quinta-feira, fevereiro 28, 2013

Jimi Hendrix inédito (ou quase)

Jimi Hendrix faleceu a 18 de Setembro de 1970, contava 27 anos (se fosse vivo, teria agora 70 anos). E é, por certo, um dos nomes da história do rock com uma mais vasta discografia póstuma, incluindo mais de duas dezenas de compilações. Vai surgir agora o décimo álbum de estúdio desta fase que parece não ter fim, de tal modo o guitarrista deixou um tão vasto património. Chama-se People, Hell and Angels e tem chancela da editora Legacy; os principais músicos envolvidos nas 12 faixas inéditas são: Billy Cox (baixo), Buddy Miles e Mitch Mitchell (baterias) e Juma Sultan (congas).
Em boa verdade, devemos falar mais de ineditismo das gravações do que dos temas (encontramos uma boa sistematização dessas memórias no site Ultimate Classic Rock). Estamos perante aquilo que seria uma continuação, que não chegou a consumar-se, de Electric Ladyland (1968), terceiro e último álbum do grupo The Jimi Hendrix Experience.
Há temas que, nitidamente, necessitariam de mais trabalho de estúdio, como o breve, mas admirável, Villanova Junction Blues, a par de incríveis deambulações da guitarra e da voz de Hendrix, por exemplo em Easy Blues ou Crash Landing — aqui fica o registo audio de Somewhere; durante alguns dias, o álbum pode ser escutado, na íntegra, nas páginas da NPR. Mais em baixo, um video oficial com a versão de Hendrix de Like a Rolling Stone, de Bob Dylan.




>>> Site oficial de Jimi Hendrix.

Spielberg: presidente em Cannes

Em 2012, assinalando os 30 anos de E.T., a revista Time publicou uma série de fotografias que ajudam a contextualizar a história desse filme há muito inscrito no imaginário cinéfilo. Esta é uma das imagens dessa série, mostrando Steven Spielberg e a argumentista de E.T., Melissa Mathison, no dia 26 de Maio de 1982, em Cannes, quando o filme foi mostrado na sessão de encerramento do festival.
Pois bem, Spielberg está de volta a Cannes, desta vez para desempenhar uma fundamental função simbólica: será ele o presidente do júri oficial da 66ª edição do certame da Côte d'Azur, a decorrer entre 15 e 26 de Maio.
Curiosamente, apenas uma vez Spielberg entrou na competição de Cannes. Foi logo a primeira, em 1974, com The Sugarland Express/Asfalto Quente, filme que obteve o prémio do argumento (para Hal Barwood e Matthew Robbins). Depois, apresentou E.T., A Cor Púrpura (1986) e Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (2008). Na edição de 2012, Tubarão (1975) passou na secção Cannes Classics.

Quase canções, disco admirável

De que falamos quando falamos de canções? Talvez dessa harmonia suspensa em que voz e instrumentos, melodias fluidas e suas interrupções, nos ensinam a imaginar um ordem alternativa para o mundo das sensações e dos sentidos. Faz sentido, por isso, que este álbum de Joana Sá e Luís José Martins se defina através de um gesto aproximativo: Almost a Song (ed.: Shhpuma). São, de facto, cinco quase-canções trabalhadas por ela, em piano e algumas derivações, e por ele, em guitarra clássica e algumas electrónicas. O resultado possui a nitidez de uma geometria capaz de inventar os seus próprios parâmetros, envolvendo o fascínio radical de uma experiência que, sem pretensão nem auto-indulgência, viaja entre a experimentação jazzística e as sonoridades perdidas da infância (ouça-se o revelador Rock em Setembro). Admiravelmente elegante, elegantemente inclassificável — por certo um dos grandes discos da produção portuguesa dos últimos largos anos; e não é quase... é mesmo.

David, Tilda e ecos de si mesmo

O segundo avanço para o alinhamento do álbum The Next Day, de David Bowie foi revelado esta semana na forma de um novo single com edição (por enquanto) apenas digital e um teledisco. Falamos de The Stars Are Out Tonight, canção que podemos aqui ouvir na forma do filme criado por Floria Sigismondi, que antes trabalhou já com nomes como os Sigur Rós, Fiona Apple, White Stripes ou Björk, e no qual Bowie contracena com Tilda Swinton, Andrej Pejic e Saskia de Brauw. Tal como acontecera no teledisco de Thursday's Child (1999) Bowie volta a ensaiar um espaço de confronto, no presente, com ecos e ressonâncias de memórias do seu passado. Ideia que, de resto, acaba por ser também central à composição das canções do álbum que edita no próximo dia 11 de março.

Novas edições:
Atoms For Peace, Amok

Atoms For Peace 
'Amok' 
XL Recordings / Popstock 
3 / 5

A expressão surgiu no título de um discurso histórico do (então) presidente dos EUA Dwight Eisenhower proferido na Assembleia Geral da ONU, em dezembro de 1953. Sessenta anos depois é (depois de ter dado título a uma canção a solo de Thom Yorke), o nome de uma banda que, para todos os efeitos, corresponde ao conceito que habitualmente aplicamos à noção de supergrupo. E basta ver de quem falamos para entendermos do que falamos. Sob a designação Atoms For Peace apresentam-se Thom Yorke (a voz dos Radiohead), o teclista Nigel Godrich (produtor com créditos reconhecidos em discos de nomes como os Radiohead, Beck ou Air), Flea (baixista dos Red Hot Chilli Peppers), o baterista Joey Waronker (que trabalhou junto dos R.E.M. ou Beck) e o percussionista brasileiro Mauro Refosco (que já encontrámos em colaborações com Brian Eno ou Red Hot Chilli Peppers). Começaram por trabalhar juntos como banda de apoio a Thom Yorke por ocasião da criação do seu álbum a solo The Eraser. O entendimento a cinco não se esgotou contudo aí, o grupo reunindo-se para algumas experiências em palco e, mais tarde, outras sessões de trabalho das quais emergiram ideias, formas e gravações que, depois, Yorke e Godrich trabalharam para delas fazer emergir as formas que, agora encontramos nas suas expressões finais como canções. A premissa maior (ou, se quisermos, o denominador comum) que juntou os cinco músicos foi a partilha de um gosto pelo afro beat e, em particular, a obra de Fela Kuti. E Before Your Eyes..., o tema que abre o alinhamento de Amok, deixa bem clara essa carga genética. Porém, à medida que a canção avança, o que eram os elementos rítmicos e as linhas de guitarras e baixo que definiram o clima afro beat dos primeiros instantes cedem terreno a uma progressivamente mais evidente presença das eletrónicas, como que assegurando uma transição entre o patamar das referências e os caminhos que, por si, o disco acaba depois por tomar. O afro beat que os reuniu torna-se assim uma presença subliminar, um tom de desafio nascendo na verdade mais próximo de algumas das experiências dos Radiohead pós-Kid A, a voz de Thom Yorke e as soluções cénicas e de arrumação instrumental que define com Godrich acabando por sublinhar todo esse universo de afinidades. Há porém um sentido de liberdade formal transversal aos nove temas que constituem o alinhamento, servindo Default (corretamente escolhido como um dos singles de antecipação) como a mais evidente aproximação de Amok aos espaços mais “clássicos” da canção. A (saudável) liberdade que atravessa o disco – e que certamente traduz o clima de entusiasmo pela experiência e ensaio de ideias – acaba porém por ofuscar o que podia ser uma mais aprumada arrumação e ordenação de ideias. Mesmo assim, respiram-se aqui mais ideias e bons momentos que os que temos escutado entre os últimos álbuns dos Radiohead.

