo exemplo de uma escrita que sabe integrar sugestões escutadas numa batida house, despidas contudo a uma existência quase subliminar, as notas repetidas pelo piano marcando ciclos em loop sobre os quais a voz e as percussões desenham uma canção que, como tantas outras deste disco, sugerem o prazer da descoberta de novas formas (tanto para quem as fez como para quem agora as escuta). Com a ajuda de Philippe Zdar (dos Cassius) nas misturas, Sun é um magnífico exemplo de cómo uma lógica cantautoral pode, sem esquecer as suas fundações folk e rock, caminhar pelos trilhos de um século XXI que toma as eletrónicas como importante e consequente ferramenta. Não enquanto instrumentos polidos em favor de linhas e cenografias asséticas, mas antes como parte de um todo onde não faltam arestas e rugosidades, a tensão da eletricidade, das texturas por vezes abrasivas e percussões auxiliando a voz em canções emocionalmente pungentes, contando com a soberba colaboração de Iggy Pop na extensa e catártica Nothin But Time. Valeu a espera, sim senhor.

Este paraíso tem extras e telediscos


Uma edição especial de Born To Die, de Lana del Rey, a chamada Paradise Edition chega a 13 de novembro com uma série de extras a juntar ao alinhamento do álbum lançado no início do ano. Assim, num segundo disco, este repackage inclui oito inéditos, entre os quais a versão de Blue Velvet recentemente usada numa campanha da H&M (os restantes sendo Ride, America, Cola, Body Electric, Gods And Monsters, Yayo e Bel Air). O disco inclui ainda oito remisturas de temas como Video Games, Born To Die, Blue Jeans e National Anthem. Um DVD extra junta depois os vários telediscos (num total de seis) já criados para canções de Born To Die. E há ainda um single, em vinil de sete polegadas, com duas versões de Blue Velvet.

Podem ver aqui o filme publicitário da H&M ao som de Blue Velvet.

Queer Lisboa 16, dia 6

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O sexto dia do Queer Lisboa 16 propõe como um dos momentos de destaque um filme que nos dá a conhecer a vida e lutas de Vito Russo. Foi ele quem, entre os anos 70 e 80, identificou e sistematizou casos de representação da homossexualidade no cinema, criando o livro The Celluloid Closet, referencia bibliográfica fundamental do cinema queer. Ao mesmo tempo foi importante ativista na luta pelos direitos da comunidade LGBT e uma voz marcante em campanhas de alerta para o financiamento de trabalhos de investigação e projetos de apoio na luta contra o HIV. Morreu, vítima de complicações da sida em 1990. Hoje o documentário Vito, de Jeffrey Schwartz, passa na Sala 3 do Cinema São Jorge pelas 21.30. A programação para hoje inclui ainda títulos como Frauensee de Zoltan Paul (Sala Manoel de Oliveira, 17.15) e Mosquita Y Mari, de Aurora Guerrero (Sala Manoel de Oliveira, 22.00), estas duas na competição para Melhor Longa Metragem de Ficção.

Podem ver aqui a restante programação para hoje. 

Revisitando "Ziggy Stardust"

Retomando o seu gosto pelas antologias de covers, a Paper Bag Records propõe agora um belo gesto comemorativo dos 40 anos do álbum de David Bowie, The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972): um conjunto de novas versões dos 11 temas do álbum, de Five Years a Rock'n'Roll Suicide (+ bónus de John I'm Only Dancing). Participam alguns dos nomes fundamentais do catálogo da editora, incluindo The Rural Alberta Advantage, Young Galaxy e Elliott BROOD — e está tudo disponível para download gratuito no site da PBR.

terça-feira, setembro 25, 2012

A ilusão dos "blockbusters"

I. Quanto vale um blockbuster? Nada que se possa deduzir apenas do facto de ser um... blockbuster. Tudo começou com o admirável Jaws/Tubarão (1975), de Steven Spielberg, de facto o filme que inaugura a idade moderna dos blockbusters, caracterizada por lançamentos cada vez mais amplos (hoje em dia, planetários) e uma acentuada aceleração das regras de rentabilização de cada título (ou de cada produto, como diz a gíria pouco imaginativa dos profissionais do marketing). Depois, os filmes poderão ser "bons" ou "maus", mas importa dizer que nenhum deles se pode medir apenas pelos números das respectivas performances nas bilheteiras.

