sexta-feira, novembro 30, 2018

Godard — a imagem e a palavra

Grande acontecimento godardiano!
O cinema Ideal, em Lisboa, vai estrear o filme que Jean-Luc Godard levou a Cannes, O Livro de Imagem, enquadrando-o com outros títulos fundamentais do cineasta, dois deles em reposição em cópias digitais restauradas: O Acossado (1959) e Pedro, o Louco (1965).
O ciclo arranca a 3 de Dezembro, data do aniversário de Godard, facto que justifica o título da iniciativa: '88 anos – 8 dias – 6 filmes'. Em simultâneo, em DVD, são também editadas as duas reposições, a par da reedição dessa obra monumental que é História(s) do Cinema (1988-1998). Em resumo: uma espectacular oportunidade para descobrir ou revisitar o labor artesanal, paciente e obsessivo de um criador sempre em ziguezague entre a vibração da imagem e a crueza da palavra — no limite, trata-se sempre de partilhar com o espectador esse misto de celebração e angústia que leva a perguntar a que história(s) pertencemos.

>>> Trailer de Pedro, o Louco + trailer de O Livro de Imagem + extracto de História(s) do Cinema (4ª parte, 'O controle do Universo': "Pensar com as mãos").






>>> Do arquivo do INA: reportagem sobre a rodagem de Pedro, o Louco.


>>> A primeira fase da filmografia de Jean-Luc Godard comentada num video da plataforma mubi.com/thediscardedimage.

Bergman, sempre Bergman

Algumas histórias apressadas (?) do cinema definem a relação dos cineastas com a televisão como um fenómeno ligado à proliferação "moderna" de... séries. Pois bem, entre os possíveis contra-exemplos, vale a pena lembrar o fabuloso Ritual, de Ingmar Bergman, um dos seus grandes filmes sobre o teatro e a morte que é, aliás, um telefilme — e tem data de 1969!
O título de abertura de um novo ciclo de reposições de Bergman será, precisamente, Ritual [video]. Permitindo rever e reavaliar os prodigiosos contrastes da obra do mestre sueco, em especial durante as décadas de 60/70, o ciclo começa em Lisboa, a 6 de Dezembro, seguindo-se extensões no Porto, Braga, Coimbra e Setúbal [Medeia Filmes]; no final, a 27 de Dezembro, será estreado o documentário Bergman – A Year in a Life, de Jane Magnusson.

quinta-feira, novembro 29, 2018

Dramas da (des)informação

Um dos sintomas dos dramas do actual jornalismo é o facto de muitas das suas intervenções terem passado a integrar (ou, pelo menos, a sugerir a necessidade de) alguma reflexão sobre as próprias condições de obtenção, tratamento e difusão da informação. É sobre essa conjuntura que reflecte este pedagógico video do New York Times — trata-se de saber como a informação se transforma em desinformação e, através disso, qual o lugar do cidadão/leitor/consumidor.

quarta-feira, novembro 28, 2018

"Sara" e o seu efeito televisivo
— como continuar a contar histórias?

Beatriz Batarda
A série televisiva Sara (RTP2) deixa uma colecção de ideias sobre as quais vale a pena continuar a reflectir. Que é como quem diz: há mais mundos para além da telenovela — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 Novembro), com o título 'A televisão que as pessoas querem'.

Com a passagem do oitavo episódio da série televisiva Sara (RTP2), concluiu-se a apresentação daquele que, a meu ver, é um dos objectos nucleares da nossa vida cultural nos últimos anos (entretanto, disponibilizado na Net, em rtp.pt/play). Em nome de uma muito básica objectividade, devo acrescentar que este meu juízo de valor é drasticamente minoritário no espaço mediático português — não é preciso grande esforço de investigação para reconhecer que a série exemplarmente realizada por Marco Martins não mereceu nem uma milionésima parte da atenção dedicada às mais recentes atribulações do país do futebol.
É assim o mundo em que vivemos — e, devo também reconhecê-lo, o mundo em que a maior parte dos cidadãos quer (ou é compelido a) viver. O desencanto de tudo isto pode levar-nos a experimentar sentimentos bizarros, entre a perplexidade e o sarcasmo. Leva-me a mim, pelo menos, em nome dos direitos do leitor/espectador (sobretudo aquele que não viu e ainda quererá ver o oitavo episódio de Sara), a avisar que as linhas seguintes revelam informações cruciais sobre o desenlace da série.
A personagem de Sara Moreno, uma actriz, mantém uma relação difícil com a solidão do pai, Henrique Moreno. E se é verdade que a Sara de Beatriz Batarda nasce de um admirável cruzamento entre a ligeireza e o trágico, não é menos verdade que importa celebrar a perturbante intensidade de António Durães na figura do pai — o seu silêncio, apenas quebrado pelos textos que vai dando à filha (retirados do romance A Máquina de Fazer Espanhóis, de Valter Hugo Mãe), expõe a secreta vibração de um luto radical pela mãe de Sara.
Entre as várias linhas narrativas que se vão resolver no oitavo episódio, há essa, simples e transparente, que provém do final do episódio anterior: Henrique pede a Sara que o ajude a morrer. Pois bem, no final do oitavo episódio, Henrique morre com a ajuda da filha.


Vivemos tão marcados pelas mais diversas formas de estupidez “social” (em rede, claro) que devo confessar o meu primordial pecado: face à comoção dos momentos finais de Sara, não consegui evitar pensar que, entre muita gritaria e milhares de links partilhados, a morte de Henrique através de Sara seria tratada no espaço público como mais um episódio do debate (?) em torno do enquadramento legal da eutanásia...
Fraqueza minha, sem dúvida. Claro que o gesto de Sara, seja qual for o efeito emocional que provoque em cada espectador, nada tem a ver com as delicadas questões suscitadas pela chamada “morte assistida”. Além do mais, num país há quatro décadas dependente da cultura da telenovela, generalizou-se um violento menosprezo pelas singularidades da ficção. Ou seja: a mediocridade telenovelesca impôs mesmo a ideia (?) segundo a qual a fruição de uma narrativa audiovisual se reduz a um inventário de “prós” e “contras” das respectivas personagens. Para essa cultura da ignorância, convém mesmo evitarmos qualquer tipo de convivência com Macbeth e a sua Lady...


