
Só agora tive oportunidade de ver, na respectiva edição em DVD, o filme Bolt, de Byron Howard e Chris Williams, um desenho animado dos estúdios Disney lançado nas salas no Natal de 2008. Para além da sua importância na evolução da animação digital, para além do brilhante trabalho de John Travolta (a dar voz ao irresistível herói canino), não pude deixar de pensar no modo como Bolt se demarca de todas as visões simplistas da televisão e, muito em particular, do espectáculo infantil no interior do espaço televisivo.
Sabemos que os discursos dominantes na televisão (e sobre a televisão) tendem a descrever o público infantil como um imenso rebanho de identidades iguais e passivas que está bem desde que os ponhamos a pular em frente de uma câmara. Aliás, basta ver o paternalismo grosseiro de muitas “reportagens” com crianças... A ideologia televisiva tende a apresentar a própria televisão como um domínio de imaculada verdade que as crianças só podem habitar de forma festiva e festivamente crédula.

Como em qualquer fábula que se preze, Bolt vai viver uma espectacular aventura que, não só o obriga a atravessar os EUA, da costa leste a Hollywood, como o vai confrontar com a mais decisiva questão identitária: será que a sua dona na série, Penny (voz de Miley Cyrus), gosta realmente dele ou limita-se a fingir os sentimentos da respectiva personagem? Através de tal questão, emerge outra: Bolt vai ficar para sempre preso das ilusões televisivas ou, pelo contrário, conseguirá estabelecer relações que não se esgotem nos artifícios colocados em cena pelas ficções que protagoniza?

Quer isto dizer que o pensamento sobre o universo televisivo (e o seu papel no espaço dos valores humanos) está vivo e activo no cinema e, em particular, em filmes que visam especificamente os espectadores mais jovens. Em termos culturais e políticos, esses filmes têm o mérito de cumprir uma tarefa que, muitas vezes, a televisão recusa assumir.