[Manuela Moura Guedes: um sintoma]
Um valor latente em muitas considerações motivadas pelo Jornal Nacional da TVI (às sextas-feiras, com Manuela Moura Guedes) é o da desresponsabilização dos jornalistas. Ou melhor: o da consa-gração do jornalista como uma entidade social cuja acuidade, importância e competência se mede pela capacidade de perturbar o outro.
Um valor latente em muitas considerações motivadas pelo Jornal Nacional da TVI (às sextas-feiras, com Manuela Moura Guedes) é o da desresponsabilização dos jornalistas. Ou melhor: o da consa-gração do jornalista como uma entidade social cuja acuidade, importância e competência se mede pela capacidade de perturbar o outro.
Na prática, tal moral profissional traduz-se na ideia segundo a qual esse outro — normalmente um entrevistado — não existe a não ser como alguém cujo discurso pode vacilar ou, "idealmente", cujo discurso pode ser forçado a alguma forma de vacilação.
Há, aliás, um exemplo histórico desse fenómeno (não por acaso mitificado em alguns sectores da classe jornalística), quando o então primeiro-ministro António Guterres, num diálogo de rua com alguns repórteres, se enganou, em muitos milhões, na referência a um valor das contas públicas. Claro que a governação de Guterres era, legitimamente, objecto de muitas e contundentes críticas — não é isso que está em causa. O certo é que tal episódio, apesar de toda a sua margem de arbitrariedade, rapidamente foi promovido à dimensão de factor de julgamento público e global de toda uma actuação política.
É bom que os jornalistas saibam fazer perguntas sérias e contundentes. Por vezes, é mesmo incrível que algumas dessas perguntas se mantenham adiadas (por exemplo, cinco anos depois, continuo a espantar-me com o facto de nunca nenhum governante, deste governo ou do anterior, ter sido confrontado com o facto de se terem gasto 650 milhões de euros nos estádios do Euro 2004 — a 650 mil euros, dava para fazer 1000 filmes do cinema português).
Em todo o caso, confundir tal exigência de trabalho com a mera "arte" de perturbar e confundir o interlocutor, é um mau serviço que se presta ao jornalismo — além de que, como é óbvio, semelhante atitude existe como um valor corrente que não pode ser unilateralmente atribuído a este ou àquele jornalista.