
[O debate] [O inquérito]
Todas as televisões — de todo o mundo, entenda-se — gastam rios de dinheiro para ter "enviados especiais" em locais onde há notícias consideradas importantes. Escusado será dizer que tal prática pode gerar extraordinárias contribuições jornalísticas. O certo é que, com enorme frequência, o dispositivo assim montado acaba por ser revelador do primarismo estético e filosófico que sustenta o conceito dominante de reportagem e, por isso mesmo, da identidade que se confere ao repórter.

Para além do anedótico de tudo isto, fica a ideologia que o sustenta: não se envia o repórter para tentar conhecer seja o que for, porque esta não é uma prática cognitiva. Estamos apenas perante uma visão decorativista, de grande mediocridade cenográfia, do que seja a informação televisiva. No limite, tenta fazer-se crer no carácter inquestionável desta equação pueril: "um homem (ou uma mulher) com um microfone da mão + um pano de fundo = um efeito imanente de verdade".
Não admira que esta visão da televisão e do mundo — e do mundo segundo a televisão — recuse a simples possibilidade de discutir se, e como, a presença da televisão "afecta" os próprios acontecimentos. Aliás, importa dar alguma razão a tal recusa: a sua formulação, dicotómica e determinista, é um beco sem saída. O problema não está na "alteração" dos acontecimentos; está, isso sim, no simples reconhecimento de que um acontecimento com televisão é um acontecimento... com televisão, não um acontecimento habitado por alguns seres humanos que pairam, imponderáveis, como anjos da guarda... Isto sem esquecer que, mesmo na mais absoluta indigência jornalística, esses seres humanos transportam cabos e microfones, câmaras e luzes, valores iconográficos, ideias filosóficas e conceitos morais.
A caricatura banal, mas bem esclarecedora, de tal ontologia surge, todos os dias, nas reportagens (?) em que, atrás do repórter, se posta uma multidão mais ou menos ululante. Para a televisão, isso é motivo de divertimento e auto-satisfação — na prática, semelhante aparato desmente a inocência factual com que a televisão gosta de se pensar.
