Os 50 anos de Michael Jackson suscitaram muitas memórias e reflexões, nomeadamente sobre as transfigurações do seu corpo e as suas imagens. Na sua trajectória criativa — e, em particular, na abordagem das imagens dos corpos —, o teledisco de Black or White [seis frames aqui em cima] é um momento emblemático — este texto foi publicado no Diário de Notícias, no dia daquele aniversário (29 de Agosto), com o título 'A preto e branco, com muitas cores'.
Não há maneira suave de o dizer: nas polémicas em torno da cor da pele de Michael Jackson há, quase sempre, uma questão rácica. E também um fantasma racista. Porquê uma questão rácica? Porque a sua “perda” de aparência negra tende a ser reprovada como negação da sua própria raça. Porquê um fantasma racista? Porque “mudar” de cor é, por vezes, interpretado como uma menorização simbólica, no limite política, da sua cor original.
Como sair deste labirinto? De facto, não se sai. Mais do que isso: por mais voltas que Jackson dê às suas imagens, às suas palavras ou até às suas declarações políticas, toda a sua história será sempre uma história contaminada por essa pergunta básica e perturbante: afinal, o que vale a cor da pele?
No dia em que Jackson completa 50 anos, podemos fazer-lhe a justiça de recordar o mais óbvio (que é também, no nosso imaginário mediático, o mais recalcado). A saber: que ele arriscou, como poucos, construir um edifício formal e um universo artístico em que a resposta àquela pergunta se dissolvesse numa irónica irrisão. Que vale, então, a cor da pele? A resposta é: nada. Ou ainda: tanto faz.
Claro que os mais precipitados verão sempre em tal resposta uma tentativa de negação ou, pelo menos, de cínica banalização da história dos negros dos EUA e de todas as convulsões que, de uma maneira ou de outra, nos remetem para as memórias brutais da escravatura. Poderíamos recordar, como contraponto, o discurso humanista da obra de Jackson (mesmo sabendo que a noção de humanismo é filosoficamente fraca no nosso presente). Mas talvez seja preciso sublinhar que Jackson construiu essa obra celebrando a indiferença da cor.
O seu lendário primeiro single do álbum Dangerous (1991) chama-se mesmo Black or White: não é sobre o confronto entre preto “e” branco, mas sim sobre a mutabilidade simbólica de preto “ou” branco. O teledisco de Black or White, porventura o filme mais perfeito do realizador John Landis, é disso a esplendorosa celebração. Recorrendo a algumas (então) pioneiras técnicas digitais, nele vemos uma série de rostos brancos, negros, de todas as cores, rostos esses que se vão literalmente fundindo uns nos outros, renascendo numa igualdade plena de diferenças.
Do ponto de vista técnico, Black or White é um sinal premonitório do tipo de fusões que o digital estava a instalar. No plano estético, funciona como apoteose de um conceito, afinal, inerente aos nossos tempos de tantas transfigurações: o nosso corpo não vale pela sua cor, porque existe como entidade aberta a todas as mutações. Tudo isso surge envolvido numa sensualidade que abraça todas as ambiguidades, sejam elas de cor ou género. Essa sensualidade, ou melhor, esse erotismo é uma coisa de exuberante colorido.
Não há maneira suave de o dizer: nas polémicas em torno da cor da pele de Michael Jackson há, quase sempre, uma questão rácica. E também um fantasma racista. Porquê uma questão rácica? Porque a sua “perda” de aparência negra tende a ser reprovada como negação da sua própria raça. Porquê um fantasma racista? Porque “mudar” de cor é, por vezes, interpretado como uma menorização simbólica, no limite política, da sua cor original.
Como sair deste labirinto? De facto, não se sai. Mais do que isso: por mais voltas que Jackson dê às suas imagens, às suas palavras ou até às suas declarações políticas, toda a sua história será sempre uma história contaminada por essa pergunta básica e perturbante: afinal, o que vale a cor da pele?
No dia em que Jackson completa 50 anos, podemos fazer-lhe a justiça de recordar o mais óbvio (que é também, no nosso imaginário mediático, o mais recalcado). A saber: que ele arriscou, como poucos, construir um edifício formal e um universo artístico em que a resposta àquela pergunta se dissolvesse numa irónica irrisão. Que vale, então, a cor da pele? A resposta é: nada. Ou ainda: tanto faz.
Claro que os mais precipitados verão sempre em tal resposta uma tentativa de negação ou, pelo menos, de cínica banalização da história dos negros dos EUA e de todas as convulsões que, de uma maneira ou de outra, nos remetem para as memórias brutais da escravatura. Poderíamos recordar, como contraponto, o discurso humanista da obra de Jackson (mesmo sabendo que a noção de humanismo é filosoficamente fraca no nosso presente). Mas talvez seja preciso sublinhar que Jackson construiu essa obra celebrando a indiferença da cor.
O seu lendário primeiro single do álbum Dangerous (1991) chama-se mesmo Black or White: não é sobre o confronto entre preto “e” branco, mas sim sobre a mutabilidade simbólica de preto “ou” branco. O teledisco de Black or White, porventura o filme mais perfeito do realizador John Landis, é disso a esplendorosa celebração. Recorrendo a algumas (então) pioneiras técnicas digitais, nele vemos uma série de rostos brancos, negros, de todas as cores, rostos esses que se vão literalmente fundindo uns nos outros, renascendo numa igualdade plena de diferenças.
Do ponto de vista técnico, Black or White é um sinal premonitório do tipo de fusões que o digital estava a instalar. No plano estético, funciona como apoteose de um conceito, afinal, inerente aos nossos tempos de tantas transfigurações: o nosso corpo não vale pela sua cor, porque existe como entidade aberta a todas as mutações. Tudo isso surge envolvido numa sensualidade que abraça todas as ambiguidades, sejam elas de cor ou género. Essa sensualidade, ou melhor, esse erotismo é uma coisa de exuberante colorido.