sábado, junho 30, 2012

"Newsweek": a era Tina Brown

Tina Brown (n. 1953) é uma daquelas personalidades do jornalismo norte-americano que encaixa num velho cliché jornalístico, de algum modo revitalizando-o: o seu trabalho pode suscitar as mais diversas e contrastadas opiniões, mas não deixa ninguém indiferente. Depois de ter passado pelas revistas Vanity Fair e The New Yorker, liderou a aventura breve, mas fascinante, da Talk Magazine (1999-2001). Mais recentemente, o seu site The Daily Beast, fundado em 2008, impôs-se como um modelo inovador de tratamento de notícias e opinião na Net. A partir de Novembro de 2010, The Daily Beast fundiu-se com a Newsweek, com Tina Brown a assumir o cargo de chefe de redacção da revista.
O mínimo que se pode dizer da "nova era" Tina Brown é que a Newsweek parece estar a encontrar uma matriz mais ágil, mais sedutora e também mais autónoma em relação ao modelo clássico (admiravelmente bem gerido) da concorrente Time. Desde logo porque há uma clara revalorização das matérias visuais, porventura mais escassas em quantidade, mas muito mais acutilantes em termos informativos e mais ricas no plano artístico — veja-se, por exemplo, o portfolio de Jason Florio [exemplo em baixo] que acompanha o trabalho de Aram Roston sobre as guerras da droga no México. Depois porque a organização temática da revista adquiriu uma agilidade que a envolve muito mais com as grandes questões (políticas, económicas, culturais) do presente — um bom exemplo poderá ser o dossier '100 Digital Power Index' sobre os grandes inovadores do mundo digital. Em qualquer caso, a Newsweek parece estar a reencontrar a boa estrela de um jornalismo cuja dinâmica narrativa (e capacidade de surpreender) não precisa de se submeter às facilidades da avalanche populista das televisões.
FOTO Jason Florio

sexta-feira, junho 29, 2012

Preguiças, mamutes e muito gelo

Os desenhos animados em 3D talvez não precisassem de ser em... 3D! Mas é um facto que continua a haver exemplos felizes como A Idade do Gelo 4: Deriva Continental, de Steve Martino e Mike Thurmeier — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 Junho), com o título 'O prazer pré-histórico da narrativa'.

Podemos duvidar (eu duvido, em todo o caso) da pertinência da aplicação do formato 3D num filme como A Idade do Gelo 4: Deriva Continental. Podemos até questionar esta insólita fuga para a frente do cinema americano a três dimensões, na animação e não só, “obrigando” filmes que existem muito bem em imagem clássica a integrar o “suplemento” tecnológico do 3D. Mais ainda: podemos supor que o carácter postiço, não motivado, de muitas formas de tridimensionalidade está a afastar cada vez mais espectadores (há índices que apontam para isso) e a gerar um retorno aos prazeres das cópias normais.
Podemos considerar o cepticismo que tudo isso envolve, mas nada disso anula a radiosa certeza desta saga pré-histórica: estamos perante um caso exemplar de um contagiante sentido de espectáculo. Que espectáculo? Por certo não essa banalidade economicista que confunde a histérica acumulação de “efeitos especiais” com emoções garantidas (haverá coisa mais monótona e sensaborona que a história de Abraham Lincoln a... caçar vampiros?). O sentido do espectáculo é, acima de tudo, o rigor da narrativa: A Idade do Gelo 4 é mais um exemplo feliz de revitalização dos padrões tradicionais da fábula familiar, com mamutes, tigres e algumas irresistíveis preguiças (John Leguizamo é genial na voz de Sid) a cumprir a lógica mais funda deste tipo de narrativa. A saber: encontrar um lugar para viver.
Modelo de sucesso dos estúdios da 20th Century Fox, A Idade do Gelo 4 propõe também um precioso complemento. Assim, a abrir, temos uma curta-metragem dos Simpsons [The Longest Daycare], protagonizada pela pequena Maggie, vivendo um dia difícil na escola. E quando falamos de arte da narrativa, regressar aos Simpsons envolve sempre algo de pedagógico.

Viva l'Italia!

Será que ainda há imagens do futebol que consigam escapar à ditadura de sentidos que, todos os dias, as televisões nos querem impor? Será que ainda conseguimos olhar para uma imagem sem a intoxicar — de imediato, sem reflexão, contra qualquer forma de pensamento — com descrições deterministas, especulações teleológicas ou insinuações fulanizadas?
Queremos acreditar que sim. Esta imagem, por exemplo, é uma das memórias que o Diário de Notícias propõe, num breve portfolio sobre o Alemanha-Itália. Por vezes, nesta nitidez dos corpos e das coisas, há uma transparência que nos acolhe. Podemos gritar também, mas há um silêncio que sabe bem.

Dena e os seus amigos

O novo single da cantora búlgara Dena (na verdade chama-se Denitza Todorova), que conhecemos como vocalista no projeto The Whitest Boy Alive (onde milita Erlen Oye, dos Kings Of Convenience) é este Cash, Diamond Rings, Swimming Pools. O álbum chegará daqui a uns meses. O teledisco tem assunatura conjunta de Bontchev & Burchardi (ou seua, Miniartist) e da própria Denitza Todorova e conta com uma participação de Erlend Oye. Aqui ficam as imagens.