Acontece que a série Sara nem sequer é exactamente sobre a escolha moral da sua personagem central. Ou melhor, tal escolha surge enredada num fascinante labirinto narrativo em que o espectador é solicitado a entender as personagens na dupla condição de seres vivos imaginados e actores muito concretos. E porque Sara se transforma em estrela relutante do mundo das telenovelas, ao espectador realmente interessado compete percorrer e pensar a ambivalência visceral de qualquer acto de representação (teatral, cinematográfico, televisivo).
A esse propósito, vale a pena citar algumas palavras de Sara na cena, também do episódio nº 8, em que é convidada de um programa televisivo cuja apresentadora, Lúcia (interpretada, com cruel objectividade, por Filomena Cautela), a trata como bonequinha pueril e, literalmente, telecomandada. Ao lado de outra vedeta, João Nunes (numa magnífica composição de Nuno Lopes, também ele pleno de verdade e ironia), Sara não aguenta mais tanto fingimento e decide correr o risco de nomear as monstruosidades da ideologia telenovelesca.
Citando: “Esta novela não é muito diferente das outras — é uma merda. E não há necessidade de ser uma merda. Quando um actor se engana no texto, ou tropeça numa peça do décor, ou dá uma calinada no português, não há razão para não se repetir a cena. É importante repetir porque, repare, os actores não são máquinas, os actores não conseguem fazer trinta cenas por dia. As pessoas lá em casa também não são estúpidas, as pessoas gostam de uma boa história — qualquer criança gosta de uma história bem contada. Eu, pessoalmente, não suporto incongruências e inconsequências. Não faz sentido nenhum, num primeiro episódio, uma personagem ser apresentada como uma personagem que é alérgica ao bacalhau e, logo a seguir, está a comer alarvemente bacalhau porque alguém decidiu que uma marca de bacalhau ia patrocinar a novela — não faz sentido nenhum. Por exemplo, nas questões do sotaque, repare: o João Nunes apresenta-se como uma personagem que tem um sotaque transmontano e, logo a seguir, esquece-se e passa para um sotaque açoriano... e está tudo bem porque é uma quinta no Alentejo!”
Marco Martins
Continuando a citar: “Eu não estou sequer a falar-lhe, Lúcia, das questões artísticas, ou das escolhas estéticas, ou da qualidade do produto em termos artísticos — eu estou a falar-lhe de uma história bem contada. Porque não há razão para as histórias serem assim, mixurucas, sob pretexto que é isso que as pessoas querem lá em casa... Mas o que é que as pessoas querem lá em casa? Como é que eu posso presumir saber o que é que vocês, aí em casa, o que é que vocês querem, do que é que vocês gostam? Se calhar a Lúcia quer ver outras coisas, as pessoas lá em casa se calhar querem ver outras coisas. As pessoas são todas diferentes, as pessoas não vêm num catálogo.”
Fim de citação. Por mim, há várias décadas que considero que a telenovela instalou no audiovisual português uma dinâmica perversa, empobrecendo e formatando todas as suas instâncias, da produção aos modelos narrativos, passando pelas oportunidades criativas dos actores.
Ora, a importância de Sara não decorre de qualquer cumplicidade com a minha própria visão do problema — os seus criadores são seres pensantes, não necessitam da caução de ninguém. As palavras de Sara não se enraízam num ensaio crítico, seja ele qual for. São palavras de mágoa profissional e, acima de tudo, de reivindicação humana. E tanto mais quanto todos sabemos que, para além do seu imenso poder financeiro, o triunfo ideológico da telenovela tem como fundamental apoio essa chantagem intelectual que consiste em proclamar que “alguém” sabe o que as pessoas querem lá em casa...
Mais do que nunca, a defesa da diversidade televisiva tornou-se a maior urgência cultural do país. E é um sintoma dos nossos problemas o facto de tal defesa surgir, deste modo, enunciada por uma personagem de ficção. Os mais cínicos dirão que Sara Moreno não existe, precisamente porque não passa de uma personagem de ficção. Convém lembrar-lhes que a ficção não é o contrário do real, antes esse momento, eventualmente perturbante, em que descobrimos que contar histórias é algo que envolve as nossas formas de viver o real. Mais simplesmente: de viver.

The Twilight Sad — 3 canções na rádio

Já sabíamos que a banda escocesa The Twilight Sad vai lançar um novo álbum, It Won/t Be Like This All the Time, em Janeiro de 2019.
Agora, podemos ouvir duas das respectivas canções, VTr e Shooting Dennis Hopper, numa performance registada nos estúdios da rádio holandesa 3voor12; o mini-concerto termina com Mapped By What Surrounded Them, tema de Fourteen Autumns & Fifteen Winters, o magnífico álbum de estreia do grupo, lançado em 2007 — em resumo, alguns momentos emblemáticos de um projecto cuja frescura criativa se liga sempre com a preservação de uma certa energia tradicional.

terça-feira, novembro 27, 2018

Bernardo Bertolucci (1941 - 2018)

