O Congresso do Partido Socialista foi mais um pretexto para avaliarmos as actuais relações entre o trabalho político e o trabalho mediático, em particular na gestão das imagens de televisão ou para a televisão — este texto foi publicado no Diário de Notícias (1 de Março), com o título 'Política em "cinemascope"'.
Há uma involuntária ironia no destaque que a ausência de Manuel Alegre vai adquirindo no espaço televisivo. E não tem nada a ver com a importância, ou mesmo com a urgência moral, que possamos atribuir à sua posição no actual Partido Socialista. De facto, o empolamento de tal ausência (ou presença) reflecte apenas um sistema de informação que precisa de “peripécias” e “polémicas” para alimentar o seu fluxo: Manuel Alegre não passa de um pretexto para garantir a ilusão de que estão a acontecer “coisas”. Obvia-mente avisada das máscaras dominantes, a máquina mediática do PS apostou forte no visual, fabricando um palco de prudente mas eficaz inovação, utilizando como fundo um imenso ecrã de “cinema-scope”. É bem verdade que a maioria dos seus militantes (como, não tenhamos ilusões, a maioria dos cidadãos) já não reconhece no “cinemascope” uma referência mitológica do grande cinema dos anos 50/60. Hélas! Mas não é isso que importa: o que conta é a criação de um cenário de grandiosidade que, televisivamente, produza alguma sensação de diferença. Afinal de contas, há poucos dias, José Sócrates foi reeleito secretário-geral com 96 por cento de votos. Trata-se apenas de gerir a ilusão informativa, disfarçando o óbvio: nada vai acontecer.