sexta-feira, junho 29, 2012

Em conversa: Rufus Wainwright (2)


Continuamos a publicação de uma entrevista com Rufus Wainwright que serviu de base ao artigo ‘A ambição de retratar o seu tempo’ publicado na ediçãoo de 16 de junho do DN. A entrevista decorreu na ocasião da mais recente passagem do músico por Lisboa. 

A sua ópera Prima Donna vai ter edição em disco? 
Vai ser gravada, sim! Não se escreve uma ópera para não ser gravada. Seria ridículo. Esse é um dos meus projetos futuros: a gravação da ópera. Há orquestras interessadas em fazê-lo. Isso acontecerá.

É uma ópera muito próxima de uma paixão pessoal pela ópera romântica do século XIX...
É uma ópera sobre uma cantora de ópera que canta esse material. Nunca cantaria um Samuel Barber... Então porque faria uma ópera a soar a Samuel Barber sobre uma cantora que canta o mesmo que cantava uma Maria Callas? Aproxima-se por isso muito do repertório romântico, que é de resto o meu preferido.

Damon Albarn fez recentemente uma ópera. Nico Muhly acaba de fazer outra. É um género sobre o qual houve quem dissesse em tempos que estava morto... 
O mais importante da ópera, e que é cada vez mais viável e atraente, é o facto de ser o último bastião da performance ao vivo que é completamente desligada de compromissos comerciais. Não há ideias sobre o que deve ser single, que os miúdos vão ter de gostar daquilo, que isto tem se der fácil de cantar... Nada disso! Tem o seu mundo. A ópera que escrevi é uma verdadeira ópera. É feita sem o recurso a microfones. E isso é raro. A música já não é acústica...

Se regressar à ópera retomará essas referências e espaços? 
Regressaerei a esse mundo, sim, mas terei de evoluir. Tenho de aprofundar algo... Tanto a escrita de canções como a de ópera tem para mim algo de arqueológico. Se é que há lá qualquer coisa, então tenho de escavar. Tirar a poeira e depois encontra-se a ideia... Estamos na verdade ali mais para descobrir e desenterrar as ideias.

Como separa no seu trabalho atual a divisão de atenções entre a pop e a clássica. O All Days are Nights: Songs For Lulu era um ciclo de canções que tem a sua afinidade com tradições da canção na música clássica... 
Acabo de dar os últimos retoques na edição em partitura de Lulu. Para ser publicada. Como um ciclo de canções para vozes líricas como um Wintereisse o Die Schöne Mulerin e outros ciclos de lieder. Por isso vai estar disponível para cantores. Se quiserem cantar estas canções...

Como soam as canções noutras vozes? 
Já as ouvi e são lindíssimas. Se se é um cantor de música pop ou clássica e se se é uma pessoa musical, fica sempre bem. Se não se é musical, fica um pesadelo. Isso foi o pior que passei com o mundo da música clássica. Há grandes orquestras, mas há poucas pessoas verdadeiramente musicais. Admiro as suas capacidades técnicas, e desejaria ser capaz de fazer o mesmo... Mas se não são pessoas musicais...

Como reagiu às críticas muito diferentes que a sua ópera recebeu? 
Houve críticas muito diferentes sim. Houve pessoas da música clássica que gostaram. Mas houve em algumas sinais de ira e de ceticismo... Enfim...

Sentiu isso na pele? 
Escreverei sobre isso um dia. Sobre o que se passa quando se monta uma ópera. Mas a ópera é mesmo assim. Eu, a ter de lidar com críticas brutais, com maestros empertigados. Tudo faz parte de uma grande tradição que qualquer grande compositor de ópera teve de enfrentar. Cada vez que me diziam que tinha má crítica lembrava-lhes a Carmen. Só precisava de dizer... Carmen. Estou em boa companhia.

Como lida com uma nova geração de vozes que nascem em programas de talentos na televisão? 
Não entendo o que se passa, não sei mesmo o que se está a passar. Sei que é um fenómeno enorme mas não lhe presto atenção de todo. Não porque não gosta. Mas não me interessa.

A ideia de fama alguma vez o invade a si e ao seu espaço familiar? 
Não gosto de falar demais sobre a minha família. Gosto sim de falar sobre a minha mãe porque acho que era uma das cantautoras menos reconhecidas do seu tempo. E uma das minhas missões será sempre a de continuar a dar-lhe visibilidade. Mas além disso tudo depende do dia... Tocamos muitas canções dela e da minha tia. E até fizemos um filme. Que sairá brevemente e que terá por título Sing Me The Songs That Say I Love You, que é o registo de um concerto de homenagem à minha mãe onde entraram a Norah Jones, o Antony, a Emmylou Harris.

Os concertos de família, que eram uma tradição vossa, como vão existir agora que a sua mãe, que era uma peça central em tudo isso, já não está entre nós? 
Por estranho que possa parecer a ligação entre todos está ainda mais forte. Porque a sua música é o ponto de referência. E é um trabalho tão forte que nos faz pensar como são canções tão bem escritas e tão simples de cantar. Quão naturais de tocar são. São canções que me continuam a ensinar muito a mim e à minha irmã. O Prosephina, que ela nunca gravou, é um dos momentos altos do filme, que será editado como álbum também.

Este disco que agora edita evoca memórias dos anos 70. Que memórias tem desse tempo? 
O meu pai vivia em Nova Iorque. Eu, de resto, nasci em Nova Iorque mas fui depois educado no Canadá. Mas ia muitas vezes a Nova Iorque quando era pequeno. Tenho memórias da cidade nesses tempos. 1976/77... As minhas primeiras imagens de jeans apertados, cabelos afro... Lixo mal cheiroso, crime... Era um outro mundo. E sentia um desejo por essa ideia de paraíso perdido.