Há qualquer coisa de desgraçadamente absurdo no facto de, na mesma semana em que o mercado é literalmente inundado pela amarga desilusão de Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, de Steven Spielberg, assistirmos ao discreto apagamento mediático (e na Net) de um filme com a marca do génio de Claude Chabrol: A Rapariga Cortada em Dois, com Ludivine Sagnier [foto], François Berleand e Benoit Magimel.
Convém deixar um aviso pedagógico. A saber: que os mais precipitados se poupem a esforços para relançar esse maniqueismo infantil que joga na oposição entre os americanos "populares" e os europeus "esotéricos" ou, pior ainda, na suposta resistência dos "intelectuais" a Spielberg e aos modelos de espectáculo que ele representa. Ninguém neste blog tem que dar provas do seu respeito pela personalidade criativa de Spielberg, quanto mais não seja porque algumas décadas de textos falam por si. Aliás, importa dizer o mais básico: o problema seria exactamente idêntico, mesmo se considerassemos este novo Indiana Jones uma esplendorosa obra-prima. O problema, simulteamente económico e jornalístico, é a difícil visibilidade a que estão automaticamente condenados muitos filmes que (ainda) chegam às salas.
Digamos, então, para simplificar, que A Rapariga Cortada em Dois — história luminosa de um amor negro entre um escritor de meia idade (Berleand) e uma muito jovem apresentadora (Sagnier) da meteorologia televisiva — evolui como uma fabulosa crónica de usos e costumes. Através dela se confirma que Chabrol é, de uma só vez, um analista metódico da alma humana e um arqueólogo implacável da vida social da França profunda.
Fica, por isso, este avassalador desencanto: através da Net, multiplicam-se as notícias e comentários que parecem ecoar a campanha de Indiana Jones, enquanto sobre Chabrol se abate um imenso e desesperante silêncio. Onde estao os espectadores que gostam de descobrir filmes?