domingo, novembro 13, 2011
Música e poder
Mais um episódio numa história que está a valer a pena acompanhar. Vasily Petrenko dirige a Royal Liverpool Philharmonic Orchestra as sinfonias números 6 e 12 de Shostakovich. A edição é da Naxos.
A história da música gravada elege, de tempos a tempos, os resultados que o sugiram, ciclos e integrais que se transformam em verdadeiras obras de refêrencia. É o que se começa a sentir já, tamanha que é a aclamação crítica e inclusivamente expressão mediática (quer em espaço dedicado em páginas de revistas da especialidade quer mesmo na criação de anúncios a promover cada novo título) que tem já a integral sinfónica de Shostakovich (ainda em curso), em novas gravações pela Royal Liverpool Philharmonic Orchestra (RLPO), sob direcção do jovem maestro russo Vaisily Petrenko. O novo título (de uma integral que tem já editadas gravações das sinfonias números 1, 3, 5, 8, 9, 10 e 11) junta as sinfonias nº 6 e 12, ambas tendo nascido de celebrações da figura de Lenine e da revolução de 1917.
Composta e estreada em 1939 a Sinfonia Nº 6 surgiu, na origem, de uma relação com o poema Vladimir Ilich Lenine, de Vladimir Mayakovsky (1883-1930), um jovem poeta cuja obra traduz uma das expressões maiores do futurismo russo. Quando, meses depois de a anunciar, Shostakovich finalmente a apresentou, aludiu ao poema apenas de uma forma abstracta, a música tomando os seus sentidos próprios sem a necessidade estrita de seguir um programa. A estreia, em Outubro de 1939 resultou num evidente sucesso junto da plateia (e das demais que a viram interpretada logo depois por outros lugares), mas recebeu pouco entusiasmo oficial (talvez pela forma menos clara com que o objecto central da obra – a figura de Lenine – tenha acabado longe de ser retrato de coisa definida numa obra com uma dimensão melancólica que parece sobretudo traduzir tempos de incerteza (a estreia ocorre semanas após a invasão da Polónia pelos alemães e pelo consequente eclodir da II Guerra Mundial).
Mais entusiasmada foi a resposta oficial à Sinfonia Nº 12, de 1961. Surgida após dois anos de trabalhos de menor envergadura (entre os quais música para cinema e ciclos de canções), a obra parte de uma evocação concreta de episódios a revolução bolchevique., daí o seu sub-título O Ano de 1917. O compositor, que tinha recentemente aderido ao “partido”, vivia um momento de relacionamento diferente com as estruturas do regime, uma calma depois e antes de nova tempestade. A expressão de uma ideia de programa oficial no quadro de uma obra sinfónica foi talvez uma das razões pelas quais, apesar dos aplausos locais, acabou reconhecida como um trabalho menor. Não faltam aqui marcas de uma identidade “patriota” que o compositor explorava igualmente em bandas sonoras de um cinema que era frequentemente veículo de propaganda, a expressiva interpretação de Petrenko deixando bem sublinhadas estas marcas de “época” que hoje fazem desta obra um exemplo de cruzamento entre ordem política e criação artística.
Podem ler sobre outras edições de discos deste ciclo Shostakovich protagonizado por Vasily Petrenki em textos já publicados no Sound + Vision aqui:
Sinfonias Nº 1 e 3 (Abril de 2011)
Sinfonia Nº 10 (Fevereiro de 2011)
Sinfonia Nº 8 (Dezembro de 2010)