Mozart, segundo Michael Haneke

Fotos: Javier del Real / Teatro Real
Poucas semanas depois de ali ter sido apresentada, em estreia mundial, a ópera The Perfect American, de Philip Glass, o Teatro Real de Madrid acolheu esta semana a estreia de um Cosi Fan Tutte, de Mozart, com encenação de Michael Haneke. O realizador não esteve presente na noite de estreia, uma vez que coincidiu com a 85ª cerimónia de entrega dos Óscares, para a qual o seu filme Amour partia com cinco nomeações - Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Argumento Original, Melhor Atriz (Emmanuelle Riva) e Melhor Filme Estrangeiro - e da qual saiu premiado como Melhor Filme Estrangeiro. Haneke enviou por isso uma carta aos espectadores do Teatro Real, pedindo desculpa e justificando a ausência.

As três imagens que apresentamos neste post correspondem a momentos da enceneção de Haneke para a ópera de Mozart que estará no Teatro Real de Madrid até dia 17 de março.

Pelas ruas de Brig

Olhares pela cidade de Brig, no cantão de Valais, no Sul da Suíça (e não muito longe da fronteira italiana) e que é um importante ponto de passagem para muitos turistas rumo às estâncias dedicadas aos desportos de inverno nas suas imediações. Cidade cujas origens remontam ao século XII está construída a perto de 700 metros de altitude, mas vive circundada de altas montanhas (que de resto dominam todos os olhares sobre todas as suas ruas. A primeira das três imagens mostra-nos um dos torreões do Stockalperpalast, um castelo (em tempos um mosteiro) que representa uma das construções mais imponentes da cidade.

Jake Bugg, 19 anos

28 de Fevereiro de 2013: inglês, nascido em Nottingham, Jake Bugg faz hoje 19 anos! Num certo sentido, não há muito para contar... Mas as suas canções parecem vir de um imenso e ancestral país a que pertencem Bob Dylan, Johnny Cash e os Beatles. Para evitar confusões, o seu álbum de estreia chama-se mesmo Jake Bugg e é uma antologia dos poderes de encantamento de um genuíno narrador. Ou como a tradição pode ser um país eminentemente juvenil — canção e teledisco a condizer: Seen It All.


>>> Site oficial de Jake Bugg.

quarta-feira, fevereiro 27, 2013

Gangsters contra super-heróis

Com um elenco que inclui Sean Penn, Josh Brolin, Emma Stone e Ryan Gosling, Gangster Squad (entre nós chamado Força Anti-Crime) é um exemplo menor, mas curioso, de revisitação do património do filme noir — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Fevereiro), com o título 'A nostalgia no interior de Hollywood'.

Até que ponto as formas de violência figuradas nos filmes reflectem as formas de violência fora dos filmes? Eis uma pergunta que assombra o cinema e, não poucas vezes, tem favorecido uma dicotomia redutora: até que ponto os espectadores “repetem” aquilo que vêem nos filmes?... Assunto vasto e complexo, no qual Força Anti-Crime, de Ruben Fleischer, se veio inscrever de forma incómoda (já que, no Verão de 2012, os ecos trágicos do tiroteio no estado do Colorado levaram a adiar a sua estreia). Face ao seu lançamento comercial, talvez seja útil distanciá-lo de todo um debate ideológico e moral que lhe é exterior, sublinhando o paradoxo do próprio objecto: um filme da idade dos efeitos especiais que, com convicção forte e talento moderado, tenta remar contra a maré dos super-heróis e recuperar as histórias de gangsters dos anos 30/40.
Curiosamente, Força Anti-Crime acaba por evocar uma vaga revivalista que marcou os anos 70, tendo como bandeira A Golpada (1973), uma história de Chicago nos anos 30 dirigida por George Roy Hill. Predomina, aqui, uma valorização dos ambientes que encontra a sua expressão exemplar na cenografia (Gene Serdena) e na direcção fotográfica (Dion Beebe). E há qualquer coisa de bizarro em tal opção, já que tende a contrariar as muitas opções digitais que, hoje em dia, distinguem a produção de Hollywood enraizada nos géneros tradicionais. Dir-se-ia que Fleischer se fixa na nostalgia de um modelo de produção que, afinal, há muito deixou de fazer parte das opções dos grandes estúdios americanos. Está longe da excelência de clássicos como Relíquia Macabra (John Huston, 1941) ou À Beira do Abismo (Howard Hawks, 1946)? Sim, claro. Em todo o caso, sintoma revelador, o estúdio é o mesmo: Warner Bros.

Helder Moutinho, opus 4

Chama-se 1987 e é o quarto álbum de Helder Moutinho. Define-se como um trabalho conceptual, sobre o amor, com poemas de João Monge, Pedro Campos, José Fialho e do próprio fadista. O cartão de visita, Venho de um Tempo, é excelente. Aqui fica o video — o respectivo download está disponível no site do Montepio.

terça-feira, fevereiro 26, 2013

Michelle Obama nos Oscars

Foto THE WHITE HOUSE
Faz sentido que a (des)informação iraniana tenha retocado a imagem de Michelle Obama ("corrigindo" a linha do seu decote) a apresentar o Oscar de melhor filme, no final da 85ª cerimónia dos prémios da Academia de Hollywood. Afinal de contas, poupemos os eufemismos: a sua presença não teve nada de decorativo, uma vez que foi um gesto genuinamente político, emanado de uma administração cujo discurso oficial não esquece a defesa da expressão artística — e da sua dimensão económica.
Por tudo isso, vale a pena recordar que, quando Jack Nicholson apresentou a Primeira Dama dos EUA, tal presença estava longe de ser um acto isolado. Cerca de duas semanas antes, Michelle Obama presidira a um workshop para estudantes liceais, tendo como tema, precisamente, um dos principais nomeados para os Oscars: Bestas do Sul Selvagem; no âmbito dessa iniciativa, ela própria conduziu uma conversa de cerca de uma hora, contando com a participação do realizador Benh Zeitlin e dos actores Dwight Henry e Quvenzhané Wallis.

O sacrilégio segundo os Yeah Yeah Yeahs

Anunciado para Abril, o novo álbum dos Yeah Yeah Yeahs, Mosquito, será, no mínimo, um acontecimento iconográfico. Depois da capa, esta é a imagem bizarra e sedutora para o primeiro single, Sacrilege — em baixo, o audio oficial: uma pequena pérola rock, com um coro gospell...

segunda-feira, fevereiro 25, 2013

"The Walking Dead" ou a tragédia dos vivos

A série The Walking Dead é um caso exemplar de relançamento de um género eminentemente popular — este texto foi publicado no Diário de Notícias (22 Fevereiro), com o título 'Convivendo com os zombies'.