Reedições:
Talk Talk, The Colour of Spring


Talk Talk 
“The Colour Of Spring” 
EMI Music 
4 / 5

Podia ser entendido como um episódio de transição, estabelecendo uma eventual ponte entre uma ideia de canção pop com capacidade de chegar ao grande público (e fazer números nas tabelas de vendas, como de facto o fez, tornando-se mesmo o maior êxito da discografia do grupo) que dominara a sua obra anterior e um patamar de experimentação mais confiante, entre ecos do jazz e de noções de música ambiental, que ganharia forma no álbum seguinte. Mas The Colour of Spring, o terceiro álbum dos Talk Talk, é mais que apenas um momento de pensar mudanças, a obra em si marcando o seu tempo e sugerindo um ciclo de canções com a coerência de um todo. Um álbum, com principio, meio e fim, com uma alma própria, um som e uma identidade (estética e temática)... Não que os discos anteriores do grupo tenham sido meras somas de canções disponíveis, o belíssimo It’s My Life, de 1984, sugerindo já a noção de busca de uma coerência interna que, de facto, o destacou entre as demais criações pop do seu tempo. Em 1986 o que The Colour of Spring nos mostra é antes uma banda animada pelo desejo de aprofundar a busca de uma identidade, afastando-se por isso das linguagens mais unânimes do seu tempo, apostando antes na definição de um corpo instrumental mais clássico (com eventuais ecos de heranças mais livres de algum rock dos anos 70 mas sem perder a noção de forma da canção) onde as guitarras (elétricas e acústicas) e o som de um órgão (nas mãos de Steve Winwood) ganham protagonismo. As canções são assinadas pelo vocalista Mark Hollis e por Tim Friese-Green, e traduzem o aprofundar de uma escrita que já no álbum de 1984 revelara interessantes sinais de personalidade, em Chameleon Day sugerindo, discretamente o caminho que dois anos depois os levaria a The Spirit of Eden.

Casablanca, 2006


Um olhar contemporâneo e estilizado sobre a Casablanca dos nossos dias habita a essência de What A Wonderful World, filme de Faouzi Bensaidi (Marrocos, 2006) que passou no ciclo de cinema integrado na edição deste ano do programa Próximo Futuro, da Gulbenkian. Como escrevo no blogue Sessões Contínuas, do DN, “o filme usa três personagens centrais para com elas encontrar uma história que segue um dispositivo de vidas independentes que acabam cruzadas que tem ganho expressão em variadas criações cinematográficas dos últimos anos”. Porém, “parece contudo mais interessado em trabalhar a imagem que a narrativa, os enquadramentos e situações que recorrem a uma ideia de composição visual (...) juntando-se a uma forma de olhar a cidade e as suas gentes que traduz não só uma ideia de cinefilia como sobretudo a busca de uma contemporaneidade na forma de retratar um lugar que imortalizou o seu nome no cinema em 1941 num filme de Michael Curtiz”.

Podem ler aqui o texto completo.

Em conversa: Rufus Wainwright (2)


Continuamos a publicação de uma entrevista com Rufus Wainwright que serviu de base ao artigo ‘A ambição de retratar o seu tempo’ publicado na ediçãoo de 16 de junho do DN. A entrevista decorreu na ocasião da mais recente passagem do músico por Lisboa. 

A sua ópera Prima Donna vai ter edição em disco? 
Vai ser gravada, sim! Não se escreve uma ópera para não ser gravada. Seria ridículo. Esse é um dos meus projetos futuros: a gravação da ópera. Há orquestras interessadas em fazê-lo. Isso acontecerá.

É uma ópera muito próxima de uma paixão pessoal pela ópera romântica do século XIX...
É uma ópera sobre uma cantora de ópera que canta esse material. Nunca cantaria um Samuel Barber... Então porque faria uma ópera a soar a Samuel Barber sobre uma cantora que canta o mesmo que cantava uma Maria Callas? Aproxima-se por isso muito do repertório romântico, que é de resto o meu preferido.

Damon Albarn fez recentemente uma ópera. Nico Muhly acaba de fazer outra. É um género sobre o qual houve quem dissesse em tempos que estava morto... 
O mais importante da ópera, e que é cada vez mais viável e atraente, é o facto de ser o último bastião da performance ao vivo que é completamente desligada de compromissos comerciais. Não há ideias sobre o que deve ser single, que os miúdos vão ter de gostar daquilo, que isto tem se der fácil de cantar... Nada disso! Tem o seu mundo. A ópera que escrevi é uma verdadeira ópera. É feita sem o recurso a microfones. E isso é raro. A música já não é acústica...

Se regressar à ópera retomará essas referências e espaços? 
Regressaerei a esse mundo, sim, mas terei de evoluir. Tenho de aprofundar algo... Tanto a escrita de canções como a de ópera tem para mim algo de arqueológico. Se é que há lá qualquer coisa, então tenho de escavar. Tirar a poeira e depois encontra-se a ideia... Estamos na verdade ali mais para descobrir e desenterrar as ideias.

Como separa no seu trabalho atual a divisão de atenções entre a pop e a clássica. O All Days are Nights: Songs For Lulu era um ciclo de canções que tem a sua afinidade com tradições da canção na música clássica... 
Acabo de dar os últimos retoques na edição em partitura de Lulu. Para ser publicada. Como um ciclo de canções para vozes líricas como um Wintereisse o Die Schöne Mulerin e outros ciclos de lieder. Por isso vai estar disponível para cantores. Se quiserem cantar estas canções...

Como soam as canções noutras vozes? 
Já as ouvi e são lindíssimas. Se se é um cantor de música pop ou clássica e se se é uma pessoa musical, fica sempre bem. Se não se é musical, fica um pesadelo. Isso foi o pior que passei com o mundo da música clássica. Há grandes orquestras, mas há poucas pessoas verdadeiramente musicais. Admiro as suas capacidades técnicas, e desejaria ser capaz de fazer o mesmo... Mas se não são pessoas musicais...

