REMBRANDT Auto-retrato, 1627 |
7. Manter uma relação inteligente com o passado.
Uma das heranças mais paradoxais do 25 de Abril, por certo não escrita nos seus fundamentos éticos, é a bizarra banalização do passado, em especial do tempo do Estado Novo. Na prática, reduz-se a ditadura a uma espécie de hiato maligno de que saímos como quem se limita a atravessar uma fronteira linear e definitiva. Fenómeno complexo, sem dúvida, que não pode ser unilateralmente atribuído à classe política — mas de que a classe política não se pode eximir. Dito de outro modo: pertence aos políticos a possibilidade de trabalhar as nossas memórias colectivas com uma inteligência que supere qualquer sonambulismo dicotómico. Temos direito a todas as contradições dessas memórias, incluindo a que nos permite falar de felicidade e infelicidade sem dependermos de qualquer lógica simplista de "prós & contras". Mais do que isso: não é possível fazer política como quem refaz a história do seu próprio país a partir do zero — ou então, quando se tenta fazer passar tal ilusão, passamos a viver em clima de permanente impostura ontológica.