domingo, novembro 13, 2011

Mildred Pierce e os outros

Passou no Fox Life e passa hoje no Lisbon & Estoril Film Festival: a mini-série Mildred Pierce, de Todd Haynes, com Kate Winslet, é um acontecimento televisivo & cinematográfico — este texto foi publicado no Diário de Notícias (11 de Novembro).

Terminou a primeira passagem dos cinco episódios de Mildred Pierce (Fox Life), de Todd Haynes, com Kate Winslet, Guy Pearce e Evan Rachel Wood. Adaptando o romance de James M. Cain (que deu origem ao filme homónimo de 1945, com Joan Crawford, dirigido por Michael Curtiz), a mini-série fica como um daqueles clássicos “instantâneos”, respeitando os modelos televisivos mais correntes, mas mantendo as suas raízes no grande cinema clássico das décadas de 40/50.
Abordando a Grande Depressão dos anos 30, Haynes conseguiu a proeza de fazer um objecto que não desdenha o efeito de “seriado” inerente a muitos formatos televisivos, ao mesmo tempo que se demarca ponto por ponto dos lugares-comuns de “reconstituição” histórica que tantas vezes dominam os produtos deste género. Desde a circulação nas ruas até à mais discreta peça de vestuário (passando pelo incrível e minucioso tratamento dos penteados de homens e mulheres), Mildred Pierce reflecte uma concepção orgânica, tão rigorosa na técnica como brilhante na dramaturgia. É uma boa e pedagógica lição para os autores de telenovelas que confundem a banal acumulação de referências “pitorescas” com a seriedade de um trabalho narrativo empenhado em apreender a complexidade de uma época e das suas relações humanas.
Infelizmente para todos nós, o acontecimento que é Mildred Pierce envolve a frieza cruel de um “não-acontecimento”. De facto, a passagem da mini-série num canal do cabo confirma também que, para além das excepções pontuais (Terra Nova, domingo à tarde na TVI, é uma das mais recentes), existe um crescente alheamento das televisões generalistas por este tipo de produções.
Por isso, a pergunta que fica é esta: como é possível que tenhamos chegado a este estado de afunilamento temático e vazio conceptual das programações em que um produto como Mildred Pierce não surge como uma fundamental arma de combate de um qualquer horário nobre? Ou ainda: como é possível que o apagão no jogo Braga-Benfica seja tratado como uma tragédia nacional, enquanto muitas referências da grande ficção televisiva continuam a ser “substituídas” por telenovelas iguais umas às outras?