Nome grande da "nova vaga" italiana, retratista das contradições sociais e geracionais, Bernardo Bertolucci faleceu no dia 26 de Novembro, em Roma, vítima de cancro — contava 77 anos.
Com O Último Tango em Paris (1972), tornou-se internacionalmente conhecido, admirado ou vilipendiado, mas tal filme é insuficiente para dar conta do seu universo criativo — até porque o seu desencanto erótico e existencial foi muitas vezes, desde o princípio, confundido com uma experimentação mais ou menos provocatória. Ironicamente, a sua consagração em Hollywood — com os nove Oscars de O Último Imperador (1986) — está, também ela, na origem de alguns equívocos: na verdade, Bertolucci nunca foi um cineasta ligado às lógicas do cinema americano, mesmo quando assumiu algumas das suas matrizes de espectáculo, tal como aconteceu em 1900 (1976), um fresco sobre a Itália na primeira metade do século XX em cujo elenco encontramos nomes americanos como Robert De Niro, Sterling Hayden e Burt Lancaster.
Bertolucci pertence, afinal, à geração que herdou, em linha directa, as experiências do neo-realismo, ao mesmo tempo que as "esquecia" para experimentar novas formas narrativas face a novos universos temáticos gerados pelas mudanças do pós-guerra. Nesta perspectiva, importa recordar que Bertolucci foi assistente de Pier Paolo Pasolini (1922-1975) em Accattone (1961), tendo também colaborado com Sergio Leone (1929-1989) na escrita do argumento de Aconteceu no Oeste (1968).
Antes da Revolução (1964) e Partner (1968) são trabalhos que pertencem a esse fenómeno transversal — em particular, europeu — que levou cineastas das mais diversas origens a encenar os impasses de uma juventude bloqueada entre o conformismo social e as muitas pulsões libertárias da época. Dir-se-ia que tal atitude evoluiu, politicamente, através de O Conformista e A Estratégia da Aranha (ambos de 1970), para desembocar, já depois de O Último Tango em Paris e 1900, na dimensão visceralmente intimista de La Luna (1979) e A Tragédia de um Homem Ridículo (1981).
O impacto comercial de O Último Imperador reforçou a possibilidade do seu autor aceder a projectos de dimensão claramente internacional, envolvendo elencos com nomes muito conhecidos — entre a delicada magia de Um Chá no Deserto (1990), adaptando Paul Bowles, e a retórica de superprodução em O Pequeno Buda (1993), porventura o objecto menos consistente de toda a filmografia de Bertolucci.
Em contraponto, as suas duas derradeiras longas-metragens — Os Sonhadores (2003) e Eu e Tu (2012) — são concretizações modelares de uma visão do mundo em que a solidão das personagens mais jovens sempre surgiu como uma tema perturbante e obsessivo: no primeiro caso, elaborando uma crónica romanesca, em tom de "reportagem", sobre Maio 68; no segundo, encenando uma rapaz e uma rapariga, irmãos, que vivem como os derradeiros sobreviventos do naufrágio social do humanismo.
Entre os prémios honorários que recebeu, incluem-se um Leão de Ouro e uma Palma de Ouro, respectivamente em Veneza (2007) e Cannes (2017).

>>> Trailer de Antes da Revolução + Trailer de Eu e Tu (com Space Oddity, por David Bowie, em versão italiana) + Perfil de Bernardo Bertolucci na PBS.






>>> Bernardo Bertolucci em Senses of Cinema.
>>> Entrevista de 2014 na Film Comment.

segunda-feira, novembro 26, 2018

O tempo do pensamento [citação]

>>> Creio que a circunstância nunca fez mal à literatura. O que lhe faz mal, é a rapidez, a precipitação. Podemos apropriar-nos de uma circunstância, a ela ligar o nosso destino e o destino de uma palavra, desde que tomemos o nosso tempo, quer dizer, desde que nos instalemos no tempo da escrita e do pensamento.
Ligarmo-nos, através das redes sociais, a uma circunstância em cento e quarenta caracteres, isso nunca será literatura — nem mesmo um haïku. Mas é perfeitamente possível imaginar um filósofo, um intelectual, vivendo a sua circunstância, controlando o seu tempo, entrando no tempo longo, tenaz e resistente do pensamento, e estar na Internet.

BERNARD-HENRI LÉVY
Nº 65, Maio 2018 ['La nuit des intelectuels']

domingo, novembro 25, 2018

Ricky Jay (1946 - 2018)

Ricky Jay fotografado por Richard Avedon
Nova Iorque, 4 Março 1993
The New Yorker
Ilusionista americano especializado em truques com cartas, foi também um dotado actor de cinema: Ricky Jay faleceu em Los Angeles, no dia 24 de Novembro — contava 72 anos.
Sobretudo para o público dos EUA, Ricky Jay (nome verdadeiro: Richard Jay Potash) é uma figura lendária dos truques de cartas, conhecido através dos seus espectáculos de palco, performances em televisão e também dos livros que publicou sobre as artes da magia e a sua evolução histórica. Em cinema, surgiu várias vezes sob a direcção de David Mamet, nomeadamente em Jogo Fatal (1987), As Coisas Mudam (1988) e O Prisioneiro Espanhol (1997). Trabalhou também com Paul Thomas Anderson, em Boogie Nights/Jogos de Prazer (1997) e Magnolia (1999), neste último assumindo a figura do narrador. Outros títulos marcantes da sua filmografia são 007 - O Amanhã Nunca Morre (1997), de Roger Spottiswoode, e O Terceiro Passo (2006), de Christopher Nolan; foi também presença regular na série televisiva Deadwood (2004). O seu derradeiro livro, Matthias Buchinger: “The Greatest German Living”, sobre um mágico alemão dos séculos XVII-XVIII, surgiu em 2016.

>>> Truque de cartas + cena de Jogo Fatal + a voz do narrador em Magnolia.






>>> Obituário na Rolling Stone.
>>> Top 10 de Ricky Jay em The Criterion Collection.
>>> Site oficial de Ricky Jay.

"O Rei Leão", 25 anos depois

Entre vários projectos de reconversão de animação em "imagem real", os estúdios Disney estão a produzir uma nova versão de O Rei Leão — o original data de 1994. Mais do que nunca, quando falamos de "imagem real", as aspas justificam-se, uma vez que se trata de encenar a epopeia do pequeno Simba a partir de animais que têm tanto de material como de digital.
O novo filme, dirigido por Jon Favreau e agendado para o Verão de 2019 (18 de Julho em Portugal), apresenta um elenco de estrelas, com James Earl Jones outra vez a emprestar a sua voz à personagem de Mufasa. É, no entanto, uma excepção. Entre os novos intérpretes estão Donald Glover e Beyoncé, nas personagens de Simba e Nala, respectivamente — na produção de 1994, eram Matthew Broderick e Moira Kelly.
De acordo com o Variety, o primeiro trailer de O Rei Leão gerou 224,6 milhões de visualizações nas primeiras 24 horas de exposição na Net (valor até agora apenas ultrapassado por Vingadores: Guerra do Infinito, lançado no passado mês de Abril, com 238 milhões) — a agilidade formal das suas figuras é, no mínimo, surpreendente.


>>> Site não oficial sobre O Rei Leão.