Como reagiu às críticas muito diferentes que a sua ópera recebeu? 
Houve críticas muito diferentes sim. Houve pessoas da música clássica que gostaram. Mas houve em algumas sinais de ira e de ceticismo... Enfim...

Sentiu isso na pele? 
Escreverei sobre isso um dia. Sobre o que se passa quando se monta uma ópera. Mas a ópera é mesmo assim. Eu, a ter de lidar com críticas brutais, com maestros empertigados. Tudo faz parte de uma grande tradição que qualquer grande compositor de ópera teve de enfrentar. Cada vez que me diziam que tinha má crítica lembrava-lhes a Carmen. Só precisava de dizer... Carmen. Estou em boa companhia.

Como lida com uma nova geração de vozes que nascem em programas de talentos na televisão? 
Não entendo o que se passa, não sei mesmo o que se está a passar. Sei que é um fenómeno enorme mas não lhe presto atenção de todo. Não porque não gosta. Mas não me interessa.

A ideia de fama alguma vez o invade a si e ao seu espaço familiar? 
Não gosto de falar demais sobre a minha família. Gosto sim de falar sobre a minha mãe porque acho que era uma das cantautoras menos reconhecidas do seu tempo. E uma das minhas missões será sempre a de continuar a dar-lhe visibilidade. Mas além disso tudo depende do dia... Tocamos muitas canções dela e da minha tia. E até fizemos um filme. Que sairá brevemente e que terá por título Sing Me The Songs That Say I Love You, que é o registo de um concerto de homenagem à minha mãe onde entraram a Norah Jones, o Antony, a Emmylou Harris.

Os concertos de família, que eram uma tradição vossa, como vão existir agora que a sua mãe, que era uma peça central em tudo isso, já não está entre nós? 
Por estranho que possa parecer a ligação entre todos está ainda mais forte. Porque a sua música é o ponto de referência. E é um trabalho tão forte que nos faz pensar como são canções tão bem escritas e tão simples de cantar. Quão naturais de tocar são. São canções que me continuam a ensinar muito a mim e à minha irmã. O Prosephina, que ela nunca gravou, é um dos momentos altos do filme, que será editado como álbum também.

Este disco que agora edita evoca memórias dos anos 70. Que memórias tem desse tempo? 
O meu pai vivia em Nova Iorque. Eu, de resto, nasci em Nova Iorque mas fui depois educado no Canadá. Mas ia muitas vezes a Nova Iorque quando era pequeno. Tenho memórias da cidade nesses tempos. 1976/77... As minhas primeiras imagens de jeans apertados, cabelos afro... Lixo mal cheiroso, crime... Era um outro mundo. E sentia um desejo por essa ideia de paraíso perdido.

Bowie revisitado (1997)


I’m Afraid of Americans foi, em outubro de 1997 quinto single extraído do alinhamento do álbum Earthling, editado no início desse mesmo ano. Quando o single foi editado a digressão que acompanhou o lançamento do disco já corria a estrada, tanto que Bowie convidou os seus parceiros de trabalho a colaborar na reinvenção de leituras da canção. Surgem assim as participações dos Nine Inch Nails ou Photek nas versões que podemos escutar no single. Uma delas serviu depois à criação do teledisco que acompanhou o lançamento do single, no qual Trent Reznor (dos Nine Inch Nails) contracena com Bowie numa sucessão de cenas filmadas em Nova Iorque.

Pode ver aqui o teledisco

quinta-feira, junho 28, 2012

Olivier Valsecchi: nudez e paisagens

Francês, nascido em 1979, Olivier Valsecchi fotografa corpos, pares e... aldeias. Há nele uma evidente integração dos mais modernos recursos tecnológicos que, em todo o caso, o mantém ligado a uma espécie de primitivismo do nu e da paisagem (ou do nu como paisagem). A sua série "Dust" [a que pertencem estas duas imagens] é exemplar: um fascínio pela maleabilidade figurativa do corpo que tende a desafiar a estabilidade clássica das formas e dos géneros. Notícias no FashionProduction, na revista Eye ou ainda no site do fotógrafo.

Nora Ephron (1941 - 2012)

Argumentista e realizadora americana, através de sucessos como Sleepless in Seatlle/Sintonia de Amor (1993), com Tom Hanks e Meg Ryan, foi determinante na actualização de modelos herdados da clássica comédia romântica: Nora Ephron sofria de leucemia, diagnosticada em 2006, tendo falecido em Manhattan, no dia 26 de Junho, de complicações decorrentes de uma pneumonia — contava 71 anos.
Se é verdade que, nas últimas décadas do cinema americano, há uma revalorização dramática e simbólica das personagens femininas, Nora Ephron foi uma figura central desse processo. O filme Silkwood/Reacção em Cadeia (1983), com Meryl Streep, poderá servir de modelo do seu trabalho: dirigido por Mike Nichols, com argumento de Ephron, nele se faz o retrato de Karen Silkwood (1946-1974), operária de uma fábrica de processamento de plutónio que se empenhou na denúncia das deficientes condições de segurança da sua unidade, vindo a morrer em circunstâncias misteriosas, nunca esclarecidas. O filme valeu a Ephron a primeira das suas três nomeações para o Oscar de melhor argumento original (que nunca ganhou); as outras duas foram para When Harry Met Sally.../Um Amor Inevitável (1989), realizado por Rob Reiner, e Sintonia de Amor. Também escritora e dramaturga, foi nos últimos anos colaboradora regular do site The Huffington Post. Assinou o seu derradeiro trabalho de realização em Julie & Julia (2009), sobre a autora de livros de culinária Julia Childs (Meryl Streep). O seu último livro, com fortes componentes autobiográficas, evocando experiências conjugais e jornalísticas, intitulou-se I Remember Nothing and Other Reflections (Knopf, 2010).

