sábado, abril 02, 2011

Televisão, futebol e (des)educação


O filme Camino, Javier Fesser, não foi exactamente um assunto que interessasse os telejornais portugueses. Surpresa? Nenhuma — este texto foi publicado no Diário de Notícias (1 de Abril).

Tendo em conta que qualquer estúpido fait divers consegue entrar nos alinhamentos de muitos telejornais, vale a pena lembrar uma notícia que ficou fora das respectivas opções: a estreia de Camino, de Javier Fesser. Havia pelo menos três razões fortes para a ter em conta: a polémica que envolveu o filme em Espanha (onde venceu os prémios Goya referentes a 2008); o tema da fé católica, nele abordado a pretexto de uma história verídica; enfim, o facto de as tensões entre laicismo e religião constituirem dados incontornáveis da nossa contemporaneidade.
Que fez o jornalismo televisivo com isso? Nada. Zero. Abaixo de zero. E escusado será lembrar que Camino é apenas um dos muitos verdadeiros acontecimentos todas as semanas apoteoticamente ignorados. Que tivemos, então, em troca? Uma brutal injecção de eleições do mundo do futebol (desta vez era o Sporting), confirmando uma triste verdade: umas dezenas de cidadãos aos gritos à porta de um qualquer estádio de futebol, eis quanto basta para acumular reportagens, dossiers, inquéritos, debates, etc., etc., etc.
Mais do nunca, justifica-se perguntar como é que os agentes desse jornalismo avaliam a sua responsabilidade social. E já nem discuto as linguagens específicas das “notícias” (muitas vezes especulativas e carregadas de subentendidos alarmistas). Trata-se apenas de perguntar: que visão do mundo se passa, assim, para o espectador comum? Claro que não se espera que o jornalismo, seja ele qual for, exista como uma escola da sociedade. Mas, por isso mesmo, nada o exime de pensar o seu papel (de)formador.
Entrevistados este domingo por Paula Moura Pinheiro (Câmara Clara, RTP2), Vasco Graça Moura e João Botelho recordaram a educação como elemento vital da relação de qualquer cidadão com o mundo à sua volta. Daí que faça sentido perguntar: ao promoverem, até à pura histeria mediática, as escaramuças do futebol a grandes eventos nacionais, que espécie de valores os jornalistas consideram que estão a passar aos seus espectadores? A pergunta, entenda-se, visa a defesa deontológica dos próprios jornalistas.