quinta-feira, junho 07, 2007

O que as notícias não dizem

Já aqui se falou dos automatismos com que alguma informação (sobretudo de raiz televisiva, importa sublinhar) aborda os blockbusters. Assim, na sequência da primeira semana de exibição de Piratas das Caraíbas nos Confins do Mundo, choveram os relatórios (?) sobre os muitos milhões de receitas. Ou seja: mais de 150 milhões de dólares ao fim do primeiro fim de semana de exibição nos EUA. Mensagem mais ou menos implícita: as maiores produções dos estúdios americanos continuam a acumular triunfos esmagadores...
Mas o pior é o esmagamento da própria informação. Daí a pergunta pedagógica: o que é que estas notícias não dizem?
1. Não dizem, por exemplo, que estamos a falar de um filme que custou 300 milhões de dólares.
2. Não dizem que, além dos custos de produção, é preciso contabilizar mais algumas dezenas de milhões (porventura mais de 100), em publicidade.
3. Não dizem que esses valores não correspondem, nem de longe nem perto, aos que reentram nos cofres dos produtores, já que os exibidores arrecadam, em média, uma fatia de 55%.
4. Não dizem que, à segunda semana, a quebra de receitas é dramática, cifrando-se em 61,5%.
5. Não dizem que o valor acumulado nas duas primeiras semanas (217 milhões de dólares) permanece ainda, em termos absolutos ou relativos, distante dos gastos globais.

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Entendamo-nos: não se trata de carpir lágrimas pelos estúdios que produzem blockbusters. Neste caso particular, convém acrescentar que as receitas planetárias deste Piratas das Caraíbas 3 já ultrapassaram os 630 milhões de dólares e que, de uma maneira ou de outra (isto é, com DVDs e outros modos de difusão), os investimentos serão recuperados.
O que importa referir — e voltar a lamentar — é que haja um jornalismo (?) sem pensamento que nos quer obrigar a discutir o cinema como se fosse uma mera questão de cifrões. É um jornalismo que, além do mais, nos impede de aceder à pluralidade do fenómeno cinematográfico, tentando impor a sua inanidade argumentativa a partir da simplificação abusiva dos próprios factores económico-financeiros.
Exemplo complementar e alternativo? Apenas um. O filme alemão As Vidas dos Outros estreou há algumas semanas, nos EUA, em nove salas (Piratas estreou em mais de 4 mil), tendo acumulado um pouco mais de 10 milhões de dólares de receitas. Em todo o mundo, já ultrapassou os 66 milhões de dólares. Tendo em conta que a sua produção custou 2 milhões (150 vezes menos que Piratas), isso significa que o seu índice de rentabilidade (66/2) é de 33 vezes (cerca de 15 vezes mais que Piratas).
Os filmes não se medem pelo dinheiro que custam nem pelo dinheiro que rendem. Mas pensar o cinema — e, sobretudo, a sua pluralidade cultural e económica — começa pelo conhecimento básico da sua complexidade estrutural.