Nicolas Roeg (1928 - 2018)

David Bowie e Nicolas Roeg
— rodagem de O Homem que Veio do Espaço (1976)
Dois filmes da década de 70 — Aquele Inverno em Veneza e O Homem que Veio do Espaço — inscreveram-no na história e na mitologia do cinema britânico: Nicolas Roeg faleceu no dia 23 de Novembro em Londres, sua cidade natal — contava 90 anos.
A entrada de Roeg no universo cinematográfico deu-se através da fotografia — um dos seus primeiros créditos profissionais é na condição de cinematographer da segunda equipa de Lawrence da Arábia (David Lean, 1962); especialmente hábil na gestão de grandes contrastes cromáticos, foi responsável pelas imagens de filmes como Fahrenheit 451 (François Truffaut, 1966), Longe da Multidão (John Schlesinger, 1967) e Petulia (Richard Lester, 1968). Com o drama policial Performance (1970), protagonizado por James Fox e Mick Jagger, fez a transição para a realização — o filme é co-assinado por Donald Cammell e Roeg; a cena em que Jagger canta Memo from Turner (Jagger/Richards, com Ry Cooder na guitarra) é muitas vezes citada como premonitória da estética dos telediscos na idade da MTV. Walkabout (1971), uma aventura australiana sobre a multiplicidade das raízes culturais, marcaria a sua estreia a solo na realização, ainda assumindo a direcção fotográfica.
Os seus filmes mais famosos, e também mais influentes, surgiriam em 1973 e 1976 — respectivamente, Don't Look Now/Aquele Inverno em Veneza (1973), um "thriller" familiar com Julie Christie e Donald Sutherland, e The Man Who Fell to Earth/O Homem Que Veio do Espaço (1976), fábula de ficção científica que ficaria também como capítulo fundamental da trajectória "alienígena" de David Bowie, interpretando um ser que, como diz o título original, "caíu na Terra".
Roeg impôs-se, assim, como símbolo de um gosto experimental vindo da New Wave britânica, reflectido não apenas no carácter heterodoxo de algumas temáticas, mas também no desafio a códigos narrativos clássicos, em particular através de uma montagem anti-realista, de intensos contrastes visuais e simbólicos. Prolongamentos de tal atitude estão em quase todas as suas realizações, incluindo Fora de Tempo (1980), com Art Garfunkel, Eureka (1983), com Gene Hackman, e Uma Noite Inesquecível (1985), com Tony Curtis — em todos estes filmes, Theresa Russell, então sua mulher, é a principal figura feminina. Em 1994, Roeg foi condecorado com a 'Fellowship' do British Film Institute.

>>> A canção Memo from Turner, em Performance + trailer de O Homem que Veio do Espaço.




>>> Obituário no jornal The Guardian.

Art Brut: "Wham! Bang! Pow! Let's Rock Out!"

Afinal de contas, o álbum de estreia dos Art Brut, lançado em 2005, chamava-se Bang Bang Rock & Roll. Agora, o registo nº 5 da banda organizada em torno do vocalista Eddie Argos refaz a mensagem, acrescentando-lhe alguns eloquentes pontos de exclamação: Wham! Bang! Pow! Let's Rock Out!
Estamos, enfim, em plena alegria — e alegoria — do reino animal: a canção-título serve de exemplo, celebrando o esplendor das coisas simples, de quatro patas, barbatanas e etc. Com um sentido exacto do tempo e da duração. Em boa verdade, para que o rock triunfe, menos de três minutos é suficiente.

sábado, novembro 24, 2018

João Botelho e o progresso das formas [1/2]

[FOTO: Miguel A. Lopes]
De Conversa Acabada (1981) ao mais recente Peregrinação (2017), os filmes de João Botelho surgem em retrospectiva no Lisbon and Sintra Film Festival (LEFFEST): aos 69 anos de idade, o cineasta confessa que sente a falta do gosto colectivo de descobrir o cinema — esta entrevista foi publicada no Diário de Notícias (20 Novembro).

Para João Botelho, os mestres que o ensinaram a respeitar o cinema merecem tratamento especial. Assim, não se refere a Manoel de Oliveira, Jean-Marie Straub ou Jean-Luc Godard, mas ao “Sr. Oliveira”, o “Sr. Straub” e o “Sr. Godard”. Ao mesmo tempo, quando o LEFFEST apresenta uma retrospectiva da sua obra, ele é o primeiro a ter consciência de que, muitas vezes, é identificado não como criador de filmes, mas homem da noite e adepto do Benfica — para ele, trata-se, afinal, de preservar o silêncio em que o pensamento ainda é possível.

Que sentimentos experimentas perante a retrospectiva dos teus filmes no LEFFEST?
É uma coisa muito estranha. Foi tudo muito rápido, não tinha dado conta de ter feito tantos filmes. Há pouco tempo, em Madrid, revi Conversa Acabada que, afinal, foi rodado há 38 anos... Não me pareceu mal. Mas é esquisito porque, quando revejo um filme que fiz, aquilo já não me pertence — pertence às pessoas que o vêem, mesmo se, de alguma maneira, eu estou lá metido. As retrospectivas têm sempre algo de doloroso, parece que é o fim de uma coisa... Ora, eu quero continuar.

Será que há nos filmes uma espécie de auto-biografia?
Encontro, sobretudo, uma certa coerência — aquilo que fiz corresponde mais a uma ideia de cinema do que a uma preocupação de contar esta ou aquela história. Há um modo de filmar, talvez se possa mesmo identificar um estilo, que está presente desde o início.

Um modo primitivo de filmar?
É algo que aprendi com o Sr. Oliveira: nunca esquecer a tradição. Não se trata de copiar os filmes dos outros, mas sim preservar uma memória, não esquecer que o cinema tem uma história. Agora, acontece-me mesmo encontrar em alguns filmes mudos sinais mais contemporâneos do que nos filmes actuais. O Sr. Straub também me ensinou a não dizer “moderno”, aplicando antes essa mesma palavra: “tradição”.

Serão, talvez, os pais do cinema, a começar por Griffith...
Sim, também Griffith, mas não só. A questão é que o modo de filmar é mais importante que as histórias que se contam. Um dos defeitos que, por vezes, encontro nos meus filmes vem daí: é muito visível o modo de filmar, as pessoas podem sentir-se um bocadinho perdidas. Pode haver todo um pensamento de enquadramento, luz, sombras... que impede a fluidez: é uma atitude com virtudes e defeitos que não abdica de dizer que o cinema tem uma tradição, podia ter sido uma arte, mas foi o negócio que prevaleceu.

