A diferença sexual será, então, não mais do que um logro? E aquilo que nos distingue não será tanto o género a que pertencemos, mas o modo, trágico ou cómico, com que vivemos esse logro?
No caso de René Gallimard, o herói de M. Butterfly (1993), David Cronenberg aproxima a tragédia do sublime (que, para os outros, se pode confundir com o irrisório). Assim, no cenário labiríntico de Pequim, nos anos 60 do século passado, Gallimard, um diplomata francês, apaixona-se por Song Liling, intérprete de ópera, em particular de Madame Butterfly. A sua relação mantém-se de forma tanto mais irrealista (?) quanto Gallimard parece ignorar que a sua musa Song é, de facto, de acordo com a tradição operática chinesa, um homem (John Lone).
Perguntar-se-á: porque é que Gallimard vive o logro, naturalizando-o? Uma resposta possível — ou melhor, a resposta cronenberguiana — é que... não há logro. No limite, o amor louco de Gallimard por Song não está para além da diferença sexual, é anterior a essa diferença: a mulher (se é que o seu objecto de amor ainda pode ser definido pela palavra "mulher") não é aquele corpo que ele deseja infinitamente, mas algo que só existe através da sua própria pulsão.
Em boa verdade, não há solidão mais bela, nem mais fatal, que a de Gallimard. Por isso, quando é confrontado com a verdade genital de Song, perdendo-o(a), Gallimard só pode continuar a viver, morrendo através da teatralidade em que sempre existiu: o rosto desta Butterfly [fotograma] é o do próprio Gallimard (Irons), na cena final, refazendo-se como duplo do ser errático que amou. A mulher nunca existiu.