[Manuela Moura Guedes: um sintoma]
[Manuela Moura Guedes: o estilo]
Será que existe algum tipo de inocência estética ou imunidade ética numa imagem de televisão? Por exemplo, numa imagem de telejornal?
Das respostas a tais dúvidas decorrem entendimentos necessariamente diversos, muitas vezes inconciliáveis, sobre o que seja a televisão e, em particular, sobre o trabalho jornalístico no seu interior. As minhas respostas são inequivocamente negativas: nenhuma imagem é neutra, todas as imagens elaboram (nem que seja por recalcamento) um sistema de co-responsabilização em relação ao que nelas se representa e também na direcção dos espectadores visados.
É por isso que a oposição "verdade/mentira", ainda que essencial, se torna inapelavelmente insuficiente para lidar com a proliferação de imagens no mundo contemporâneo. Qualquer imagem [observe-se o exemplo em cima] nasce da acumulação mais ou menos consciente de elementos concretos e abstractos, de opções selectivas, de critérios de encenação.
Daí que seja importante combater a mitologia dos factos em que vive muito jornalismo televisivo (não apenas na TVI e também, há que reconhecê-lo, não apenas no espaço televisivo). Os factos não são uma espécie de "fruto natural" de uma realidade que se exponha transparente e/ou codificada. Os factos são também o modo como deles damos conta, isto é, integram as linguagens que usamos no seu conhecimento e transmissão.
Um grande semiólogo do cinema, o francês Christian Metz (1931-1993), resumiu esta resistência ontológica através de um luminoso princípio: "O real não conta histórias." Dito de outro modo: há sempre um sujeito, explícito ou implícito, identificável ou imaginário, que assume as despesas de contar uma história. Por cada jornalista televisivo que acredita na imanência virginal dos factos, perde-se um olhar disponível para a complexidade do real.