Pascal Greggory e Julie Depardieu [na imagem] protagonizam O Casamento a Três, filme do francês Jacques Doillon que chegou recentemente às salas. Bom pretexto para relançarmos uma reflexão sobre as memórias cinéfilas e uma cultura... sem memória — este texto foi publicado no Diário de Notícias (22 de Agosto), com o título 'A propósito de um filme francês'.
Chegou esta semana às salas portuguesas O Casamento a Três, filme escrito e dirigido pelo francês Jacques Doillon, com produção do português Paulo Branco. Centrado nas atribulações emocionais de um dramaturgo (Pascal Greggory) que coloca a hipótese de incluir a ex-mulher (Julie Depardieu) no elenco da sua nova peça, trata-se de uma comédia dramática, subtil e elegante, que retoma toda uma tradição romanesca que, em França, nos remete para as referências tutelares de Jean Renoir, Max Ophuls ou François Truffaut.
Face à discreta inteligência do filme, recheada de um humor também ele discreto e visceral, não pude deixar de me colocar uma pergunta que, mesmo enquanto dúvida cinéfila, não é mais do que didacticamente comercial. Ou seja: como é que o espectador corrente de outros filmes em exibição, como Os Mercenários ou O Último Airbender, reagirá a O Casamento a Três? A resposta só pode ser cruamente linear: esse espectador nem sequer terá qualquer tipo de reacção, já que não irá ver o filme de Doillon [foto].
Bem sei que colocar tal pergunta atrai todos os guardiões de uma estupidez cultural (ou de uma cultura da estupidez) que conheço, na prática, há mais de três décadas. A saber: os “críticos” só gostam de filmes que mais ninguém quer ver e, além do mais, detestam as grandes produções americanas. Nem sequer vou perder tempo a evocar a pluralidade, e também as contradições, de mais de trinta anos de história da critica de cinema em Portugal. Muito menos a voltar a defender as maravilhas que me levam a pensar que Hollywood continua a ser o principal centro criativo do mundo do cinema (veja-se, a esse propósito, o fulgor de A Origem, de Christopher Nolan, e a sábia ironia de Salt, com Angelina Jolie [foto]). Recordarei apenas que favorecer a ignorância da herança de Renoir, Ophuls e Truffaut, para além da miséria cultural que representa, é também um crasso erro comercial.
A solidão comercial de filmes como O Casamento a Três não tem nada a ver com a defesa de um cinema “sério” contra um cinema dito de “divertimento” (essa dicotomia pode servir para os mais cínicos insultarem os “intelectuais”, mas não serve para mais nada). O que está em causa é de outra natureza.
Assim, é salutar que os espectadores correntes de futebol (em que me incluo) conheçam referências como Pelé, Eusébio ou Beckenbauer [foto]. Mais do que isso: que saibam situá-los numa história imensa, contrastada e fascinante. Tendo isso em conta, como avaliamos os espectadores de filmes, muitos eles crianças e adolescentes, educados para acreditar que o cinema são explosões atrás de explosões, pontuadas por ruídos mais ou menos ensurdecedores? E, já agora, a pergunta incontornável: será que as televisões, consagrando diariamente a mediocridade das telenovelas, estão a assumir as suas responsabilidades narrativas, inerentes ao facto de integrarem o espaço audiovisual?
Chegou esta semana às salas portuguesas O Casamento a Três, filme escrito e dirigido pelo francês Jacques Doillon, com produção do português Paulo Branco. Centrado nas atribulações emocionais de um dramaturgo (Pascal Greggory) que coloca a hipótese de incluir a ex-mulher (Julie Depardieu) no elenco da sua nova peça, trata-se de uma comédia dramática, subtil e elegante, que retoma toda uma tradição romanesca que, em França, nos remete para as referências tutelares de Jean Renoir, Max Ophuls ou François Truffaut.
Face à discreta inteligência do filme, recheada de um humor também ele discreto e visceral, não pude deixar de me colocar uma pergunta que, mesmo enquanto dúvida cinéfila, não é mais do que didacticamente comercial. Ou seja: como é que o espectador corrente de outros filmes em exibição, como Os Mercenários ou O Último Airbender, reagirá a O Casamento a Três? A resposta só pode ser cruamente linear: esse espectador nem sequer terá qualquer tipo de reacção, já que não irá ver o filme de Doillon [foto].
Bem sei que colocar tal pergunta atrai todos os guardiões de uma estupidez cultural (ou de uma cultura da estupidez) que conheço, na prática, há mais de três décadas. A saber: os “críticos” só gostam de filmes que mais ninguém quer ver e, além do mais, detestam as grandes produções americanas. Nem sequer vou perder tempo a evocar a pluralidade, e também as contradições, de mais de trinta anos de história da critica de cinema em Portugal. Muito menos a voltar a defender as maravilhas que me levam a pensar que Hollywood continua a ser o principal centro criativo do mundo do cinema (veja-se, a esse propósito, o fulgor de A Origem, de Christopher Nolan, e a sábia ironia de Salt, com Angelina Jolie [foto]). Recordarei apenas que favorecer a ignorância da herança de Renoir, Ophuls e Truffaut, para além da miséria cultural que representa, é também um crasso erro comercial.
A solidão comercial de filmes como O Casamento a Três não tem nada a ver com a defesa de um cinema “sério” contra um cinema dito de “divertimento” (essa dicotomia pode servir para os mais cínicos insultarem os “intelectuais”, mas não serve para mais nada). O que está em causa é de outra natureza.
Assim, é salutar que os espectadores correntes de futebol (em que me incluo) conheçam referências como Pelé, Eusébio ou Beckenbauer [foto]. Mais do que isso: que saibam situá-los numa história imensa, contrastada e fascinante. Tendo isso em conta, como avaliamos os espectadores de filmes, muitos eles crianças e adolescentes, educados para acreditar que o cinema são explosões atrás de explosões, pontuadas por ruídos mais ou menos ensurdecedores? E, já agora, a pergunta incontornável: será que as televisões, consagrando diariamente a mediocridade das telenovelas, estão a assumir as suas responsabilidades narrativas, inerentes ao facto de integrarem o espaço audiovisual?