>>> Obituário no New York Times.
>>> Nora Ephron em The Huffington Post.

Um hino americano


É mais que apenas um teledisco o pequeno filme de quase oito minutos que acompanha National Anthem, o novo single de Lana del Rey. É todo um jogo de imagens plenas de sentidos que evocam simbologias caras a uma ideia identidade americana. Da bandeira e de todo um discurso que envolve referencias como dinheiro e sucesso (pilares de toda uma mitologia do tal “sonho” que tantas vezes surgiu contado em livros, filmes e canções), às evocações de memórias de figuras como Marilyn Monroe e Jackie Kennedy (ambas “vestidas” por Lana del Rey) ou de John Kennedy (interpretado pelo rapper ASAP Rocky), este é um verdadeiro hino americano. Um hino que não é coisa nostálgica (apesar do tom das imagens que nos remetem para a memória do Super 8), mas coisa do nosso tempo. Afinal não é por acaso que a figura que evoca Kennedy neste teledisco é um negro (num tempo em que é Barack Obama quem mora na Casa Branca). A realização é de Anthony Mandler.

Discos pe(r)didos:
The Auteurs, New Wave


The Auteurs 
“New Wave” 
Hut Records 
(1993) 

Em inícios dos anos 90 as duas grandes esperanças apontadas em finais dos oitentas a ocupar o lugar deixado vago pelos Smiths no patamar de uma certa tradição pop britânica feita com guitarras davam sinais de não corresponder às expectativas. Os The La’s editavam um álbum e ponto final. E os House of Love, apesar dos feitos notáveis somados entre 1988 e 89, perdiam viço e admiradores a cada novo disco que iam lançando depois de terem saído da independente Creation Records que os vira nascer (discograficamente falando, claro). Ao mesmo tempo os focos de agitação de Manchester e arredores (dos Stone Roses aos Charlatans e outros mais), onde estas heranças se cruzavam com ecos da nova cultura de dança, iam esmorecendo... É então que entram em cena nomes que em breve mudariam o panorama, construindo uma realidade de protagonismo partilhado (sem repetir contudo nunca o estatuto quase transversal e profundamente influente da banda que nos revelou a figura e voz de Morrissey). Os Blur iam já talhando um caminho que, a seu tempo, deles faria um dos nomes centrais da sua geração, mas estavam ainda longe de merecer o justo reconhecimento transversal que teriam pouco depois. E é por volta de 1992 e 93 que começamos a ouvir falar em bandas como os Radiohead (que lançam Pablo Honey em 1993), Suede (que editam o seu belíssimo álbum de estreia no mesmo ano) e os Auteurs que, entre os seus contemporâneos são talvez os autores do mais interessante (e curiosamente mais esquecido) dos álbuns que reativaram o foco de interesse pela pop talhada a guitarras que, de certa maneira, abre caminho para a manifestação maior de euforia mediática que pouco depois ganharia forma sob rótulo brit pop (há quem discuta a relação da banda e do seu disco de estreia com o movimento, mas o relacionamento possível parece mais coincidência de tempo, lugar e contexto que outra coisa, o brit pop seguindo depois caminhos com uma relação popular que nada teve de comum com o caminho mais discreto e feito de marcas autorais dos Auteurs).
Quem eram, então, os Auteurs? Acima de tudo, o veículo para dar corpo às canções e histórias cantadas por Luke Haines. Nascido em 1967, Haines tinha já assinado um passo com relevância histórica ao ver a sua banda anterior, os The Servants, ser incluída no alinhamento da mítica cassete C86, lançada pelo NME, que tantas ideias semeou no mapa futuro da cena pop/rock alternativa. Em 1991 junta uma série de músicos, alguns vindos da banda anterior, e forma os Auteurs, que chamam atenções a tocar à volta de Londres no ano seguinte, chegando a disco em 1993 com New Wave, um álbum que deixa não só evidentes as heranças clássicas que os definem – Kinks, Beatles, Bowie – e um impressionante conjunto de canções de brilhante alma narrativa, contando sobretudo histórias desencantadas, muitas delas vividas entre o mundo do espetáculo e da fama e suas periferias. Juntando temas como Show Girl, Bailed Out ou Starstruck, o disco cativou mais atenções junto da crítica que do público. Mas ajudou a abrir caminho a um recentrar de atenções do panorama pop britânico junto de heranças mais clássicas, a Luke Haines (sem dúvida um dos grandes escritores de canções da sua geração) tendo faltado talvez a imagem e carisma (e talvez o valor acrescentado de aposta da sua editora) que fez de Jarvis Cocker (Pulp) ou Brett Anderson (Suede) os rostos dos tempos que se seguiriam. Mesmo sem a mesma exposição mediática, Haines foi desenvolvendo notável obra em disco, quer através dos Auteurs (que se separam em 1999) ou projetos subsequentes, entre os quais os Black Box Recorder, a melhor das bandas pop mais esquecidas da década dos zeros. Quase 20 anos depois, New Wave é uma pérola a (re)descobrir. Um episódio na história de uma tradição clássica a que o tempo ainda não deu o merecido reconhecimento.