II. Infelizmente, isso acontece com frequência, graças à acção de um jornalismo (?) bloqueado numa visão banalmente economicista: um filme torna-se "importante" à força de arrastar muitos milhões de dólares... Escusado será dizer que nenhum filme é mais (ou menos) interessante por envolver muitos (ou poucos) milhões. O certo é que aquela visão acaba por simplificar de forma abusiva a inevitável complexidade da vida económica dos filmes — na certeza de que tal dimensão não é estranha à vida cultural dos mesmos filmes, marcando de forma decisiva a sua difusão e percepção.

III. Por tudo isso, vale a pena sublinhar que um dos sintomas mais significativos da actual crise global do cinema decorre, precisamente, do sucesso dos... blockbusters. Porquê? Primeiro, porque a sua dominação estreita a diversidade de oferta dos mercados, impedindo filmes mais "pequenos" (não poucas vezes, com importantes potencialidades comerciais) de encontrarem os seus públicos. Depois, porque é uma ilusão julgar que os números gigantescos de determinadas performances de alguns filmes revelam, necessariamente, uma grande vitalidade do mercado. Informação sintomática, há algum tempo a circular em diversos sites americanos [sugiro artigo da Time sobre 'Summer Movies 2012']: durante o Verão de 2012, nos EUA, venderam-se menos 100 milhões de bilhetes do que na mesma estação, há dez anos. Ponto a ter em conta: os mega-sucessos escondem a realidade muito crua de um mercado que, se não se repensar (a nível global), vai reduzir cada vez mais a base regular de espectadores — ou a base de espectadores regulares.

segunda-feira, setembro 24, 2012

Plano Nacional de Cinema: eureka!

O Garoto de Charlot (1921), de Charles Chaplin.
Aniki-Bobó (1942), de Manoel de Oliveira.
Shane (1953), de George Stevens.
Jaime (1974), de António Reis.
Eduardo Mãos de Tesoura (1990), de Tim Burton.
Eis alguns dos títulos incluídos no novíssimo Plano Nacional de Cinema [texto de Nuno Galopim, no DN], divulgado pelo ministério da Educação e da Ciência e a secretaria de Estado da Cultura.
É caso para dizer: eureka! Finalmente, um gesto no sentido de criar condições (práticas, logísticas, institucionais) para que as crianças e os jovens não sejam condenados a "aprender" a ler imagens & sons através de Morangos com Açúcar e outros horrores narrativos.
O efeito do Plano não será mágico, por certo. Haverá dúvidas, impasses, modos de aplicação que importa depurar. Seja como for, a sua simples existência representa um genuíno desafio à ditadura formal de alguns conteúdos televisivos "para os mais novos"... O texto que se segue foi publicado no Diário de Notícias (22 Setembro), com o título 'Para além da cultura dos morangos'.

* * * * *

Tempos difíceis. Sob o aparato dos muito reais e dramáticos problemas de emprego, persiste uma profundíssima crise cultural que ninguém da classe política, à esquerda ou à direita, quer enfrentar. Ninguém? Quase ninguém... Através do ministério da Educação e Ciência e da secretaria de Estado da Cultura, o governo de Pedro Passos Coelho entra para a história por colocar em movimento um pensamento muito básico que a nossa democracia se deu ao luxo de ignorar durante décadas. A saber: é fundamental assumir a educação com as imagens cinematográficas (e, sobretudo, para as imagens cinematográficas) como uma missão básica da escola, visando crianças e adolescentes.
Nada a ver com uma cultura “geral” mais ou menos edificante. O que está em jogo é a necessidade política de reagir contra uma outra cultura das imagens que, todos os dias, vai instalando e instilando nos mais novos o pitoresco anedótico dos Morangos com Açúcar e os horrores do voluntarismo televisivo, desembocando no sinistro anti-humanismo de Big Brother e seus derivados.
A triunfante cultura do conflito (ainda e sempre de raiz televisiva) vai manifestar-se com o ruído em que se esgota. E não só porque brotarão da calçada centenas de listas “alternativas” para o Plano Nacional de Cinema... Quem se atrever a valorizar o bom senso desta iniciativa será excomungado como perigoso peão de um governo sobre o qual se tornou obrigatório “dizer mal” (aconteceu a mesmíssima coisa sempre que alguém tentou reflectir sobre algumas iniciativas de José Sócrates, nomeadamente o desenvolvimento da rede de salas digitais programado por Gabriela Canavilhas). Como diria o outro: que se lixem as difamações! Já era tempo de começar a dizer aos jovens que há mais mundos para além da tele-estupidez.