terça-feira, setembro 08, 2009

A sexualidade de José Carlos Malato

A pouco e pouco, a chamada imprensa cor-de-rosa está a impor um novo imaginário sexual e, muito em particular, uma nova formatação ideológica e moral de todas as formas de sexualidade. Para o compreendermos, teremos que saber superar a dicotomia "verdade/mentira", avaliando antes os efeitos concretos do que se escreve, independentemente da fiabilidade das "informações".
Agora, é José Carlos Malato que surge na capa da revista TV 7 Dias, apresentado por estes vários títulos: "Confissões explosivas / Malato assume-se e conta tudo / Apaixonado / Amores, drogas, dietas, homossexualidade, TV." A mera acumulação de sugestões sensacionalistas tem qualquer coisa de obsceno e reflecte a lógica de um anti-jornalismo que menospreza as singularidades do factor humano, a começar por essa que nos ensina que uma vida humana (desde o domínio profissional à sexualidade) não pode ser reduzida a palavras ou expressões "explosivas".
Na prática, reforça-se um subtexto que, aliás, já tinha sido posto a funcionar, há alguns meses, através de declarações públicas (à revista Lux, em Novembro de 2008) de Manuel Luis Goucha, afirmando-se homossexual. Que subtexto é esse? É qualquer coisa que induz a ideia segundo a qual o homossexual só o é -- e, num sentido completamente sinistro, só tem direito a sê-lo -- quando se assume publicamente.
Escusado será dizer que a história nos ensina que, por vezes, em determinados contextos sociais e em momentos históricos muito precisos, a afirmação pública da homossexualidade por determinadas pessoas pode ter tido um importantíssimo papel simbólico, político e ético. Mas não é disso que se trata aqui. O que, aqui, implicitamente se sugere é que o homossexual é aquele que se deve assumir, isto é, que tem essa dívida social por pagar. Estamos perante um caso emblemático de censura social, tal como Roland Barthes a escalpelizou: não a censura que impede de falar, mas a censura que obriga a dizer.
Dir-me-ão: nada disto aconteceria se não houvesse protagonistas que se sujeitassem ao trabalho ideológico deste tipo de anti-jornalismo. Sem dúvida. Mas não quero, com estas considerações, transferir a responsabilidade da situação para o próprio José Carlos Malato. Choca-me que, nem que seja por indiferença, ele legitime esta obscena representação de si próprio. Em todo o caso, a questão crucial está noutro lugar. Ou seja: está no próprio espaço jornalístico. Está no facto de haver (e, sobretudo, de não haver) da parte da classe jornalística uma clara demarcação em relação a esta forma de abordar, não apenas a sexualidade, seja ela qual for, mas todas as dimensões da vida humana.
Estamos muito longe de uma sociedade em que, para além do direito à diferença (coisa que, hoje em dia, passou a integrar também os discursos mais demagógicos), se encarem as diferenças, não através de dicotomias simplistas, mas com alguma indiferença. Como? Exactamente como Michael Jackson cantou a dicotomia "preto E branco", preferindo cantar "preto OU branco" (Black OR White). A diferença não tem que ser legitimada, mas sim vivida.