Sabemos que, há milénios, a produção das mais variadas formas de ficção constitui um elemento visceral da vida dos seres humanos. Uma noção corrente e linear recorda-nos que o exercício da ficção (ou, se preferirem, o gosto de contar histórias) é também uma maneira de dar conta da pluralidade da experiência humana, ora reconhecendo a sua relatividade (e teremos a comédia), ora contemplando o seu desejo de absoluto (e estaremos já no domínio da tragédia).
Em todo o caso, sabemos também que a ficção não é uma mera duplicação do que quer que seja (mesmo que, todos os dias, as telenovelas e a reality TV tentem enganar-nos com os seus infinitos e pueris artifícios de “imitação” da “vida como ela é”). Contar histórias pode ser também um teste perturbante às fronteiras da própria dimensão humana. Perguntando: afinal, como definimos a nossa humanidade? Ou ainda: de que modo essa humanidade pode tocar ou até mesmo ser contaminada por factores que contrariam a nitidez original da nossa identidade?
A série The Walking Dead (de novo no canal Fox) transformou-se num belo exemplo dessa problemática. Porquê? Porque coloca em cena o zombie, um dos mais populares símbolos de ficção (cinematográfica, em particular) a ser capaz de arrastar a ideia de uma morte que, em vez de persistir inacessível “do outro lado”, coexiste connosco. Afinal de contas, no seu intratável torpor, o zombie é o “não-morto”.
Acontece que, quanto mais a série avança, mais se vai consolidando um notável labor de ficção que transcende as convenções do género. Assim, em vez de estarmos perante uma história da “humanidade contra os zombies”, assistimos a um crescendo de tensão entre os grupos humanos, sendo os zombies um pano de fundo ameaçador, mas quase decorativo.
Podemos dizer isto através de uma metáfora “económica”: os zombies são a moeda que já não tem valor, travando os humanos uma guerra para voltar a encontrar algum padrão para as suas trocas. O impacto de The Walking Dead passa por daí: a comédia dos “mortos que caminham” transfigura-se na tragédia dos vivos que não sabem para onde caminhar.

Óscares 2013: a noite das más surpresas


Perguntávamos, ao longo dos últimos dias, se havia ainda espaço para surpresa nos Óscares? Tendo em conta as tendências verificadas nos últimos anos, observando as premiações que antecedem a noite da entrega dos prémios – dos Globos de Ouro às várias associações técnicas, não tanto as de críticos – há resultados que se vão desenhando como quase inevitáveis... A tendência de certa forma confirmou-se ao vermos Argo vencer Melhor Filme ou Melhor Argumento Adaptado, Daniel Day-Lewis a triunfar (justificadamente) como Melhor Ator pelo seu papel em Lincoln, Anne Hathaway a ser distinguida como Melhor Atriz Secundária em Os Miseráveis, Haneke como merecido vencedor do Melhor Filme em Língua Estrangeira (Amour) ou vendo os prémios na área da imagem navegando na direção de A Vida de Pi (e não se compreende como não se deu a Janusz Kaminski o prémio de Fotografia pelo seu trabalho em Lincoln), de Ang Lee. Mas nos espaços em que haveria eventual espaço para sermos surpreendidos, convenhamos que as surpresas não podia ter sido (na maioria dos casos, as piores). Jennifer Lawrence como Melhor Atriz em detrimento de Emmanuelle Riva (Amour) ou Jessica Chastain (00.30 Hora Negra)? Mychael Danna como autor da Melhor Banda Sonora, quando Thomas Newman era nomeado pelo seu trabalho em 007 Skyfall? E, pior ainda, Ang Lee como Melhor Realizador (com aquele que é talvez o seu pior filme) em vez de Spielberg ou Haneke?

É verdade que houve boas “surpresas” como a da vitória de Tarantino (Argumento Original) e Christoph Waltz (Ator Secundário) por Django Libertado. A da equipa que trabalhou em Lincoln na Direção Artística. Ou, até mesmo com uma canção que está bem longe do melhor da tradição 007, ver Skyfall a dar a James Bond um primeiro Óscar por uma canção.

Mas na essência esta foi uma noite de premiação dispersa, desnorteada e desinteressante. Aqui ficam os resultados:

Melhor Filme – ‘Argo’, de Ben Affleck
Melhor Realizador – Ang Lee, em ‘A Vida de Pi’
Melhor Ator – Daniel Day Lewis, em ‘Lincoln’
Melhor Atriz – Jennifer Lawrence, em ‘Guia Para Um Final Feliz’
Melhor Ator Secundário – Christoph Waltz, em ‘Django Libertado’
Melhor Atriz Secundária – Anne Hathaway , em ‘Os Miseráveis’
Melhor Argumento Original – Quentin Tarantino, em ‘Django Libertado’
Melhor Argumento Adaptado – Chris Terrio, por ‘Argo’
Melhor Fotografia – Claudio Miranda, por ‘A Vida de Pi’
Melhor Montagem - William Goldenberg, por ‘Argo’
Melhores Efeitos Visuais – Bill Westenhofer, Guillaume Rocheron, Erik-Jan De Boer e Donald R. Elliott, por ‘A Vida de Pi’
Melhor Direção Artística - Rick Carter e Jim Erickson, por ‘Lincoln’
Melhor Mistura de Som - Andy Nelson, Mark Paterson e Simon Hayes, por ‘Os Miseráveis’
Melhor Montagem de Som - Paul N.J. Ottosson, por ’00.30 Hora Negra’ e Per Hallberg e Karen Baker Landers por ‘007 Skyfall’
Melhor Guarda Roupa – Jacqueline Durran, em ‘Anna Karenina’
Melhor Caracterização – Lisa Westcott e Julie Dartnell, por ‘Os Miseráveis’
Melhor Canção Original – Adele Adkins e Paul Epworth, por ‘007 Skyfall’
Melhor Banda Sonora – Michael Danna, por ‘A Vida de Pi’
Melhor Filme em Língua Estrangeira – ‘Amour’, de Michael Haneke
Melhor Longa-Metragem de Animação – ‘Brave – Indomável’, de Mark Andrews e Brenda Chapman
Melhor Curta-Metragem de Animação – ‘Paperman’, de John Kahrs
Melhor Curta-Metragem de Imagem Real – ‘Curfew’, de Shawn Christensen
Melhor Curta-metragem Documental – ‘Inocente’, de Sean Fine e Andrea Nix Fine
Melhor Longa-Metragem Documental – ‘Searching For Sugar Man’, de Malik Bendjelloul e Simon Chinn

Seth MacFarlane: o enigma

Nos Oscars, há um enigma Seth MacFarlane. E não tem a ver com o seu talento: até que ponto o realizador de Ted, sendo uma personalidade sobretudo conotada com o universo televisivo (especialmente através das séries de animação Family Guy ou American Dad!), pode ter peso, carisma e eficácia, não apenas na dimensão espectacular da cerimónia de Hollywood, mas também na questão muito prática da mobilização de audiências?
Curiosamente, as próprias promoções da cerimónia encaram essas dúvidas com um sentido eminentemente pragmático. Numa delas, revelando uma salutar lucidez face à juventude do seu público dominante, MacFarlane diz mesmo: “Olá, eu sou Seth MacFarlane (perguntem aos vossos filhos). E vou apresentar os prémios da Academia (perguntem aos vossos pais).”
Aqui em baixo, podemos ver três dessas promoções. Vale a pena ler também a entrevista de MacFarlane ao site Collider.






