sábado, fevereiro 23, 2013

Yoko Ono: ano 80

Estes dois textos foram originalmente publicados na edição de 18 de fevereiro de 2013 do DN num 'especial' evocativo do 80º aniversário de Yoko Ono.

John Lennon sugeriu um dia que ela era a maior artista menos conhecida do mundo. Ou seja, todos conheciam o seu nome mas poucos sabiam da sua obra. O mundo inteiro descobriu-a, de facto, a seu lado. Com ele assinou os seus discos de maior visibilidade e protagonizou episódios que fizeram do casal um dos pares mais falados do seu tempo. Não faltou também quem a ela atribuísse responsabilidades na hora da separação dos Beatles. Artista plástica e figura com presença no panorama musical desde o final dos anos 60, ativista de várias causas (da paz e da igualdade entre os sexos ao acesso de todos ao casamento), Yoko Ono é, aos 80, uma voz ainda ativa e notada. Deve certamente muito do estatuto que tem ao relacionamento (pessoal e profissional) com John Lennon, com quem casou em 1969. Mas mesmo sendo a principal força na gestão do catálogo deixado pelo ex-Beatle, não a podemos reduzir a apenas esse papel e a um lugar à sua sombra na história recente da arte e da cultura popular.

Filha de uma família privilegiada japonesa (foi colega do imperador Akihito nos dias de escola), com infância e juventude vivida entre os EUA e o Japão (estava em Tóquio por alturas dos pesados bombardeamentos no fim da guerra, em 1945), Yoko Ono deixou-se seduzir pelos ambientes da comunidade artística das vanguardas americanas de 60, contrariando assim as atitudes mais classistas da família. E, muito antes de conhecer Lennon e conquistar um patamar de maior mediatismo, tinha já tido dois casamentos (um primeiro com o compositor japonês Ichiyanagi, um segundo com o músico de jazz americano Anthony Cox) e colaborara, entre outros, com nomes como os de John Cage ou La Monte Young.

O dia em que Yoko conheceu John, numa galeria de arte em Londres onde ia expôr, ganhou entretanto um lugar na história da mitologia pop. Antevendo poucas vendas tinha já pensado que poderia cobrar sempre que alguém fizesse algo naquele espaço. John, que o visitou com o dono da galeria horas antes da inauguração perguntou se poderia pregar um prego imaginário, ao ser-lhe dito que teria de pagar se pregasse um prego real. “Este tipo está a jogar o meu jogo...", confessou Yoko em entrevista dada há três anos ao DN. Na altura não conhecia ainda os Beatles. Mal imaginando que pouco tempo depois estaria a gravar um disco com um deles e a ser presença constante nas sessões de gravação dos novos discos do grupo.

Yoko e John partilharam então arte e vida. Gravaram discos a dois, formaram até uma banda (a Plastic Ono Band) antes mesmo da separação dos Beatles. E estavam de resto a trabalhar numa canção sua – Walking On Thin Ice – no dia em que, ao regressar do estúdio, John foi assassinado. Desde então ela representa a sua obra, mantendo viva a alma pacifista que política e artisticamente os uniu. Aos 80 anos ainda faz discos, defende as suas lutas, expõe. Reduzi-la a uma sombra de Lennon é contudo não querer ver o antes e depois, mesmo dada a intensidade da obra a dois.



Memória: Uma tarde em Londres

Era a figura que lembrava de cabelos longos, sentada ao lado de John Lennon, e entre uma multidão de gente anónima, na capa de Happy Xmas (War Is Over), que uma prima minha me tinha oferecido em 1972 (de tanto ouvir os seus discos com Beatles, já era a hora de ter um meu, pelo menos com um Beatle)... Já tinha conversado com Yoko Ono, em tempos – por ocasião de um lançamento de uma antologia sua – pelo telefone. E já então as perguntas e respostas tinham rumado na direção do ex-Beatle, com quem viveu desde finais dos anos 60 até ao dia 8 de dezembro de 1980, quando Mark Chapman o matou a tiro à porta do edifício onde residiam, em Nova Iorque. Mas desta vez o encontro seria em pessoa, num hotel nas imediações do Hyde Park, em Londres, e com a obra de Lennon já inscrita na agenda (avizinhavam-se as redições da obra de Lennon, que a EMI lançou na reta final de 2010). Era o mesmo rosto. Os traços ligeiramente mais marcados, o cabelo mais curto. Mas o mesmo olhar.

Afável, tranquila na voz, clara e discreta nas respostas, aquela era a mulher que há anos estava habituada a ouvir as piores palavras sobre si, dos admiradores dos Beatles que a apontam como uma das causas da separação do grupo aos que não se identificam com as atitudes e ideias que foi afirmando ao longo de uma vida artística sempre mais próxima das periferias das vanguardas que dos centros da cultura de massas.

A mulher bem humorada e animada de um sentido autocrítico que a levou a chamar Yes I’m a Witch (sim, sou uma bruxa) a um ‘best of’ editado há cinco anos foi franca e frontal durante a conversa. "Acusada de viver à sombra de um génio?", respondeu a dada altura. E continuou: "Uma das razões pelas quais não acredito que assim seja é o facto de ter tido sempre confiança no meu trabalho”. Mas, referindo-se a John, “havia ali uma árvore bela e uma sombra que me protegeu, e isso fez-me sentir bem." Foi sincera e justa. Respondeu bem. Parabéns Yoko!