E depois do álbum 
Com os Auteurs, Luke Haines editaria ainda mais três álbuns de originais até 1999. Criou depois o projeto pontual Baader Meinhof, mais tarde os Black Box Recorder, estes já em clima pop (com electrónicas). Fez música para cinema e nos últimos anos tem editado discos em nome próprio.

Why?... O regresso (e um aperitivo)


O projeto Why?, um dos nomes de referencia do catálogo da Anticon, regressa aos discos este ano e anuncia para meados de agosto o lançamento de um novo EP. Ao que se seguirá, no outono, um novo álbum. Para já podemos escutar no site oficial da banda o tema que dá título ao EP: Sod in the Seed.

Podem ouvir aqui o tema novo.

Em conversa: Rufus Wainwright (1)


Iniciamos hoje a publicação de uma entrevista com Rufus Wainwright que serviu de base ao artigo ‘A ambição de retratar o seu tempo’ publicado na ediçãoo de 16 de junho do DN. A entrevista decorreu na ocasião da mais recente passagem do músico por Lisboa. 

Como se decide, no quadro de uma carreira que não gosta de se repetir, a forma de dar o passo seguinte? Ou seja, como se vai de uma ópera para um ciclo de canções para voz e piano e, daí, para um álbum claramente pop [o recente Out Of The Game] com alma escutada em memórias dos anos 70? 
Desta vez foi fácil, porque tive experiências muito intensas, tanto pessoais como profissionais nos últimos três anos. A morte da minha mãe, o nascimento da minha filha, a composição e estreia de uma ópera, uma digressão mundial a solo, com penas (risos)... Estava num tornado de escuridão. E quando tudo acabou eu sabia, de forma muito instintiva, que precisava de parar. Precisava de me divertir e de trabalhar num álbum que procurasse celebrar o lado positivo da vida. O Mark [Ronson] foi a pessoa perfeita para o fazer comigo. É claro que ainda amo o mundo da música clássica e quero escrever uma outra ópera e continuar a trabalhar nesse domínio e a fazer essa viagem. Mas estava horrorizado pelas maquinações daquela existência. Muitos dos meus sonhos ficaram destruídos depois de trabalhar com orquestras, cantores de ópera e maestros. Apercebi-me que é um ambiente rígido, duro e mesmo brutal. E ao sentir tudo isso desenvolvi em mim um gosto redescoberto pelo que eram as minhas origens, que é o mundo da música pop. Por isso regressei a esse mundo e tomei-o de braços abertos. Agora, que já estou na estrada há algum tempo, já começo a pensar em escrever uma outra ópera. Acho que sou um amante muito inconstante (risos)....

Hoje vê-se que é um homem feliz. O que sente ao reencontrar as canções do tempo de Poses, que ainda canta ao vivo? São retratos de um tempo mais assombrado... 
Ainda canto algumas dessas canções em concertos. Um dos aspetos mais importantes do meu trabalho tem a ver com uma tentativa de apontar nas direções certas. Posso não estar lá quando componho, mas tento manter-me positivo. Ainda há dias estava em Israel e cantei o Dinner At Eight, que hoje raramente toco... E acabei devastado, porque é uma canção bem triste. Mas esses são tijolos de tristeza entre os tijolos que fazem este castelo. E temos de respeitar as nossas próprias fundações. Ou tudo vai rio abaixo.

No pólo oposto, Montauk é um dos temas mais luminosos deste novo disco. No DVD que acompanha o disco fala nas relações com a música de Philip Glass que ali cita... É no fundo mais uma ligação aos anos 70 que definem o clima do álbum? 
Nos anos 70, ao mesmo tempo que havia uma cena soul e uma cena folk rock, havia também um Philip Glass. E essa é a ligação a que me refiro.

É uma canção sobre homoparentalidade... 
Fala de uma relação entre dois pais e uma criança. Tecnicamente pode ser mesmo a primeira canção feita sobre este tema, pelo menos a este patamar mainstream. Não me lembro de uma outra canção que fale em dois pais... Aqui derroto o Elton John...

A sua obra e, também as entrevistas que dá e o que diz em palco sempre deixaram vincada uma grande abertura ao debate de questões ligadas com a sexualidade. Não teme que esses assuntos possam por vezes dominar focos dos media sobre si?
Não... Não posso deixar de discutir estes assuntos porque os acho importantes de ser falados. E são a vida, o amor, o sexo... Em agosto caso-me com o meu namorado. E é irónico porque, em tempos, não era um grande partidário do casamento gay. Até me opunha à ideia... Mas ao fim de estar cinco anos numa relação comecei a encarar a ideia de outra maneira. Mas resolvemos avançar e, de repente, o Joe Biden e o Presidente Obama começam a falar do assunto e tudo ganha ainda maior visibilidade nos EUA. Por isso talvez façamos parte de algo maior que está a acontecer. Por isso não tem a ver comigo. Somos parte de um movimento...

Nesse sentido, Montauk pode ser um retrato deste tempo? 
Sim, certamente. Ao mesmo tempo, ao ser um amante da música clássica, vejo que figuras como Verdi, Wagner, Mahler, Tchaikovsky, todos os grandes compositores, todos eles eram pessoas do seu tempo. Todos refletiam a sociedade daquele tempo e foi isso que os fez viáveis e imortais. Porque representavam o que se estava a passar. Não sei se o farei alguma vez com o meu trabalho na música clássica, mas creio que com as minhas canções estou a alcançar coisas que são reais.
(continua)

Bowie revisitado (1967)


Foi em 1969, ao som de Space Oddity, que muitos repararam no nome de David Bowie pela primeira vez. Mas na verdade o músico já editava discos desde 1964, e em 67 lançara mesmo um primeiro álbum que passara a leste das atenções. Um dos singles extraídos do alinhamento de David Bowie foi este Love You Till Tuesday, lançado a 14 de julho de 1967. Apesar de algumas boas opiniões na imprensa, acabou ignorado...

