M. Night Shyamalan, o realizador de filmes notáveis como O Sexto Sentido (1999) ou A Vila (2004), é também o mesmo nome que assina o medíocre O Último Airbender — este texto foi publicado no Diário de Notícias (13 de Agosto), com o título 'Bruscamente neste Verão cinematográfico'.A Teoria dos Autores, valorizando o universo específico de cada cineasta, é uma bela herança dos tempos heróicos da Nova Vaga francesa, quando escrever crítica e fazer filmes eram actividades que se moviam numa singular cumplicidade criativa. Podemos discutir alguns dos seus efeitos teóricos, simbólicos e até económicos, mas é um facto que, hoje como ontem, há muitos realizadores de filmes que se distinguem por uma genuína marca autoral. M. Night Shyamalan é (ou era) um desses autores. Bastaria ter assinado títulos como O Sexto Sentido (1999) e A Vila (2004) para reconhecermos nele um olhar disponível para os mais fascinantes labirintos do mundo transcendental ou, pelo menos, do nosso desejo de transcendência.
Bruscamente, neste Verão, surge O Último Airbender e... algo não funciona. Em boa verdade, estamos apenas perante mais um acto desesperado de Hollywood para impor a economia (entenda-se: os bilhetes mais caros) do cinema em 3D. Adaptando um universo que cruza os desenhos animados, a banda desenhada e os jogos de video, este é um objecto artisticamente anónimo que confunde a agitação visual das cenas com a produção de emoção: já não há aqui nenhuma ideia consistente para definir um tempo narrativo ou construir um espaço dramático.Tudo isso seria apenas mais um episódio da rotina cinematográfica da estação, não se desse o caso de O Último Airbender estar assinado (argumento, produção e realização) por... M. Night Shyamalan. É provável que tudo se explique por razões de sobrevivência económica no interior da própria máquina industrial. Talvez... Mas, ainda assim, fica a pergunta: que pode Shyamalan fazer com as suas próprias memórias?