>>> Seth MacFarlane no YouTube.
>>> Site oficial da Academia de Hollywood.

domingo, fevereiro 24, 2013

Grândola sem democracia

Cartaz de VIEIRA DA SILVA
1. Miséria portuguesa. Não falo do pensamento que vai na cabeça de cada cidadão (coisa felizmente ainda não redutível a manchetes televisivas ou polegares do Facebook). Falo, antes de tudo o mais, da miséria da esquerda institucional que, pela sua concordância cobarde ou pelo seu silêncio cúmplice, assiste, entre o regozijo brejeiro e a inanidade de pensamento, ao assassinato metódico de um dos mais genuínos símbolos da história democrática portuguesa: Grândola, Vila Morena, cântico de liberdade e libertação, passou a ser miseravelmente aplicado como peça de censura ao direito de expressão dos governantes (nalguns casos colocando-nos, ou tentando colocar-nos, do lado da pornografia ideológica: como se dizia num noticiário televisivo, eram “20 pessoas” a protestar, cantando...)

2. Perante tal miséria, é penoso ter que acrescentar que Miguel Relvas não é, de facto, um modelo de génio político, passe o eufemismo. Infelizmente para todos nós, o que está em jogo não é o “valor” seja de quem for – o que está em jogo é esta estupidez triunfante, sustentada pelas redes “sociais” (quem lhes concedeu o privilégio ditatorial de “organizar” o quotidiano da política?) e também alguns modelos de “informação” televisiva que só sabem celebrar a crispação (desse mesmo quotidiano). Na prática, o símbolo de abertura e pluralidade tornou-se uma arma de silenciamento: José Afonso cantou a proliferação das vozes; agora, aplicam-se as palavras de José Afonso para, literalmente, criar ruído e massacrar a nitidez de qualquer voz.

3. A direita no poder, sempre insegura e sem imaginação, não sabe o que dizer, a não ser recordar a necessidade de respeitar as regras da ordem democrática – desgraçadamente para todos nós, assiste-lhe a razão de lembrar que a ordem é um valor e que as alegrias da desordem (muitas e fascinantes em muitos momentos da nossa história colectiva) não se confundem com a criação da barafunda pela barafunda.

4. E a esquerda?...

5. Qual esquerda? A que, com ou sem foice e martelo, ainda depende do imaginário comunista refugia-se numa idealização beata que, em boa verdade, começou há muito tempo, na sua incapacidade de lidar com as monstruosidades que a sua própria ideologia produziu. (O que, entenda-se, não significa uma dúvida automática em relação à sua disponibilidade para integrar a dinâmica democrática: Melo Antunes disse-o, sem Grândola e sem espalhafato, apenas através da coragem humana das palavras... Ou já ninguém se lembra?...). A outra esquerda, a “europeia”, refugia-se num discurso de purificação moralista, procurando não desmanchar a pose liofilizada de quem, se não morrer do seu tédio, irá perecer na teia de pusilanimidade de que se alimenta. Há uma maneira cristalina de dizer isto: na sua inquestionável boa vontade, já era tempo de António José Seguro compreender que, para ter alguma força política contra Miguel Relvas (e o poder que ele representa), tem que começar por defender o direito do próprio Relvas a ser tratado como um cidadão na posse de todos os seus direitos democráticos. Dizer que o povo português tem o “direito” e o “dever” de protestar é apenas acreditar que a elaboração da pose pode disfarçar dois lapsos terríveis: o vazio do discurso e a simplificação pueril das responsabilidades da vida democrática.

Escutar os céus, com Daniel Hope

O novo álbum do violinista Daniel Hope propõe um percurso por vários autores e épocas, com claro protagonismo de acontecimentos do nosso tempo. Este texto foi originalmente publicado na edição de dia 19 de fevereiro do DN.

Foi em 1989. No mesmo ano em que Berlim via o muro cair, o violinista Nigel Kennedy surgia na capa de uma nova gravação (com a English Chamber Orchestra) d’As Quatro Estações de Vivaldi. Era apenas mais uma entre as muitas edições de uma das obras mais gravadas de sempre. O que fazia a diferença? A imagem do violinista que se mostrava na capa com um look de ponteagudos cabelos em pé, como era então mais habitual ver pelos lados da música pop. O disco cativou atenções e fez de Kennedy uma estrela instantânea. 24 anos depois, há cortes de cabelo para todos os gostos entre os violinistas. Mas não é por aí que as suas “vozes” falam hoje mais alto. E num mundo onde abundam as escolas de música e novos talentos emergem de todas as latitudes a diferença faz-se, cada vez mais, pela capacidade de cada um expressar a sua personalidade.

Se a imagem informal com que se apresenta o violinista britânico Daniel Hope assinala logo num primeiro contacto um contraste com a austeridade visual dos grandes mestres de outrora – como David Oistrakh ou Yehudi Menuhin – os seus horizontes de trabalho vincam mais ainda o aprofundar de uma identidade. Basta entrarmos no seu site oficial para que nos seja desde logo sugerida uma multiplicidade de interesses e trabalhos, ao seu papel como músico juntando-se um perfil de comunicador, autor, produtor e “ativista musical”, Neste último departamento a expressão das suas ideias e causas passam por projetos como o ‘Kristallnacht Project’ (que evocou os 70 anos da ‘noite de cristal’) ou Terezin (disco que recordou obras criadas por compositores que passaram pelo campo de concentração nazi de Theresienstadt).

Nascido em Durban (África do Sul) em 1973, Daniel Hope lembra entre as suas memórias de infância um interesse pelo espaço, confessando no booklet do seu novo disco que olhar os céus, de noite, era a única coisa que o cativava tanto como a música. Mais tarde, através do programa televisivo The Music of Man, de Yehudi Menuhin, descobre a figura de Carl Sagan. “Foi ele quem me abriu os olhos para a magnitude do universo e para a noção de música das esferas”, explica o violinista em Spheres, justificando nesse encontro de há cerca de 30 anos a raiz da ideia que conduz o novo disco. Ali procurou juntar “música e tempo”, incluindo no alinhamento peças de compositores de épocas diferentes “que talvez não se encontrassem sempre numa mesma galáxia”, mas que “estão unidos por uma questão antiga: há algo mais ali fora?”...

