Que significa ser estrela de televisão? Eis uma questão pública e privada, narrativa e simbólica que faz sentido colocar... mesmo a propósito de um cão — este texto foi publicado no Diário de Notícias (8 de Junho), com o título 'Aventuras de Bolt no país da televisão'.
Só agora tive oportunidade de ver, na respectiva edição em DVD, o filme Bolt, de Byron Howard e Chris Williams, um desenho animado dos estúdios Disney lançado nas salas no Natal de 2008. Para além da sua importância na evolução da animação digital, para além do brilhante trabalho de John Travolta (a dar voz ao irresistível herói canino), não pude deixar de pensar no modo como Bolt se demarca de todas as visões simplistas da televisão e, muito em particular, do espectáculo infantil no interior do espaço televisivo.
Sabemos que os discursos dominantes na televisão (e sobre a televisão) tendem a descrever o público infantil como um imenso rebanho de identidades iguais e passivas que está bem desde que os ponhamos a pular em frente de uma câmara. Aliás, basta ver o paternalismo grosseiro de muitas “reportagens” com crianças... A ideologia televisiva tende a apresentar a própria televisão como um domínio de imaculada verdade que as crianças só podem habitar de forma festiva e festivamente crédula.
Bolt é um filme que reage contra essas imposturas, centrando-se na personagem de um cão que foi transformado em “super-herói” de um série televisiva. Bolt não é um intérprete consciente e reflectido do seu próprio papel (sim, caro leitor: estamos numa fábula e os animais falam, raciocinam e filosofam, demonstrando dotes que, por vezes, gostaríamos de encontrar em alguns dos nossos semelhantes humanos). Um pouco como a personagem de Jim Carrey em The Truman Show/A Vida em Directo (1998), de Peter Weir, Bolt vive no interior de um gigantesco simulacro: a sua casa é o próprio estúdio de filmagens e nunca ninguém lhe explicou que os seus “super-poderes” resultam, não da sua acção, mas das técnicas de efeitos especiais.
Como em qualquer fábula que se preze, Bolt vai viver uma espectacular aventura que, não só o obriga a atravessar os EUA, da costa leste a Hollywood, como o vai confrontar com a mais decisiva questão identitária: será que a sua dona na série, Penny (voz de Miley Cyrus), gosta realmente dele ou limita-se a fingir os sentimentos da respectiva personagem? Através de tal questão, emerge outra: Bolt vai ficar para sempre preso das ilusões televisivas ou, pelo contrário, conseguirá estabelecer relações que não se esgotem nos artifícios colocados em cena pelas ficções que protagoniza?
Curiosamente, também em 2008, outro filme de animação abordou de forma particularmente inteligente e incisiva as questões decorrentes das relações dos humanos com as imagens televisivas. Foi WALL-E, de Andrew Stanton (também distribuído pela Disney, mas gerado nos estúdios Pixar). O protagonista, um robot que permaneceu na Terra a limpar o lixo deixado pela raça humana (que já abandonou o planeta), ia encontrar noutra galáxia os sobreviventes entregues à mais pura estupidez consumista: comendo e engordando, enquanto se limitam a olhar para um ecrã de televisão.
Quer isto dizer que o pensamento sobre o universo televisivo (e o seu papel no espaço dos valores humanos) está vivo e activo no cinema e, em particular, em filmes que visam especificamente os espectadores mais jovens. Em termos culturais e políticos, esses filmes têm o mérito de cumprir uma tarefa que, muitas vezes, a televisão recusa assumir.
Só agora tive oportunidade de ver, na respectiva edição em DVD, o filme Bolt, de Byron Howard e Chris Williams, um desenho animado dos estúdios Disney lançado nas salas no Natal de 2008. Para além da sua importância na evolução da animação digital, para além do brilhante trabalho de John Travolta (a dar voz ao irresistível herói canino), não pude deixar de pensar no modo como Bolt se demarca de todas as visões simplistas da televisão e, muito em particular, do espectáculo infantil no interior do espaço televisivo.
Sabemos que os discursos dominantes na televisão (e sobre a televisão) tendem a descrever o público infantil como um imenso rebanho de identidades iguais e passivas que está bem desde que os ponhamos a pular em frente de uma câmara. Aliás, basta ver o paternalismo grosseiro de muitas “reportagens” com crianças... A ideologia televisiva tende a apresentar a própria televisão como um domínio de imaculada verdade que as crianças só podem habitar de forma festiva e festivamente crédula.
Bolt é um filme que reage contra essas imposturas, centrando-se na personagem de um cão que foi transformado em “super-herói” de um série televisiva. Bolt não é um intérprete consciente e reflectido do seu próprio papel (sim, caro leitor: estamos numa fábula e os animais falam, raciocinam e filosofam, demonstrando dotes que, por vezes, gostaríamos de encontrar em alguns dos nossos semelhantes humanos). Um pouco como a personagem de Jim Carrey em The Truman Show/A Vida em Directo (1998), de Peter Weir, Bolt vive no interior de um gigantesco simulacro: a sua casa é o próprio estúdio de filmagens e nunca ninguém lhe explicou que os seus “super-poderes” resultam, não da sua acção, mas das técnicas de efeitos especiais.
Como em qualquer fábula que se preze, Bolt vai viver uma espectacular aventura que, não só o obriga a atravessar os EUA, da costa leste a Hollywood, como o vai confrontar com a mais decisiva questão identitária: será que a sua dona na série, Penny (voz de Miley Cyrus), gosta realmente dele ou limita-se a fingir os sentimentos da respectiva personagem? Através de tal questão, emerge outra: Bolt vai ficar para sempre preso das ilusões televisivas ou, pelo contrário, conseguirá estabelecer relações que não se esgotem nos artifícios colocados em cena pelas ficções que protagoniza?
Curiosamente, também em 2008, outro filme de animação abordou de forma particularmente inteligente e incisiva as questões decorrentes das relações dos humanos com as imagens televisivas. Foi WALL-E, de Andrew Stanton (também distribuído pela Disney, mas gerado nos estúdios Pixar). O protagonista, um robot que permaneceu na Terra a limpar o lixo deixado pela raça humana (que já abandonou o planeta), ia encontrar noutra galáxia os sobreviventes entregues à mais pura estupidez consumista: comendo e engordando, enquanto se limitam a olhar para um ecrã de televisão.
Quer isto dizer que o pensamento sobre o universo televisivo (e o seu papel no espaço dos valores humanos) está vivo e activo no cinema e, em particular, em filmes que visam especificamente os espectadores mais jovens. Em termos culturais e políticos, esses filmes têm o mérito de cumprir uma tarefa que, muitas vezes, a televisão recusa assumir.