Jean-Luc Godard
Que negócio é esse?
Hoje em dia, as salas de cinema são ocupadas a 90% por miúdos que vão ver desenhos animados com os pais e jovens adolescentes que vão ver super-heróis — não é uma questão portuguesa, acontece assim no mundo inteiro. Há uma vitória do entretenimento sobre o pensamento do modo de filmar. Quando um filme tem 3 mil planos e outros tantos efeitos sonoros, alguém dá atenção a alguma coisa? Não, ninguém dá atenção, ninguém vê. O que triunfa é uma certa euforia que, reconheço, também gera coisas engraçadas e divertidas... mas a ideia do pensamento foi arredada de muito cinema que se faz hoje. Daí que encontremos em algumas séries de televisão americanas melhores actores, melhores autores, no fundo, melhor cinema.

Seja como for, se pensarmos em Griffith, Renoir ou Bergman, o certo é que podemos encontrá-los na Net e, como se diz agora, vê-los em streaming. Que resta, então? Já não é a mesma coisa?
A obra está lá... mas falta a celebração colectiva, passou a ser um trabalho individual: “eu” posso ver aquilo sozinho! Despareceu essa ideia de que se podia ir a uma sala escura, todos se calavam e era possível experimentar uma emoção colectiva. Triunfou o individualismo e, como é óbvio, não é uma questão exclusiva do cinema: o “eu” sobrepôs-se ao colectivo. Por vezes, isso torna-se inquietante porque envolve a perda da aprendizem colectiva e a possibilidade de o “eu” se dissolver numa certa comunhão. Como o Sr. Godard já nos avisou, “eles” não procuram a evolução das formas, apenas querem o impacto mediático e o sucesso imediato — deixou de haver uma luta pelas ideias e pelo progresso das formas.

sexta-feira, novembro 23, 2018

Quando Walt Disney dava voz a Mickey

A definição da personagem de Mickey está intimamente ligada a Walt Disney — intimamente porque corporalmente: o rato mais célebre do mundo nasceu com a voz do próprio Disney (e assim se manteve até à morte do seu criador, em 1966) — este texto foi publicado num dossier dedicado aos 90 anos de Mickey, no Diário de Notícias (18 Novembro), com o título 'A voz do dono'.

Walt Disney conhecia bem o valor — artístico, simbólico e financeiro — do seu Mickey. Numa célebre frase, regularmente citada, proclamou mesmo um princípio de identidade: “Só espero que não percamos de vista uma coisa: é que tudo começou com um rato.”
Disney envolveu-se mesmo com a personagem através de uma importante “duplicação”: foi ele que deu voz a Mickey, desde 1928 até à sua morte, em 1966, contava 65 anos. Podemos, aliás, conhecer alguns momentos das sessões de gravação de Disney através da colecção de DVD “Walt Disney Treasures”, lançada em 2001, no âmbito das comemorações do centenário do seu nascimento. Aí encontramos uma série de fragmentos de estúdio, com Disney na companhia de Billy Bletcher (1894-1979), lendário actor revelado ainda no período mudo que deu voz a muitas figuras dos desenhos animados, incluindo o malvado “Pete”, inimigo de Mickey.
Em Bletcher, de imediato reconhecemos um genuíno intérprete enraizado da tradição burlesca: as nuances da sua voz surgem sempre ligadas a bizarras variações da expressão facial, muitas vezes acompanhadas de gestos exuberantes e sugestivos. A seu lado, o dono dos estúdios parece provir de outro mundo. Na sobriedade do fato e gravata, a figura de Disney confunde-se por inteiro com a sua pose enquanto apresentador e divulgador dos seus filmes — no bolso esquerdo do casaco, vemos mesmo aquilo que deverá ser uma folha dobrada, porventura contendo apontamentos sobre alguma produção em curso...
Mas é a voz que mais surpreende. Em primeiro lugar, porque conhecemos a voz “oficial” de Disney através de muitos outros documentos, em particular entrevistas para televisão: há nela um misto de seriedade e distanciamento que nos leva a escutar com especial atenção e disponibilidade. Depois, porque agora detectamos um tom de falsete, de calculada elaboração, em que se cruzam duas componentes igualmente expressivas: uma carinhosa conotação infantil e uma assumida teatralidade.


São sinais que contrariam a descrição corrente do espaço da infância, não apenas no universo Disney, mas genericamente no espaço social (ontem como hoje). Dito de outro modo: escutamos Mickey, aliás Disney, e verificamos que a pontuação infantil não se confunde com qualquer forma de espontaneidade, existindo antes como uma encenação de complexo artifício.
Seja como for, por mais teatralizada que seja a sua emissão, a voz conserva sempre um resto de alguma verdade individual, pessoal e intransmissível como os passaportes. Porquê? Porque não é possível apagar a sua origem. A saber: um corpo — uma voz é sempre a voz de um corpo.
A idade digital em que vivemos baralhou esta nossa certeza, já que, como bem sabemos, passou a ser possível fabricar vozes por meios informáticos. Mas a criatividade de Disney enraíza-se ainda num tempo histórico em que o cinema preserva a memória muito próxima da (sua) passagem do mudo para o sonoro: criar uma voz para Mickey era, por paradoxal ironia, uma maneira de superar a “insuficiência” expressiva da imagem.
No dizer de Roland Barthes (1915-1980), a voz distingue-se por um “grão” — para uma antologia de entrevistas, dadas sobretudo a propósito dos seus livros, Barthes escolheu mesmo o título O Grão da Voz (primeira edição portuguesa: Edições 70, 1982). A escolha de uma palavra proveniente do mundo da fotografia — o “grão” fotográfico como algo que define o jogo de precisão e artifício da própria imagem — é duplamente sugestiva: sinaliza a indestrutível relação dos sons da fala com a irredutibilidade de algum corpo, ao mesmo tempo que nos permite perceber que a percepção da imagem desse corpo é, em parte significativa, uma relação pontuada, porventura estruturada, pela escuta desses mesmos sons.
Tudo se passa como se, para Walt Disney, Mickey tivesse existido como derradeira mensagem da infância, da impossibilidade do seu regresso. Quando o observamos ao lado de Bletcher, não sentimos que o adulto queira fingir-se criança. Na contenção dos seus gestos, sublinhada pela assumida “falsidade” da voz, Disney protagoniza uma mensagem comovente, afinal estranha ao discurso oficial do seu império: a infância não é um paraíso imobilizado no tempo; quando procuramos a pureza da sua abstracção, atribuindo-lhe uma voz, isso quer dizer que já a perdemos.

