quinta-feira, setembro 27, 2012

Versalhes, 14 de julho de 1789...

A história conta-se com tempo e distância. Procurando uma objetividade que o jornalismo tenta observar mais em cima do acontecimento. Mas quando estamos demasiado perto das situações há, inevitavelmente, um ponto de vista. Não apenas pela forma como pessoalmente interpretamos o sucedido em função da nossa proximidade relativamente aos factos. Mas também pelo modo como a esses factos temos acesso... Estas são premissas centrais a Adeus, Minha Rainha (no original Les Adieux à La Reine), filme de Benoît Jacquot que abriu este ano a Berlinale e que chega hoje às salas de cinema portuguesas.

O lugar é Versalhes. O tempo, o dia 14 de julho de 1789. O dia da tomada da Bastilha (em Paris). O eclodir da revolta popular que em breve se transformaria numa revolução. Mas no palácio, a poucas dezenas de quilómetros da capital francesa, é business as usual (que é como quem diz que não acontece nada além de uma agenda de frívolo passar do tempo para a corte e de azáfama quase invisível para quem a serve). Adeus, Minha Rainha, coloca-nos em Versalhes, ao longo dos três dias que se seguem à revolta popular. Observa como a informação vai chegando aos poucos, sussurrada primeiro entre rumores de algo que terá acontecido, explosão de terror pouco depois quando ali chega uma lista das cabeças que a multidão revoltada quer fazer saltar...


Benoît Jacquot foca contudo o desenrolar dos acontecimentos segundo o ponto de vista de uma criada. Sidonie (interpretada por Léa Seydoux), a leitora da rainha Maria Antonieta, que começa o dia a rumar ao Petit Trianon para ler-lhe algumas páginas e acaba a tecer um bordado para tentar aliviar a tensão e o medo que pouco depois ali se instala. É entre as cozinhas, os corredores dos dormitórios dos criados e salas de trabalho onde a corte não entra que o filme coloca o seu ponto de vista, olhando a realeza e quem com ela vive de perto. Entre gente do povo, portanto, mas habituada a uma vida entre o fausto de Versalhes. Uma população crítica, talvez, mas não inocente...

O filme, baseado no romance de Chantal Thomas, junta ainda uma condimentação extra ao sugerir uma tensão amorosa (podemos mesmo dizer erotizada, se bem que não necessariamente sexualmente consumada) entre a rainha (Diane Kruger) e a duquesa de Polignac (Virgine Ledoyen). História paralela que quase tropeça no verdadeiro fio narrativo e que acaba na verdade coisa tão secundarizada como a passagem por algumas cenas e planos do rei Luis XVI. Afinal, é entre quem serve os apartamentos da rainha que olhamos o evoluir dos acontecimentos.

Se o magnífico A Inglesa e o Duque, de Eric Rohmer, nos deu um ponto de vista diferente da revolução francesa (em concreto o da aristocracia), Adeus, Minha Rainha olha-a do ângulo dos que a serviam. Tal como o belíssimo Marie Antoniette, de Sofia Coppola, o filme de Jacquot revela espantosa art direction e tem um cuidado extremo na reconstituição dos espaços, dos figurinos e dos gestos. Focado porém no momento em que uma onda de choque abana a pax dourada de Versalhes, Adeus, Minha Rainha é narrativamente mais consistente (por oposição ao olhar eminentemente plástico do filme de Coppola que, na essência nos mostra a história de um lugar onde não havia história senão uma rotina de protocolos coreografados, com pontos de fuga nas noites de festa e nas escapadelas no Trianon). Tal como o filme de Coppola, também o de Jacquot deixa a história da revolução por contar. Fica em Versalhes. O resto, sabemo-lo dos livros de história.

A solidez com que lança o olhar, encena os acontecimentos e observa o fazer da história faz de Adeus, Minha Rainha, um episódio marcante na história da representação deste período da história de França. Quem pensava que já tinha sido contado tudo sobre Versalhes e a revolução francesa, terá aqui uma bela surpresa.

Três imagens que recordam três representações do universo de Versalhes no cinema e na televisão. A primeira corresponde a Si Versailles m'était conté (1954), de Sacha-Guitry. A segunda a produção televisiva La Prise du Pouvoir Par Louis XIV (1966) de Roberto Rosselini. E a terceira, o mais recente olhar de Sofia Coppola sobre a figura da rainha em Marie Antoinette (2006).