A presença de Jerry Lewis no palco do Kodak Theater foi um dos momentos mais tocantes da 81ª cerimónia dos Oscars de Hollywood — este texto foi publicado no Diário de Notícias (1 de Março), com o título 'A arte esquecida de Jerry Lewis'.
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Infelizmente, no imaginário público (e da esmagadora maioria do público), a cerimónia anual dos Oscars de Hollywood está transformada numa competição banalmente televisiva. Assim, para muitos espectadores, trata-se de assistir a uma espécie de “chuva de estrelas” completamente alheia a qualquer amor pelo cinema e o seu património específico. Basta observar as tendências dominantes na blogosfera e a tristeza com que se comentam (?) os Oscars como se fossem uma guerra entre os “meus” e os “teus” candidatos.
Não surpreende, por isso, que o nome de Jerry Lewis, o grande homenageado da noite de 22 de Fevereiro, tenha encontrado fraquíssimos ecos nos balanços da cerimónia (a começar pelos que nos chegaram dos EUA). E, no entanto, ao distingui-lo com o Prémio Humanitário Jean Hersholt, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood estava a celebrar um duplo e fundamental valor: por um lado, reconhecendo a importância do seu trabalho humanitário, em particular na televisão, através dos muitos espectáculos (“telethons”) de angariação de fundos para o combate à distrofia muscular; por outro lado, exaltando o seu talento de entertainer ou, nas palavras de Sid Ganis (presidente da Academia), a sua condição de “lendário cómico que (...) levou o riso a milhões de pessoas em todo o mundo”.
Estamos a falar, de facto, não exactamente de uma personalidade mais ou menos esotérica, eventualmente celebrada por um nicho de fãs ou “seguidores”, mas sim de um dos símbolos mais genuínos da nobre tradição americana da comédia e do burlesco. Nos anos 50, em particular, a solo ou nos muitos filmes em que formou uma célebre dupla com Dean Martin, Jerry afirmou-se como legítimo herdeiro de mestres como Charles Chaplin, Buster Keaton ou Stan Laurel. A partir de The Bellboy/Jerry no Grande Hotel (1960), na sua tripla condição de actor/realizador/produtor, construiria um dos capítulos mais fulgurantes da história moderna do género cómico, nele se incluindo obras-primas como The Ladies Man/O Homem das Mulheres (1961), The Nutty Professor/As Noites Loucas do Dr. Jerryll (1963) e The Family Jewels/Jerry e os 6 Tios (1965).
Pelo génio da sua arte de representar, pela ousadia narrativa e simbólica da linguagem dos seus filmes e também pelo sentido de experimentação do seu trabalho (foi pioneiro, por exemplo, na introdução dos ecrãs de video como forma de verificação do material filmado), Jerry é uma daquelas personalidades que nos ajudam a perceber melhor as transfigurações históricas do cinema. Em boa verdade, para compreendermos as convulsões por que passou Hollywood ao longo dos anos 60, a sua obra é tão importante como as de Martin Scorsese ou Francis Ford Coppola.
À beira de completar 83 anos (no dia 16 deste mês), Jerry Lewis é uma referência esquecida por muitos espectadores de cinema. O facto de o género cómico ser muitas vezes olhado como um espaço “secundário” e pouco “artístico” poderá ajudar a explicar, pelo menos em parte, esse esquecimento. Mas não basta. Acontece que a sobrecarga de “informação” em que vivemos se interessa muito pouco pelo conhecimento real dos mestres, a não ser que sejam envolvidos por alguma agitação mediática. A ironia amarga é que Jerry Lewis foi mesmo um símbolo modelar de um cinema visceralmente popular.
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Infelizmente, no imaginário público (e da esmagadora maioria do público), a cerimónia anual dos Oscars de Hollywood está transformada numa competição banalmente televisiva. Assim, para muitos espectadores, trata-se de assistir a uma espécie de “chuva de estrelas” completamente alheia a qualquer amor pelo cinema e o seu património específico. Basta observar as tendências dominantes na blogosfera e a tristeza com que se comentam (?) os Oscars como se fossem uma guerra entre os “meus” e os “teus” candidatos.
Não surpreende, por isso, que o nome de Jerry Lewis, o grande homenageado da noite de 22 de Fevereiro, tenha encontrado fraquíssimos ecos nos balanços da cerimónia (a começar pelos que nos chegaram dos EUA). E, no entanto, ao distingui-lo com o Prémio Humanitário Jean Hersholt, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood estava a celebrar um duplo e fundamental valor: por um lado, reconhecendo a importância do seu trabalho humanitário, em particular na televisão, através dos muitos espectáculos (“telethons”) de angariação de fundos para o combate à distrofia muscular; por outro lado, exaltando o seu talento de entertainer ou, nas palavras de Sid Ganis (presidente da Academia), a sua condição de “lendário cómico que (...) levou o riso a milhões de pessoas em todo o mundo”.
Estamos a falar, de facto, não exactamente de uma personalidade mais ou menos esotérica, eventualmente celebrada por um nicho de fãs ou “seguidores”, mas sim de um dos símbolos mais genuínos da nobre tradição americana da comédia e do burlesco. Nos anos 50, em particular, a solo ou nos muitos filmes em que formou uma célebre dupla com Dean Martin, Jerry afirmou-se como legítimo herdeiro de mestres como Charles Chaplin, Buster Keaton ou Stan Laurel. A partir de The Bellboy/Jerry no Grande Hotel (1960), na sua tripla condição de actor/realizador/produtor, construiria um dos capítulos mais fulgurantes da história moderna do género cómico, nele se incluindo obras-primas como The Ladies Man/O Homem das Mulheres (1961), The Nutty Professor/As Noites Loucas do Dr. Jerryll (1963) e The Family Jewels/Jerry e os 6 Tios (1965).
Pelo génio da sua arte de representar, pela ousadia narrativa e simbólica da linguagem dos seus filmes e também pelo sentido de experimentação do seu trabalho (foi pioneiro, por exemplo, na introdução dos ecrãs de video como forma de verificação do material filmado), Jerry é uma daquelas personalidades que nos ajudam a perceber melhor as transfigurações históricas do cinema. Em boa verdade, para compreendermos as convulsões por que passou Hollywood ao longo dos anos 60, a sua obra é tão importante como as de Martin Scorsese ou Francis Ford Coppola.
À beira de completar 83 anos (no dia 16 deste mês), Jerry Lewis é uma referência esquecida por muitos espectadores de cinema. O facto de o género cómico ser muitas vezes olhado como um espaço “secundário” e pouco “artístico” poderá ajudar a explicar, pelo menos em parte, esse esquecimento. Mas não basta. Acontece que a sobrecarga de “informação” em que vivemos se interessa muito pouco pelo conhecimento real dos mestres, a não ser que sejam envolvidos por alguma agitação mediática. A ironia amarga é que Jerry Lewis foi mesmo um símbolo modelar de um cinema visceralmente popular.