É de uma profunda curiosidade pela esfera celeste que Shperes ganha agora forma. No texto em que apresenta o disco, Daniel Hope recorda episódios de semelhante interesse que encontramos em vários compositores. Como Haydn, que consultou o astrónomo William Hershel e espreitou as estrelas através de um telescópio antes de concluír a sua Criação. Ou Josef Strauss, cuja valsa Sphärenklänge “propôs uma visão romântica dos céus”. Ou ainda Philip Glass – que homenageou Menhuin em Echorus –, eterno questionador das qualidades do som no limiar de um buraco negro.

Philip Glass (e muito concretamente com Echorus), é precisamente um dos nomes que Daniel Hope aborda no alinhamento de Spheres, onde, na companhia de elementos da Deutsches Kammerorchester Berlin e do Rundfunkchor Berlin, dirigidos por Simon Halsey, interpreta peças de outros compositores contemporâneos consagrados como Arvo Pärt ou Michael Nyman, talentos em franca ascensão no presente como Max Richter, Alex Baranowski ou Gabriel Prokofief (de alguns deles assegurando aqui estreias dessas obras em disco) e ainda figuras de outros tempos, de Gabriel Fauré ou von Westhoff a Johann Sebastian Bach. Entre ecos do século XVII e o presente, Spheres projeta através de 18 percursos, onde o violino é protagonista, uma viagem que tanto procura a harmonia astronómica de que falavam os homens de ciência de outrora como uma lógica atual que sabe que toda esta música surgiu e se faz soar sobre as mesmas estrelas.



Imagens de um filme promocional de apresentação do disco.

Oscares 2013: as escolhas dos leitores

Ao longo da última semana convidámos os leitores do Sound + Vision a votar numa série de categorias, tendo como ponto de partida os filmes nomeados para a 85ª cerimónia de entrega dos Óscares. A todos, desde já, um muito obrigado pela participação. Aqui ficam os resultados da votação apontando, em cada categoria, o filme vencedor:

Melhor Filme: "Django Libertado", de Quentin Tarantino

Melhor Realizador: Michael Haneke ("Amour")

Melhor Ator: Daniel Day-Lewis ("Lincoln")

Melhor Atriz: Emmanuelle Riva ("Amour")

Melhor Ator Secundário: Christoph Waltz ("Django Libertado")

Melhor Atriz Secundária: Sally Field ("Lincoln")

Melhor Argumento Original: Quentin Tarantino, "Django Libertado"

Melhor Argumento Adaptado: Chris Terrio, "Argo"

Melhor Canção Original: "Skyfall", por Adele ("007 Skyfall")

Melhor Banda Sonora Original: Thomas Newman: "Skyfall"

Melhor Filme em Língua Estrangeira: "Amour", de Michael Haneke

Melhor Longa Metragem de Animação: "Frankenweenie", de Tim Burton


Oscares 2013: As nossas escolhas


A horas da 85ª gala de entrega dos Óscares, aqui deixamos as nossas escolhas pessoais, naturalmente tendo como ponto de partida os filmes nomeados. 

J.L.

Melhor Filme: "Lincoln", de Steven Spielberg
Melhor Realizador: Steven Spielberg ("Lincoln")
Melhor Actor: Daniel Day-Lewis ("Lincoln")
Melhor Actriz: Jessica Chastain ("00:30, A Hora Negra")
Melhor Actor Secundário: Philip Seymour Hoffman ("O Mentor")
Melhor Actriz Secundária: Helen Hunt ("Seis Sessões")
Melhor Argumento Original: Mark Boal ("00:30, A Hora Negra")
Melhor Argumento Adaptado: Tony Kushner ("Lincoln")
Melhor Fotografia: Janusz Kaminski ("Lincoln")
Melhor Montagem: William Goldenberg e Dylan Tichenor ("00:30, A Hora Negra")
Melhor Longa-Metragem de Animação: "Frankenweenie", de Tim Burton


N.G.

Melhor Filme: "Amour", de Michael Haneke
Melhor Realizador: Steven Spielberg ("Lincoln)
Melhor Ator: Daniel Day-Lewis ("Lincoln")
Melhor Atriz: Emmanuelle Riva ("Amour")
Melhor Ator Secundário: Tommy Lee Jones ("Lincoln")
Melhor Atrz Secundária: Sally Field ("Lincoln")
Melhor Argumento Original: Quentin Tarantino ("Django Libertado")
Melhor Argumento Adaptado: Tony Kushner ("Lincoln")
Melhor Fotografia: Janusz Kaminski ("Lincoln")
Melhor Banda Sonora: Thomas Newman ("Skyfall")
Melhor Filme em Língua Estrangeira: "Amour", de Michael Haneke
Melhor Longa Metragem de Animação: "Frankenweenie", de Tim Burton

PS. Melhor canção não há (apesar de haver cinco nomeadas)...

David Bowie a 45 RPM (9)

O melhor single da etapa inicial da carreira de David Bowie nasceu da regravação de uma canção originalmente registada em fevereiro de 1967 para o alinhamento ds David Bowie, o seu álbum de estreia (e o único que gravaria na Deram). Com novo take vocal e um arranjo para cordas, Love You Till Tuesday teve edição em single em julho de 1967, levando a David Bowie a primeira série generalizada de críticas positivas que frisavam, sobretudo, a capacidade de se destacar dos demais do seu tempo pela diferença na abordagem musical. O Melody Maker chegou mesmo a apontar Bowie como um dos poucos nomes verdadeiramente originais de então, numa mesma edição em que Syd Barrett (dos Pink Floyd) fala de Love You Till Tuesday com simpatia, mesmo sem revelar um grande entusiasmo. Também nos EUA, onde o single chegaria em setembro do mesmo ano, as opiniões publicadas foram geralmente favoráveis. 

Apesar do entusiasmo crítico e do facto de estar ter sido uma das canções que Bowie levou à sua primeira sessão gravada para a BBC, Love You Till Tuesday conheceu o mesmo destino de todos os seus singles anteriores e não chegou a entrar na tabela dos mais vendidos. 

No lado B surgiu uma canção originalmente gravada durante as sessões que geraram o álbum de estreia de Bowie, mas que acabaram fora do alinhamento do disco. Com um arranjo vaudevillesco, vincava claramente uma curiosidade por espaços mais próximos de tradições teatrais que pelos caminhos da cultura pop/rock do seu tempo.

Podem ver aqui um filme promocional rodado para Love You Till Tuesday.

Políticos num palco de ópera (1)

Foto: Ken Howard / Metropolitan Opera
Este texto é parte de um artigo que foi originalmente publicado na edição de 16 de fevereiro do suplemento Q., do Diário de Notícias, com o título: Richard Nixon e Mao Tse-Tung: Um choque de titãs num palco de ópera. 