quarta-feira, novembro 21, 2018

"Suspiria", por Thom Yorke

A banda sonora do filme Suspiria, de Luca Guadagnino, é um pequeno grande acontecimento no interior de um filme de inusitada inteligência revivalista (refazendo o clássico homónimo de 1977, realizado por Dario Argento). Trata-se de uma sofisticada e austera criação de Thom Yorke, por assim dizer, confirmando que os membros dos Radiohead se dão bem com as paisagens cinematográficas — recorde-se a longa aliança de Jonny Greenwood com Paul Thomas Anderson [Stereogum].
Recentemente, Yorke esteve nos estúdios da BBC 6 para interpretar alguns temas da sua banda sonora — aqui ficam Suspirium e Unmade.



O Natal de Gwen Stefani

Há cerca de um ano, Gwen Stefani lançou o seu quarto álbum de estúdio, uma celebração romântica e natalícia, devidamente identificada como You Make It Feel Like Christmas. Agora, surge a edição Deluxe, com alguns novos temas, a par da divulgação de um teledisco para a canção-título. Sob a direcção de Sophie Muller, Stefani relança o look Marilyn, lado a lado com o seu companheiro, o cantor country Blake Shelton — uma performance canónica, ma non troppo...

terça-feira, novembro 20, 2018

Um "thriller" no feminino

Viola Davis e Liam Neeson
Steve McQueen continua a ser um dos mais inventivos cineastas da actualidade: com o filme Viúvas, ele transforma uma estrutura de “thriller” numa tragédia sobre os enigmas dos laços humanos — este texto foi publicado no Diário de Notícias (14 Novembro).

O novo filme do inglês Steve McQueen, Viúvas, celebra o poder no feminino. E em tom vibrante de “thriller”. Esta é a história de um grupo de mulheres que recebem uma sinistra “herança”: são intimadas a pagar uma dívida contraída pelos maridos na sequência de um roubo especialmente atribulado... Com esse detalhe que é tudo menos indiferente: o golpe correu mal e, durante a fuga, os homens morreram numa aparatosa explosão...
Digamos que um resumo como este envolve vários equívocos. Desde logo, porque podemos supor que se trata apenas de prolongar uma história clássica de polícias e ladrões, “substituindo” os homens pelas mulheres — nada disso, este é não um produto da demagogia “feminista” que encontrámos, por exemplo, em Ocean’s 8 (duplicando de modo pueril os mecanismos da série que começou com Ocean’s 11).
Convém acrescentar que também não estamos perante uma banal intriga de “vingança” — aquilo que McQueen filma é, afinal, a força perversa que, para a vida ou para a morte, determina a acção das viúvas a que o título se refere. Que força? Pois bem, o dinheiro. Ou melhor: a circulação do dinheiro.
Dir-se-ia que McQueen (49 anos, nascido em Londres) não tem feito outra coisa na sua carreira cinematográfica (ele que vem do domínio da chamada vídeo-arte). A saber: encenar personagens confrontadas com “coisas” que circulam, determinando a existência de tudo e todos. Em Fome (2008), era a comida que, em 1981, numa prisão na Irlanda do Norte, o activista do IRA Bobby Sands se recusava a ingerir; em Vergonha (2011), a compulsão sexual da personagem de Michael Fassbender parecia funcionar como metódica destruição do prazer; enfim, em 12 Anos Escravo (2013), o poder sobre os escravos e o seu desejo de liberdade enredavam-se numa tragédia de infinita crueldade.
Inspirado numa série televisiva de 1983-85, escrita por Lynda La Plante, Viúvas impõe-se como um exercício trágico de prospecção dos enigmas dos laços humanos. Nessa medida, através das regras do “thriller”, somos levados a descobrir a complexidade de um universo feminino em permanente ziguezague com o masculino.
No limite, trata-se de saber se as marcas do dinheiro nas relações humanas não anularam todas as formas de cumplicidade e compaixão. Sem esquecer que tais marcas se manifestam nas trocas mais íntimas, mas também nos espaços da religião e da política (em pano de fundo, encontramos uma intriga sobre a gestão política da cidade de Chicago).
Para além da sábia composição dos espaços e gestão dos tempos, instalando um genuíno “suspense” existencial, tudo acontece através do labor de um brilhantíssimo elenco que inclui Viola Davis, Michelle Rodriguez, Elizabeth Debicki e Liam Neeson, este finalmente a representar para além do modelo “Taken” em que se especializou. Isto sem esquecer que McQueen convidou Gillian Flynn (autora de Em Parte Incerta, o romance que David Fincher adaptou em 2014) para trabalhar consigo no argumento: as subtilezas da respectiva construção são de tal modo elaboradas que, para além de desafiarem a moral do próprio espectador, justificam, no mínimo, uma nomeação para os Oscars. Veremos se as coisas circulam nesse sentido...

domingo, novembro 18, 2018

William Goldman (1931 - 2018)

Duas vezes oscarizado, é uma personalidade fundamental na história do argumento em Hollywood: William Goldman faleceu no dia 16 de Novembro, em Nova Iorque, vítima de cancro e pneumonia — contava 87 anos.
Na modernidade de Hollywood, Goldman ficou ligado a dois filmes emblemáticos, justamente aqueles que lhe valeram prémios da Academia de Hollywood: Butch Cassidy and the Sundance Kid/Dois Homens e um Destino (1969), de George Roy Hill, um "western" paródico, e Os Homens do Presidente (1976), de Alan J. Pakula, sobre a investigação jornalística do escândalo Watergate e a queda de Richard Nixon.
A sua obra inclui teatro, romances e ensaios. Alguns dos seus títulos marcantes são adaptações de livros de sua autoria: entre eles estão O Homem da Maratona (1976), de John Schlesinger, e A Princesa Prometida (1987), de Rob Reiner. Entre os seus trabalhos mais importantes incluem-se ainda os argumentos de Uma Ponte Longe Demais (1977), de Richard Attenborough, Misery - O Capítulo Final (1990), de Rob Reiner (mais tarde, Goldman escreveria uma peça teatral igualmente inspirada no romance de Stephen King), ou Maverick (1994), de Richard Donner.
Entre os livros que já se escreveram sobre os bastidores de Hollywood, Goldman é autor de um clássico do género, Adventures in the Screen Trade (1983), escalpelizando os mecanismos de decisão e influência no interior da indústria cinematográfica; em 2000, prolongaria essa abordagem com Which Lie Did I Tell?.

