sexta-feira, setembro 04, 2009

Cine-Madonna (2/7)

Está a chegar Sujidade e Sabedoria (estreia: 10 Setembro), primeiro filme de Madonna cineasta, suscitando memórias do seu trajecto em cinema — é uma boa oportunidade para revisitarmos alguns dos seus trabalhos como actriz, começando por recusar a mitologia negativa que considera a sua carreira "irrelevante". [1]

Na filmografia de Madonna -- em boa verdade, na história moderna de Hollywood -- Dick Tracy é um objecto eminentemente atípico. Aliás, é-o tanto mais quanto acabou por se transformar num filme premonitório. De facto, em 1990, ao apostar em transpor para cinema a personagem do detective de gabardine amarela (criada em 1931 por Chester Gould), Warren Beatty contrariava as regras correntes dos blockbusters de Hollywood. E por três razões insólitas: primeiro, porque, para ele próprio, enquanto actor formado na nobre tradição do Actors Studio, a personagem "sem psicologia" de Tracy estava muito longe de ser uma escolha óbvia; segundo, porque a aposta era fazer, não apenas uma "transposição" da BD, mas também um filme com canções, em grande parte devedor da tradição do género musical; finalmente, porque, com a colaboração vital de Richard Sylbert (designer) e Vittorio Storaro (director de fotografia), Dick Tracy foi concebido como uma produção totalmente de estúdio. Tudo isto, convém acrescentar, no interior da máquina de produção da Disney, então numa complexa encruzilhada de revitalização do seu sector de animação (A Pequena Sereia tinha sido lançado pouco antes, em finais de 1989). Madonna interpreta Breathless Mahoney, femme fatale que seduz Tracy. Num registo a meio caminho entre a crueza melodramática e a ironia quase burlesca, a sua composição é um pequeno prodígio de subtileza e inteligência, e tanto mais quanto envolve um dos mais radicais desafios de toda a sua carreira de cantora. A saber: interpretar as canções compostas por Stephen Sondheim, incluindo a admirável Sooner or Later, premiada com o Oscar de melhor canção de 1990 -- a passagem de Madonna pela cerimónia dos Oscars de 25 de Março de 1991 [aqui em baixo], no palco do Shrine Civic Auditorium, em Los Angeles, constitui, em si mesma, um clássico do entertainment.