Num aeródromo perto da capital chinesa o Air Force One, o avião presidencial norte-americano aterra junto a uma comitiva oficial liderada pelo então primeiro-ministro chinês Chou En-Lai (1). Richard Nixon (2) e a mulher Pat (3) descem as escadas, seguidos pelo conselheiro da Casa Branca (e mais tarde secretário de Estado) Henry Kissinger (4)... Cumprimentam-se e, pela televisão, o mundo assiste surpreendido àquele inesperado momento histórico. Afinal, nunca antes um presidente norte-americano em exercício visitara a China. Recordado pelas fortes convicções anticomunistas que inclusivamente lhe tinham valido a vice-presidência dos EUA nos dias de Eisenhower (5), Nixon protagonizava assim um encontro histórico numa visita oficial de sete dias que traduzia um até então não imaginado confronto diplomático entre as grandes ideologias que separavam o que eram então os mundos ocidental e oriental. Podíamos estar a falar da história recente dos EUA e de um dos feitos maiores da administração Nixon e da política externa americana dos anos 70. Mas na verdade descrevemos as cenas iniciais e o contexto em que se desenrola Nixon In China, aquela que em 1987 foi a primeira ópera de John Adams (6) e que hoje, no momento em que chega a DVD e Blu-ray a gravação de uma magnífica produção que a Metropolitan Opera, de Nova Iorque apresentou em 2011 (e que a Gulbenkian então transmitiu como parte do programa Met Live in HD em fevereiro desse ano), é um dos raros exemplos de óperas da segunda metade do século XX que entraram já no restrito grupo de obras que fazem o cânone das produções mais vezes apresentadas em teatros de ópera. Afinal, quantas outras óperas do nosso tempo contam já com três gravações distintas (duas em disco, e esta nova em DVD e Blu-ray), geraram a edição de livros e alcançaram o patamar de reconhecimento quase unânime que hoje faz de Nixon In China uma referência?

No inverno de 1972, um jovem John Adams vira, pela televisão, o Air Force One a aterrar em Pequim, as figuras de Nixon, a sua mulher, Pat, e Kissinger a descer as escadas e ser recebidos por Chou En-lai. No seu livro de memórias Hallelujah Junction, o compositor descreve este momento como sendo um gesto ousado, “esta ideia de entrar pelo sombrio coração comunista e oferecer um bom aperto de mão rotariano aos nativos, aqueles mesmos chineses que até então, e com tínhamos sido várias vezes avisados, representavam o oposto das noções de democracia representativa” (7). Adams guarda também as imagens do dia seguinte, do encontro entre Nixon e Mao (8), cujo aperto de mão descreveu como sendo ainda mais devastador que a aterragem de um homem na Lua. Lembra a figura de um frágil octogenário que mal era capaz de se levantar da sua cadeira durante o tempo necessário para a foto ao lado do presidente que o visitava.

A figura de Richard Nixon, de resto, habita várias das memórias de infância e juventude de John Adams. Era o seu “papão”, como ele mesmo o caracteriza em Hallelujah Junction. Liga-o a memórias dos anos 50, aos “calafrios da Guerra Fria”, à propaganda anticomunista e todo um clima conservador que recorda daqueles tempos. Na sua autobiografia conta que a sua mãe fora sempre voluntária nas campanhas do partido democrático no New Hampshire, onde viviam, o que, desde cedo, projetara em si um certo fascínio pela política. Recordando em concreto as presidenciais de 1960 (9), John Adams confessa que lhe “era difícil compreender a capacidade de Nixon captar quaisquer votos que fossem contra o carismático e bem-parecido John F. Kennedy (10)”. De resto, acrescenta nas suas memórias, o eventual potencial de atração de Nixon resultaria mais do facto de não ser um democrata liberal, não ser filho de uma família rica, não ser católico, de não falar com o sotaque do Massachussets.

Tinha então 13 anos e, desses dias, recorda--se de ter visto na televisão o famoso debate entre Nixon e Kennedy que terminou com clara vitória ao segundo. Lembra como a televisão tratou desfavoravelmente o candidato republicano, revelando o suor na testa de Nixon, a boca seca e o piscar de olhos (11). Kennedy não só venceu esse debate como a eleição de 1960, tomando posse em janeiro de 1961. Seria assassinado em Dallas em 1963, sucedendo-lhe o seu “vice”, Lyndon Johnson, que iria a votos em 1964, derrotando então o candidato republicano Barry Goldwater. Em Hallelujah Junction, Adams conta que, quando terminou a sua formação, “o teimoso e tenaz, mesquinho e maquiavélico Nixon tinha regressado e era agora Presidente”, acrescentando que o jovem compositor era então um espécimen do modelo do jovem punk contra quem Nixon falava quando se referira “à sua imaginada maioria silenciosa” ao comentar e criticar “a falta de patriotismo do movimento pacifista”. No seu livro diz ainda que “face à abjeta opção [dos mais jovens] pela música barulhenta, sexo promíscuo e ingenuidade política, Nixon contava antes com os seus americanos médios, sofredores e silenciosos: os modestos, os monogâmicos, os tímidos e os respeitadores. Eram os empresários de pequenas cidades, com as suas mulheres obedientes e famílias de dois filhos e meio. A infância quaker (12) de Nixon, difícil e pobre, fazia uma história pessoal que devia ser mitificada e inspiradora, sobretudo no contraste com o dinheiro, o poder e os privilégios de Kennedy” (13). Adams critica mais ainda as mas opções de Nixon ao escolher as figuras que mais tarde estiveram nos bastidores do caso Watergate (14). E aponta o dedo às suas ações no Vietname – que comenta referindo concretamente bombardeamentos e a “ofensiva diplomática” – que conduziram “ao humilhante colapso da presença americana” na região e “a uma década de recriminação” (15).

(continua)

David O. Russell ganha nos independentes

David O. Russell é o primeiro nome em destaque no palmarés deste ano dos prémios do cinema independente nos EUA. Assim, os Independent Spirit Awards consagraram o seu Guia para um Final Feliz/Silver Linings Playbook com quatro distinções: melhor filme de 2012 e ainda melhor realização, melhor argumento (também Russell) e melhor actriz (Jennifer Lawrence). John Hawkes, em Seis Sessões, foi eleito melhor actor, enquanto Amor, de Michael Haneke, acrescentou mais um título de melhor filme estrangeiro ao seu já vasto palmarés. A lista completa de nomeados e vencedores pode ser consultada no site dos Independent Spirit Awards.

sábado, fevereiro 23, 2013

"Amor" vence nos Césares

Simone Signoret (1921-1985), no clássico Casque d'Or/Aquela Loura (1952), de Jacques Becker, foi o símbolo dos Césares referentes a 2012. Os prémios franceses, atribuídos pela Academia das Artes e Técnicas do Cinema, consagraram Amor/Amour como principal vencedor, com um total de cinco distinções: melhor filme do ano, melhor actriz (Emmanuelle Riva), melhor actor (Jean-Louis Trintignant), melhor realização e melhor argumento original (ambas para Michael Haneke). Argo, de Ben Affleck, foi eleito melhor filme estrangeiro — lista completa de vencedores no site oficial da Academia.