Revisitando "Justify My Love"

Com o desenvolvimento da MDNA Tour, começam a surgir na Net algumas das imagens utilizadas nos cenários de fundo: são verdadeiros telediscos que, para além de explorarem as potencialidades da tela tripartida, retomam, reconvertem e reinventam outros momentos da obra videográfica de Madonna.
O caso de Justify My Love é exemplar. Desde logo, porque refaz a calculada desmontagem do voyeurismo já ensaiada no célebre teledisco original da canção (dirigido por Jean-Baptiste Mondino); depois, porque desta vez Madonna se expõe enquanto personagem sem par, vigiada por uma câmara, de alguma maneira abandonando o espectador na mesma solidão em que ela própria se encena — são momentos muito belos de uma muito crua, e também muito cruel, estética do desejo.

quarta-feira, junho 27, 2012

Yeasayer: mais um aperitivo

Continuamos a descobrir, aos poucos, as canções que farão parte do novo álbum dos Yeasayer, a editar em agosto. Depois de Henrietta, novo aperitivo serve-se agora ao som de Longevity. Aqui ficam as imagens, com assinatura de Yoshi Sodeoka.

Novas edições:
Santigold, Master of My Make Believe


Santigold 
“Master of My Make Believe” 
Atlantic / Warner 
4 / 5

Foram quatro anos de espera. Editado em 2008, Santogold escutava ideias além do horizonte dos acontecimentos do firmamento então corrente e lançava, num espaço onde se cruzava a angulosidade de heranças da cultura new wave com o state of the art das “danças” (do dub ao dub step), sugestões que o tempo viu outras vozes, entretanto a assimilar e fazer o vocabulário corrente do nosso tempo. Em quatro anos o “o” do nome deu lugar ao “i” (na verdade aproximando-se da verdade do seu nome, Santi White) e geriu bem os tempos de ausência. Agora, quatro anos depois, Master of My Make Believe dá o passo certo em frente, contribuindo para um repensar da escrita pop numa encruzilhada de referencias que, tal como no álbum de estreia, sabem cruzar heranças com linhas que definem o presente, uma vez mais lançando os objetivos (e as canções) algures num futuro próximo. Go!, com Karen O dos Yeah Yeah Yeahs pode dar o mote, mas tal como a imagem da capa do álbum sugere, Santi White sabe que tem vários rostos e a sua música vários corpos. Pelo que o alinhamento do álbum sugere uma experiência de constante surpresa e dinamismo, ora caminhando entre a assimilação de ecos da cultura dub, a convivência com um modo muito atual de criar cenografias com recurso às eletrónicas ou reencontros com latitudes dubstep, sem contudo esquecer memórias estruturantes que passam pela Nova Iorque de inícios dos oitentas via Talking Heads ou Tom Tom Club (This Isn’t Our Parade) ou da Londres multi-cultural pós-punk, via Bow Wow Wow (The Keepers). Memórias e um presente (que se vinca em colaborações com nomes como Dave Stiek, dos TV on The Radio ou os Buraka Som Sistema) cruzam-se para repensar, como o fizeram já tantos outros espíritos inquietos, novas expressões e visões possíveis numa gramática pop. Porque, no fim, e apesar da multidão de linguagens e formas que o disco de Santigold convoca (e arruma de forma exemplar), nunca deixamos de sentir que há aqui uma vontade maior em manter firme uma ideia de canção pop. E tal como em 2008, Santigold volta a fazer sua a expressão do que é o mais entusiasmante presente neste domínio.

Nos 30 anos de 'Blade Runner'


Estreou a 25 de junho de 1982. Ou seja, faz esta semana 30 anos. Realizado por Ridley Scott, Blade Runner – Perigo Iminente (foi assim que estreou entre nós) parte de um texto histórico de Philip K Dick Do Androids Dream of Electric Sheep – para no fundo refletir sobre o que é, afinal, ser humano... O filme acompanha um agente da polícia (interpretado por Harrison Ford) que opera numa brigada que tem por missão identificar e abater “replicants” (no fundo andróides de aparência igual à de um ser humano, mas criados artificialmente) que tenham saído dos espaços de trabalho a que foram destinados. Na essência da narrativa mora porém uma variação do mesmo sonho que animava Pinóquio: o desejo dessas réplicas de nós mesmos em ser mais que uma máquina (com tempo de ativação e de fim de vida pré-determinados). No fundo, expressando um desejo que é, na verdade, coisa já de si profundamente humana.
O que fez de Blade Runner um clássico maior do cinema de ficção científica não foi apenas o fulgor de uma narrativa (que mostra de facto marcas do melhor da literatura do género) ou os trabalhos de composição das personagens (destacando naturalmente a figura de Deckard trabalhara por Harrison Ford, mas também a do replicant criado por Rutger Hauer). A visão de uma Los Angeles do futuro, coisa sombria, onde os edifícios das corporações que expressam o poder contrastam com o panorama sujo das ruas, onde a tecnologia de ponta convive com soluções artesanais, onde a publicidade (e as próprias ementas dos restaurantes de rua) revela uma expressão dominante da cultura asiática, dotaram o filme de uma visão que sublinha uma credível caracterização de um tempo e um lugar.