>>> Entrevista conduzida por Michael Winship, em 2010, para o Writers Guild Foundation + entrevista com Charlie Rose, em 2000, a propósito de Which Lie Did I Tell + genérico de abertura de O Homem da Maratona.






>>> Obituário em The Washington Post.

Memórias do "Álbum Branco"

Como breve balanço na nossa sessão na FNAC, motivada pelos 50 anos do "Álbum Branco" dos Beatles, aqui ficam as canções desse lendário registo que foram ouvidas no forum do Chiado. São elas: Revolution, Glass Onion e Back in the USSR (a primeira num registo da época, as outras duas em telediscos agora produzidos).






>>> Site oficial dos Beatles.

sábado, novembro 17, 2018

Martin Scorsese, 76 anos

O iMDB define-se, prioritariamente, como uma montra agressiva, redundante e repetitiva dos "blockbusters"; ao mesmo tempo, o site vai resistindo à sua própria formatação, não esquecendo que há mais mundos para além da última encarnação de Robert Downey Jr. ou dos milhões que o novo Homem-Aranha custou, rendeu ou vai render...
Celebremos, por isso, o modo como o iMDB assinala o 76º aniversário de Martin Scorsese. Por uma vez, a aceleração obrigatória (?) do clip que nos é proposto permite sentir as vibrações internas do universo onde circulam Travis Bickle, Jesus Cristo ou Mick Jagger — viva o cinema!

BEATLES: 50 anos do "Álbum Branco"
— SOUND + VISION Magazine [hoje]

Foi há meio século que os Beatles lançaram o lendário "Álbum Branco": propomos uma revisitação das suas canções, cruzando as memórias musicais com outros eventos marcantes do ano de 1968.

* FNAC / Chiado: hoje, 17 Novembro (18h30)

sexta-feira, novembro 16, 2018

Orson Welles nunca existiu

O lançamento de um filme póstumo de Orson Welles na Netflix envolve um especial dramatismo: afinal, que é feito da cinefilia? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (10 Novembro).

Se somos cinéfilos, a amargura dos tempos não se vence com nostalgias. Observe-se o fenómeno Netflix. Há um ano ou dois, quando este serviço de streaming começou a consolidar a sua base de consumidores, surgiu um vício “social” (com ou sem rede) que, aliás, persiste: ser espectador seria poder desenrolar uma longa lista de séries televisivas descobertas, e avidamente consumidas, na Netflix...
Mas não é verdade que a Netflix, precisamente, passou a ser um dos lugares de eleição para estarmos a par de algumas das mais notáveis proezas narrativas do actual espaço televisivo? Claro que sim, não é isso que está em causa: por razões que vão da produção à difusão, a Netflix tornou-se mesmo um dos fenómenos da linha da frente do audiovisual contemporâneo.
O que importa reconhecer é a fragilidade deste novo modelo de “telefilia” instantânea. Há nele um espírito consumista, gerado pela abundância da oferta, que já não possui qualquer desejo de procura. Dir-se-ia que a relação com os pequenos ecrãs (do computador ao telemóvel) tende a transformar muitos espectadores em acumuladores de produtos, não necessariamente descobridores de narrativas.
O caso de O Outro Lado do Vento é sintomático. Que temos à nossa frente? Nada mais nada menos que um prodigioso filme póstumo de Orson Welles (1915- 1985), rodado nos primeiros anos da década de 70 e, depois de muitas atribulações, finalmente concluído e estreado pela... Netflix!
As comparações de extremado entusiasmo não serão exageradas. Mesmo as mais esquemáticas: estamos, afinal, perante uma revelação equivalente à que seria a descoberta de um quadro de Rembrandt ou uma partitura de Mozart... Daí a pergunta: será que o nosso agitado espaço “social” tem gerado, já não digo algum entusiasmo pelo renascido Welles, mas pelo menos um leque de informações idêntico ao que tem acompanhado tantos produtos da Netflix, dos mais brilhantes aos mais medíocres?
Há outra maneira de dizer isto: nos nossos dias de relações virtuais, muitas formas de consumo audiovisual são desprovidas de memória, dispensando qualquer relação (nem que seja de mera curiosidade) com a história do cinema — como se essa história de mais de um século não existisse. Enfim, não será por acaso que a narrativa dramática de O Outro Lado do Vento, centrada num velho cineasta interpretado pelo maravilhoso John Huston (1906-1987), formula a possibilidade de o cinema morrer.

quinta-feira, novembro 15, 2018

Bach por Angela Hewitt

ANGELA HEWITT
Piano

Johann Sebastian Bach
Variações Goldberg, BWV 988

GULBENKIAN, 13 Novembro 2018

A pianista canadiana Angela Hewitt regressou ao Grande Auditório da Fundação Gulbenkian para interpretar Bach (aí tocara, em 2008, a integral de O Cravo bem Temperado). A sua condição, universalmente reconhecida, de especialista de Bach não tem nada de exagerado. Aliás, vale a pena dizer, nem que seja por pudico paradoxo, que as suas performances não surpreendem tanto pela "especialização", e respectiva confirmação, como pela qualidade da sua invenção, e respectiva descoberta.
Dir-se-ia que a sua condição de intérprete envolve a disponibilidade para ser sempre, ela própria, surpreendida pela partitura que está a seguir. Não foram, entenda-se, umas Variações Goldberg tocadas por qualquer desvio "modernista" ou "experimental"; antes um genuíno exercício de retorno a uma verdade primordial, capaz de recolocar a obra no nosso presente, aberta e luminosa, muito para além de qualquer fixidez museológica — um dos grandes concertos do ano.

>>> Video de apresentação da gravação Hyperion das Variações Golberg (2015).


>>> Página da Wikipedia sobre as Variações Goldberg.