Telex, 1979

Esta semana evocámos aqui, como disco pe(r)dido o álbum de estreia dos belgas Telex, figuras com pontual relevância na história da primeira geração pop eletrónica europeia em finais dos anos 70. Hoje recordamos aqui Moskow Diskow, o seu terceiro single (e o primeiro usando um tema original do trio). Aqui fica o teledisco que então acompanhou a canção. Notem-se as (muitas) afinidades kraftwerkianas, mas sublinhem-se igualmente as diferenças, sobretudo visíveis num tom humorado que cruza tanto a canção como as imagens.

Yoko Ono: ano 80

Estes dois textos foram originalmente publicados na edição de 18 de fevereiro de 2013 do DN num 'especial' evocativo do 80º aniversário de Yoko Ono.

John Lennon sugeriu um dia que ela era a maior artista menos conhecida do mundo. Ou seja, todos conheciam o seu nome mas poucos sabiam da sua obra. O mundo inteiro descobriu-a, de facto, a seu lado. Com ele assinou os seus discos de maior visibilidade e protagonizou episódios que fizeram do casal um dos pares mais falados do seu tempo. Não faltou também quem a ela atribuísse responsabilidades na hora da separação dos Beatles. Artista plástica e figura com presença no panorama musical desde o final dos anos 60, ativista de várias causas (da paz e da igualdade entre os sexos ao acesso de todos ao casamento), Yoko Ono é, aos 80, uma voz ainda ativa e notada. Deve certamente muito do estatuto que tem ao relacionamento (pessoal e profissional) com John Lennon, com quem casou em 1969. Mas mesmo sendo a principal força na gestão do catálogo deixado pelo ex-Beatle, não a podemos reduzir a apenas esse papel e a um lugar à sua sombra na história recente da arte e da cultura popular.

Filha de uma família privilegiada japonesa (foi colega do imperador Akihito nos dias de escola), com infância e juventude vivida entre os EUA e o Japão (estava em Tóquio por alturas dos pesados bombardeamentos no fim da guerra, em 1945), Yoko Ono deixou-se seduzir pelos ambientes da comunidade artística das vanguardas americanas de 60, contrariando assim as atitudes mais classistas da família. E, muito antes de conhecer Lennon e conquistar um patamar de maior mediatismo, tinha já tido dois casamentos (um primeiro com o compositor japonês Ichiyanagi, um segundo com o músico de jazz americano Anthony Cox) e colaborara, entre outros, com nomes como os de John Cage ou La Monte Young.

O dia em que Yoko conheceu John, numa galeria de arte em Londres onde ia expôr, ganhou entretanto um lugar na história da mitologia pop. Antevendo poucas vendas tinha já pensado que poderia cobrar sempre que alguém fizesse algo naquele espaço. John, que o visitou com o dono da galeria horas antes da inauguração perguntou se poderia pregar um prego imaginário, ao ser-lhe dito que teria de pagar se pregasse um prego real. “Este tipo está a jogar o meu jogo...", confessou Yoko em entrevista dada há três anos ao DN. Na altura não conhecia ainda os Beatles. Mal imaginando que pouco tempo depois estaria a gravar um disco com um deles e a ser presença constante nas sessões de gravação dos novos discos do grupo.

Yoko e John partilharam então arte e vida. Gravaram discos a dois, formaram até uma banda (a Plastic Ono Band) antes mesmo da separação dos Beatles. E estavam de resto a trabalhar numa canção sua – Walking On Thin Ice – no dia em que, ao regressar do estúdio, John foi assassinado. Desde então ela representa a sua obra, mantendo viva a alma pacifista que política e artisticamente os uniu. Aos 80 anos ainda faz discos, defende as suas lutas, expõe. Reduzi-la a uma sombra de Lennon é contudo não querer ver o antes e depois, mesmo dada a intensidade da obra a dois.



Memória: Uma tarde em Londres

Era a figura que lembrava de cabelos longos, sentada ao lado de John Lennon, e entre uma multidão de gente anónima, na capa de Happy Xmas (War Is Over), que uma prima minha me tinha oferecido em 1972 (de tanto ouvir os seus discos com Beatles, já era a hora de ter um meu, pelo menos com um Beatle)... Já tinha conversado com Yoko Ono, em tempos – por ocasião de um lançamento de uma antologia sua – pelo telefone. E já então as perguntas e respostas tinham rumado na direção do ex-Beatle, com quem viveu desde finais dos anos 60 até ao dia 8 de dezembro de 1980, quando Mark Chapman o matou a tiro à porta do edifício onde residiam, em Nova Iorque. Mas desta vez o encontro seria em pessoa, num hotel nas imediações do Hyde Park, em Londres, e com a obra de Lennon já inscrita na agenda (avizinhavam-se as redições da obra de Lennon, que a EMI lançou na reta final de 2010). Era o mesmo rosto. Os traços ligeiramente mais marcados, o cabelo mais curto. Mas o mesmo olhar.

Afável, tranquila na voz, clara e discreta nas respostas, aquela era a mulher que há anos estava habituada a ouvir as piores palavras sobre si, dos admiradores dos Beatles que a apontam como uma das causas da separação do grupo aos que não se identificam com as atitudes e ideias que foi afirmando ao longo de uma vida artística sempre mais próxima das periferias das vanguardas que dos centros da cultura de massas.

A mulher bem humorada e animada de um sentido autocrítico que a levou a chamar Yes I’m a Witch (sim, sou uma bruxa) a um ‘best of’ editado há cinco anos foi franca e frontal durante a conversa. "Acusada de viver à sombra de um génio?", respondeu a dada altura. E continuou: "Uma das razões pelas quais não acredito que assim seja é o facto de ter tido sempre confiança no meu trabalho”. Mas, referindo-se a John, “havia ali uma árvore bela e uma sombra que me protegeu, e isso fez-me sentir bem." Foi sincera e justa. Respondeu bem. Parabéns Yoko!

David Bowie a 45 RPM (8)

Há quem o aponte como o mais embaraçoso dos singles de Bowie. E quem, pelo contrário, o dê como exemplo do bom humor do autor. Editado em abril de 1967 The Laughing Gnome traduz mais um foco de atenção do músico sobre a figura e obra de Adrien Newley, afastando-se mais que nunca dos terrenos pop/rock contemporâneos (um pouco como o faria a essência do alinhamento do álbum de estreia, a que chamou David Bowie, que editou no mesmo ano mas em cujo alinhamento não surgiria esta canção).

The Laughing Gnome é construído como um diálogo entre David Bowie e um visitante alienígena, a voz de Bowie tendo sido depois manipulada em estúdio para interpretar a figura do extra-terrestre. Conduzida por um fagote, a canção integra-se no quadro de referências que Bowie então criava mas que acabou num beco que abandonaria pouco depois, ao visitar, em Space Oddity, outros destinos espaciais. Tal como os singles que o antecederam, The Laughing Gnome passou ao lado das tabelas de vendas. Mas, reeditado em 1973, chegou a um inesperado sexto lugar no Reino Unido. Menos feliz foi uma outra reedição, em 1982, completamente ignorada. Conta a mitologia pop/rock que, por ocasião da Sound + Vision Tour de 1990 (na qual os espectadores de cada país podiam pedir uma canção por votação telefónica), o jornal NME tentou mobilizar leitores para uma votação em massa em The Laughing Gnome. Mas Bowie respondeu – muito no seu estilo – que até estaria a ponderar tocá-la na digressão, mas não se ia vergar aos pedidos da imprensa. Naturtalmente não a tocou. 