Lana veste a pele de Jackie

Lana del Rey vai interpretar a figura de Jacqueline Kennedy no teledisco que brevemente acompanhará o lançamento do single National Anthem. Enquanto não chega o teledisco está já disponível um teaser que podemos ver aqui.

Ciclo Próximo Futuro (1)


Começou ontem, no Anfiteatro ao Ar Livre da Gulbenkian, o ciclo de cinema associado à edição 2012 do programa Próximo Futuro. A sessão de abertura contou com a projeção de Fallen Angels Paradise (Egito, 2000), filme de Ousama Fawzi.

Sobre o filme, escrevi no blogue do DN Sessões Contínuas (dedicado ao acompanhamento de festivais de cinema): “A ideia de repensar a essência de uma narrativa num outro tempo e num outro lugar é desafio que pode juntar interessantes pontos de vista à matéria prima que temos como ponto de partida. Neste caso partimos de Dona Flor e Seus Dois Maridos, de Jorge Amado, romance publicado nos anos 60 que nos transporta para a Bahia, nos anos 40. Em Gannat al shayateen (filme egípcio do ano 2000 que se apresenta sob o título internacional Fallen Angels Paradise) Ousama Fawzi capta ecos do Vadinho de Jorge Amado, projetando-os em Tabl, um sem-abrigo que vive no bas fond de um Cairo desencantado no presente. A morte de Tabl (por overdose que se crê acidental) desencadeia a narrativa.”

Podem ler aqui o texto completo.

Bowie revisitado (1978)


Os contrastes moraram sempre na obra de David Bowie. E não foram raros os momentos em que a um êxito monumental se seguiu um single pelo qual quase ninguém deu pela sua presença. Eis um desses casos. Editado apenas quatro meses após Heroes, o tema título do segundo álbum que lançou em 1977, Beauty and The Beast era o segundo tema que extraía do alinhamento do disco para edição em single. Com Sense Of Doubt no lado B, passou bem a leste das atenções.

Podem ver aqui imagens de uma interpretação de Beauty and The Beast na televisão alemã em 1978.

Madonna sob o signo de Tarantino

A aproximação de Gang Bang (álbum: MDNA) do clássico Bang Bang, interpretado por Nancy Sinatra (original de Cher, publicado em 1966) é algo que tem tanto de imediato como de visceral. Robin Skouteris & Pat Scott tomaram a questão à letra, reencenando a canção de Madonna numa poderosa remistura: The Gang Bang Theory é um caso invulgar de um trabalho que não se limita a formatar o original para pistas de dança, antes propondo uma recriação com tanto de metódico como de paródico — o teledisco de Panos T. aí está para o demonstrar.
A principal referência convocada é... Quentin Tarantino! Uma Thurman sai do duplo Kill Bill (2003 + 2004) para reviver as suas aventuras em paralelo com uma Madonna altiva, primeiro de emblemáticos óculos escuros, depois conduzindo um Chevrolet Camaro (cujas cores, amarelo e preto, rimam com a moto que Thurman conduz no filme de Tarantino). Ironia tingida de sarcasmo: as imagens de Madonna — as primeiras de Star (2001), curta-metragem para a série The Hire, da BMW; as segundas do teledisco de What It Feels Like for a Girl (2001) — pertencem a filmes dirigidos pelo ex-marido da cantora, Guy Ritchie.
A integração do som (e das imagens!) de Nancy Sinatra é admirável. São ainda citados Bon Jovi (You Give Love A Bad Name) e Drowing Pool (Bodies). A abrir, uma legenda avisa as almas mais vulneráveis: "Conteúdo chocante, incluindo violência, sangue, calão e Madonna." Estão avisados.

terça-feira, junho 26, 2012

Sound + Vision Magazine
hoje às 18.30 na Fnac Chiado

A edição deste mês do Sound + Vision Magazine antecipa aquele que será o grande destaque do mês de julho no blogue: a celebração dos 100 anos dos estúdios Paramount. A sessão passa ainda pela apresentação de Banga, o álbum que assinala o regresso aos discos de Patti Smith e ainda o novo disco de Fiona Apple. Assinalamos também a chegada da edição comemorativa dos 25 anos de Graceland, álbum histórico de Paul Simon. E a recente passagem de Madonna por Coimbra não será naturalmente esquecida. É mais logo à tarde, pelas 18.30, na Fnac Chiado.

segunda-feira, junho 25, 2012

Bobby Womack: a resistência

Há protagonistas da cena musical cujo som associamos de imediato a uma ideia de resistência. Desde logo, porque a sua fidelidade a matrizes tradicionais persiste para além de todos os abalos mais ou menos fúteis das modas. Depois, porque sentimos também que tal fidelidade é essencial a uma dimensão intimista, não necessariamente autobiográfica, do seu labor. Bobby Womack, por exemplo. A sua pluralidade criativa — soul, funk, rock'n'roll... — persiste num novo álbum, The Bravest Man in the Universe (XL Records), uma antologia de exercícios devidamente encenados e ritmados pela produção de Damon Albarn (recorde-se que Womack colaborou em dois registos dos Gorillaz) e Richard Russell (fundador e proprietário da XL Recordings). Whatever Happened To The Times pode servir de exemplo modelar, para mais com um teledisco devidamente galáctico.


>>> Site oficial de Bobby Womack.