Os pequenos ecrãs e os grandes filmes

Keir Dullea
2001: ODISSEIA NO ESPAÇO (1968)
A difusão das imagens cinematográficas vive tempos atribulados: como encontrar equilíbrios entre as salas escuras e as plataformas de streaming? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (3 Novembro).

Este é o ano em que se comemora meio século de um dos clássicos absolutos do grande ecrã: 2001: Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick. E é também o ano em que a questão da difusão cinematográfica através de pequenos ecrãs — incluindo o computador e o telemóvel — adquiriu contornos de inevitabilidade técnica e financeira, numa palavra, cultural.
Sabemos, há mais de uma década, que a economia global do cinema foi mudando de forma radical, a ponto de o mapa das suas fontes de rendimento envolver uma verdade muito básica: para a esmagadora maioria dos títulos, mais de metade das receitas acontece, não através das salas, mas... depois das salas.
Ora, essa evidência estrutural — que determina todos os vectores industriais e comerciais, da produção à difusão — também se transfigurou. Em vez de ser encarada como motor de uma dialéctica em que tudo coexiste (entenda-se: todos os circuitos de distribuição e exibição), em muitos casos passou a ser vivida como uma guerra de mútuas exclusões. Nos exemplos mais drásticos, salas escuras e plataformas de streaming vivem de costas voltadas, com alguns dos agentes envolvidos a encarar o “outro” apenas como factor de bloqueio. Consequência prática: alguns dos títulos mais importantes do presente não passam nas salas.
Alfred Hitchcock
O problema está longe de ser simples — e escusado será sublinhar que estas linhas não passam de uma muito esquemática inventariação de dados. E está longe de ser um problema meramente moral. Desde logo, porque não é possível pensar do mesmo modo a vida comercial de um “blockbuster” de super-heróis e, por exemplo, o exercício político que é Fahrenheit 11/9, o novo filme de Michael Moore centrado em Donald Trump. Ou, se for caso disso, o lançamento de uma cópia restaurada de um clássico de Alfred Hitchcock ou Ingmar Bergman. Além do mais, é óbvio (ou talvez não seja...) que a reflexão sobre estas questões não pode ser idêntica para os EUA e para um pequeno e vulnerável mercado periférico como o português.
Importaria, talvez, valorizar um factor que, estranhamente, tende a ser instrumentalizado. A saber: o conhecimento — e reconhecimento — do próprio público. Por respeito das singularidades dos espectadores (e do seu poder de compra), importa pensar o público não como uma massa amorfa de consumidores, mas sim um colectivo de muitos contrastes, grupos e nichos.
Se caminharmos para uma nova cultura audiovisual em que os circuitos virtuais sejam tratados como um fim em si mesmo, não demorará muito tempo a desaparecer todo o lastro cinéfilo que envolve memórias e mitologias, numa palavra, história.
Podemos até alimentar uma utopia tecnocrática e formar espectadores que, no limite, sejam levados a acreditar que a grandiosidade física de 2001: Odisseia no Espaço foi fabricada para “encaixar” no seu telemóvel, ou mesmo no tímido rectângulo do seu computador pessoal... Mas quando surgir uma geração que já não conheça — nem reconheça — qualquer ligação dos filmes aos grandes ecrãs das salas escuras, o cinema definhará, desaparecendo como curiosidade académica de museu.

quarta-feira, novembro 14, 2018

Stan Lee (1922 - 2018)

Figura central na história da banda desenhada, o nova-iorquino Stan Lee faleceu no dia 12 de Novembro, em Los Angeles, no Cedars-Sinai Medical Center — contava 95 anos.
De seu nome verdadeiro Stanley Martin Lieber, distinguiu-se como escritor, editor e director da Marvel Comics. Em colaboração com desenhadores como Jack Kirby e Steve Ditko, Lee esteve ligado à criação e desenvolvimento de personagens como Homem Aranha, Hulk, Doctor Strange, Fantastic Four e X-Men. Em anos recentes, contribuiu para o alargamento da estratégia industrial da Marvel, em particular através de uma crescente presença na produção de Hollywood — a sua figura simbólica adquiriu mesmo o valor de assinatura mitológica em muitos títulos com chancela Marvel Studios. Em 2008, o Presidente George W. Bush atribuiu-lhe a National Medal of Arts.

>>> Entrevista ao New York Times, em 2015 + memória de Stan Lee em video da Marvel.




>>> Obituário em The Washington Post.

segunda-feira, novembro 12, 2018

Douglas Rain (1928 - 2018)

Prestigiado actor teatral canadiano, ficou famoso pela sua participação em 2001: Odisseia no Espaço (1968): Douglas Rain faleceu de causas naturais no dia 11 de Novembro, no St. Marys Memorial Hospital, em St. Marys, Ontario — contava 90 anos.
O essencial da sua carreira teve lugar no teatro, em particular representando textos shakespeareanos, tendo sido, aliás, um dos fundadores do Stratford Festival, em Ontario. O certo é que a sua fama ficou para sempre ligada ao filme de Stanley Kubrick, uma vez que Rain deu voz a Hal 9000, o computador hiper-inteligente de 2001 que decide tomar conta da missão a Júpiter, mesmo que isso implique a morte dos respectivos astronautas, interpretados por Keir Dullea e Gary Lockwood.
Kubrick procurava uma voz capaz de gerar uma sensação ambígua de neutralidade e poder, tendo recusado várias hipóteses de actores com sotaque "demasiado" britânico. Na verdade, o realizador americano conhecia a voz de Rain já há alguns anos, uma vez que é dele a locução de Universe, um pequeno filme produzido em 1960 pelo National Film Board of Canada que terá sido uma referência importante na concepção de 2001. Segundo o testemunho de Dullea numa entrevista, Rain considerava-se objecto de um reconhecimento absurdo, tendo dito qualquer coisa como: "Fiz Shakespeare e os clássicos ao longo de 50 anos e toda a gente me quer falar apenas de um filme em que trabalhei dois dias."
Curiosamente, Rain viria a emprestar a sua voz a outro computador maligno, na comédia Sleeper/O Herói do Ano 2000 (1973), de e com Woody Allen. Em 2010 - O Ano do Contacto (1984), uma sequela de 2001, dirigida por Peter Hyams, retomaria o papel de Hal.

>>> Universe (1960) + cena de 2001: Odisseia no Espaço, com Keir Dullea.




>>> Obituário em The Hollywood Reporter.