No lado B do single surge o algo experimental The Gospel According To Tony Day, tema gravado em janeiro de 1967 onde tece retratos (nada elogiosos) de várias figuras ficcionais, com a música conduzida por um oboé, um fagote e a presença minimalista de uma guitarra.

Podem ouvir aqui o single The Laughing Gnome.

sexta-feira, fevereiro 22, 2013

Paul Buchanan, num estúdio de televisão

Foi um dos grandes regressos de 2012 e Mid Air um dos mais belos álbuns que o ano passado nos deu a ouvir. Hoje recordamos a passagem do ex-Blue Nile Paul Buchanan pelos estúdios da BBC, para participar no programa de Jools Holland, ao som do tema título do álbum.

Novas edições:
Vários Artistas, Acid House Anthems


Vários Artistas
“Acid House Anthems”
Sony Music
4 / 5

As efemérides, sobretudo quando passam por números “redondos”, têm aquele condão de nos fazer falar de novo de algo que passou. Não estamos necessariamente a falar de nostalgia, que nem todos os olhares pelo passado vivem dessa perspetiva que fala de saudade e ponto final (afinal conhecer o que passou pode ajudar-nos a saber quem somos e para onde podemos ir). Em 2013 passam 25 anos sobre aquele 1988 em que, escutando ecos de novidade que chegavam da mesma Chicago que um ano antes tinha colocado a house no mapa das atenções de todo o mundo, Londres viveu o seu “segundo verão do amor” (que projetaria para Ibiza e, depois, muitas outras paragens) e serviu de capital para a expressão e exposição de um fenómeno que teria repercussões maiores na história não apenas da música de dança mas na própria forma da cultura pop/rock se relacionar com estes universos, que definitivamente deixaram de ser exclusivo da noite e rapidamente conquistam outros espaços de criação e de visibilidade. Apesar de algumas incertezas quanto à exatidão da sua origem, a designação acid house pode dever muito ao efeito revelador de Acid Trax, um máxi single que o projeto de Chicago Phuture (onde militava DJ Pierre) editou em 1987, revelando sobre uma estrutura diretamente nascida em clima house um mundo de efeitos inebriantemente contagiantes para os quais contribuiu o sequenciador Roland 303, que em pouco tempo se transformaria numa das “vozes” maiores da música de dança criada nos meses seguintes. Uma série de novos máxis ainda editados em 1987, apresentando temas como Washing Machine (Mr. Fingers), Dream Girl (DJ Pierre) ou Land of Confusuion (Armando) ajudou a focar uma abordagem formal à house, e criou uma linha da frente que em breve despertou entusiasmos em Londres (com sede maior nas noites do clube Shoom) e, à chegada dos meses quentes de 1988, teve expressão ainda mais evidente nas noites de Ibiza (das quais emergiria a primeira derivação do género, o ballearic). Acid House Anthems conta-nos, em 50 temas, a história do que então se passou. Recua a estes temas fundadores e mais ainda, lembrando sugestões ainda nascidas em terreno house que habitam as fundações desta música, incluindo temas-chave de Steve Silk Hurley, Frankie Knuckles, Coldcut, Bomb The Bass ou Raze, com o belíssimo Break 4 Love). O alinhamento acompanha depois a explosão de acontecimentos de 1988 entre peças que lançam ideias (como um Voodoo Ray de A Guy Called Gerald ou Oochy Koochy de Baby Ford) e as primeiras manifestações de evidente sucesso comercial que chegam depois de We Call It Acieed dos D-Mob ter alcançado o número um na tabela de singles do Reino Unido e colocado em patamar de sucesso pop temas como, por exemplo um Acid Man de Jolly Roger. Esta antologia – à qual falta apenas um texto de contextualização – explora depois das consequências diretas do fenómeno recordando criações que, assimilando os ensinamentos do acid house, projetaram depois ideias mais adiante, como um Pacific State dos 808 State (que abre alas a uma noção chill out que outros aprofundariam pouco depois), Loaded dos Primal Scream ou W.F.L. dos Happy Mondays (que encetariam determinantes diálogos com a cultura indie), Infinity de Guru Josh (um dos hinos da muito episódica vaga de “keyboard wizzards” de inícios dos noventas) ou canções como The Sun Rising dos Beloved ou Talking With Myself dos Electribe 101 (que levam a boa-nova a terrenos pop). Um olhar de relance pelo alinhamento nota ausências de nomes como Lil’Louis, Adamski, Humanoid ou figuras que passaram pela órbita do movimento como os KLF ou S’Express e até mesmo aquele que foi o derivado pop mais célebre da época, The Only Way Is Up, de Yazz. Ao mesmo tempo há aqui temas cuja presença neste alinhamento se explica talvez mais por um contexto de época que por uma afinidade com os trilhos acid house. Big Fun, dos Inner City, é na verdade uma ponte entre a house e o techno. Only Love Can Break Your Heart, dos St. Etienne, é um exemplo de um momento em que a pop escutou com outra intensidade o apelo dos ritmos de dança. O contagiante Promissed Land, de Joe Smooth, é um exemplo de assimilação de heranças R&B pela cultura house. E a remistura de Come Home, dos James, por Andrew Weatherall, um perfeito disparate. Mesmo assim o alinhamento de Acid House Anthems representa um dos mais amplos olhares sobre esse movimento com raízes em 1987, que floresceu em 1988 e ainda hoje projeta ideias. Vamos ouvir falar mais vezes de acid house este ano...

YouTube chega à tabela da Billboard


A revista Billboard juntou as visualizações no YouTube ao conjunto de elementos que soma para definir a sua lista principal de “singles”, a tabela que há anos é designada como Hot 100. Assim, além das vendas físicas e digitais, a construção desta tabela de preferências inclui ainda dados de airplay em rádio, audições em streaming (são contabilizados há já alguns meses os serviços Spotify, Muve Music, Rhapsody, Slacker, Rdio e Xbox Music) e rádios online. Nem todos os vídeos do YouTube são contabilizados, a tabela da Billboard (que certamente deverá apenas medir os consumos nos EUA) traduzirá as visualizações de vídeos de telediscos oficiais e de faixas áudio igualmente oficiais. A primeira consequência desta nova fonte de dados para a lista Hot 100 é a meteórica entrada direta para o primeiro lugar de Harlem Shake, de Baauer. Acrescente-se que, desde que esta tabela foi criada em 1958, esta é a 21ª ocasião em que uma canção entra diretamente para o lugar de topo.