"The Truman Show"... ou a histeria do futebol

Jim Carrey, THE TRUMAN SHOW (1998)
Jim Carrey em The Truman Show é o protótipo do modo como as televisões passaram a conceber cada um dos seus espectadores: militantemente ignorantes, compulsivamente "felizes"... As tendências dominantes da cobertura informativa (?) do Euro2012 não andam longe disso. E constituem um capítulo lamentável de um "patriotismo" sem pudor, avesso a qualquer forma de inteligência — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 Junho), com o título 'O futebol como destino televisivo'.

Muitas imagens televisivas passaram a viver em regime de “des-responsabilização” discursiva. Que quer isto dizer? Não necessariamente que os respectivos profissionais sejam irresponsáveis (há boas razões para acreditarmos que a esmagadora maioria não é). Antes que a televisão promove, todos os dias, uma espécie de naturalização das suas próprias linguagens cujo principal efeito ideológico é: “Mostramos as coisas assim porque... as coisas são assim”. Ora, mais do que nunca, importa lembrar que as coisas nunca são “assim”, no sentido em que são também (sempre!) o modo como as mostramos, descrevemos, avaliamos e pensamos.
O Euro2012, por exemplo. Mais concretamente: a presença da selecção portuguesa no Euro2012. Há algum tempo que não se assistia a uma tão histérica abordagem, transformando um acontecimento obviamente importante (a presença de uma equipa portuguesa numa grande competição internacional) numa antologia de lugares-comuns em que o nacionalismo mais pueril se combina com a consagração de uma psicologia de bolso, quase sempre protagonizada por alguns repórteres que se assumem como sacerdotes de uma “transcendência” caricatural. Exemplos? São às dezenas, todos os dias. Registo apenas um (que, confesso, me siderou para além de tudo o que pudesse imaginar). Foi no dia posterior à derrota da Alemanha, com as banalíssimas imagens da chegada dos jogadores portugueses ao seu hotel. Ainda sob o efeito de uma lesão de evolução incerta, Nani passou rapidamente pelas câmaras, usando uns grandes auscultadores na cabeça. Porquê? Explicava o repórter em tom dramático: era um “sinal” de isolamento e preocupação... Quando a “análise” chega a este cúmulo de ridículo, tudo é possível. Isto é: a televisão não reconhece limites à sua formatação dos olhares.
Há uma moral demagógica que, com frequência, tenta resistir a qualquer reflexão sobre estas questões de linguagem. Assim, questionar a cobertura jornalística da selecção (quase incluindo as idas dos jogadores à casa de banho...) seria uma tentativa de diminuir e difamar as qualidades do próprio futebol português. Ora, mais uma vez, importa também lembrar que a reflexão proposta é totalmente exterior aos resultados conseguidos em campo. Dito de forma muito directa: mesmo que Portugal venha a vencer o Euro2012, isso não apaga o desastre comunicacional que tem sido a exaltação tristemente “patriótica” com que muitas abordagens televisivas massacram, durante pelo menos um mês, o país inteiro.
Dir-se-ia que nos querem fazer viver no mesmo delírio de “felicidade” a que a personagem de Jim Carrey era, literalmente, coagida nesse filme fabuloso, e muito pedagógico, que é The Truman Show/A Vida em Directo (1998), de Peter Weir. Como se a lógica dos reality shows tivesse ocupado todo o tecido social, reduzindo cada espectador a uma marioneta de um destino televisivo, sem alternativa.

Uma noite em Coimbra

Foto DN
Foi melhor que o que poderia esperar. Um concerto que, este sim re-inventa a maneira de Madonna viver o palco, finalmente encontrando um novo patamar que as digressões mais recentes não tinham visitado.

No texto que publiquei hoje no DN digo "Nem sempre podemos julgar uma digressão pelo álbum que a motiva e lhe dá nome. E a MDNA Tour de Madonna, baseada num dos discos menos cativantes da sua discografia, é desta ideia um bom exemplo sendo espaço para um dos seus concertos cénica e musicalmente mais dignos do estatuto que há já 30 anos a cantora si chama. De resto, depois de ter visto dois exemplos de digressões apenas (muito) competentes, finalmente Madonna trouxe a Portugal um concerto ao nível da Drowned World Tour de 2001 ou da Confessions Tour de 2005, paradigmas (juntamente com a célebre Blonde Ambition, de 1990) de uma forma de estar em palco que definiu e estabeleceu como modelo de referencia. Afinal, num meio - o da música - onde é quem compra os discos e bilhetes dos concertos quem decide quem elege, não se é "rainha" por acaso."

Podem ler aqui o texto completo.

E aqui um retrato do concerto canção a canção.

E aqui uma galeria de imagens que o DN publica hoje na edição online

Sarah Vaughan com (e sem) Count Basie

No Count Sarah (1958) é um fabuloso álbum de estúdio de Sarah Vaughan com músicos da orquestra de Count Basie... mas sem Count Basie. Incluindo clássicos como Smoke Gets in Your Eyes (Otto Harbach, Jerome Kern), Just One of Those Things (Cole Porter) e Cheek to Cheek (Irving Berlin), está de novo disponível numa das edições duplas (dois registos em vinyl reunidos num só CD) com chancela da MasterJazz Records — o segundo álbum é After Hours at the London House (1959), gravado no lendário clube de Chicago, precisamente com alguns músicos de No Count Sarah. O conjunto foi lançado com a designação de "Sarah Vaughan & the Basie-ites" e devolve-nos a emoção radical de uma verdadeira diva do jazz. Aqui em baixo, num ficheiro do YouTube apenas de som, podemos escutar a versão de You'd Be So Nice To Come Home To (Cole Porter) incluída no registo ao vivo.


>>> Sarah Vaughan na Last.fm.
>>> Sobre a Count Basie Orchestra.