domingo, novembro 07, 2021

"Dune": a aventura continua [3/3]


Dune é uma das mais ambiciosas super-produções dos últimos tempos: do romance de Frank Herbert ao filme de Denis Villeneuve, é toda uma ideia de juventude que persiste e se renova — este texto foi publicado no Diário de Notícias (16 outubro).

[ 1 ]  [ 2 ]

Nestes ziguezagues de que é feita a história do cinema, vale a pena lembrar que, em 1979, antes de se colocar a hipótese de David Lynch, Ridley Scott foi o primeiro realizador convidado por Dino De Laurentiis para dirigir Dune — Scott ainda trabalhou numa primeira versão do argumento, acabando por abandonar o projecto, optando por realizar… Blade Runner!
Blade Runner 2049
terá sido a prova de fogo de Villeneuve, não apenas pelo gigantismo da respectiva produção, de orçamento superior a 150 milhões de dólares (Dune custou 165 milhões), mas também porque se tratava de dirigir o protagonista do original, Harrison Ford, prolongando um filme com lugar cativo no imaginário de ficção científica de sucessivas gerações de espectadores. O impacto do filme reforçou também a ideia de que os modelos correntes de aventura, dominados pelos super-heróis da Marvel e da DC Comics, não esgotam, longe disso, as potencialidades do espectáculo cinematográfico, em especial na imensidão dos ecrãs das salas IMAX.
Daí a aposta híbrida que sustenta um filme como Dune. Em primeiro lugar, estamos perante um investimento artístico que privilegia a criação de cenários grandiosos, revalorizando a dimensão física dos estúdios (mesmo se partes significativas foram rodadas em zonas desérticas da Jordânia e dos Emirados Árabes Unidos); depois, o filme aposta num elenco cujo apelo junto do público será mais forte do que aquele que Lynch reuniu para a produção de 1984.
Timothée Chalamet, como Paul Atreides, é o trunfo principal, tendo a seu lado Rebecca Ferguson no papel de Lady Jessica, mãe de Paul, actriz cuja popularidade nasceu das duas edições de Missão Impossível (2015 e 2018, respectivamente Nação Secreta e Fallout) em que contracenou com Tom Cruise. Depois, o elenco integra nomes como Oscar Isaac, Javier Bardem, Zendaya e Jason Momoa (celebrizado como intérprete de Aquaman, personagem do catálogo da DC Comics), sem esquecer as presenças dos veteranos Josh Brolin e Charlotte Rampling.
Sendo Dune (o livro e os filmes) uma teia de temas e simbologias em que, através da personagem de Paul Atreides, emerge a questão da definição identitária do filho — “de onde venho, qual a minha herança, como elaborar o meu futuro?” —, Timothée Chalamet apresenta-se, assim, como representante de uma ideia de juventude que não se quer estranha a valores clássicos de família, comunidade e coesão social.
Chalamet surgiu, aliás, como figura central de um dossier da Time dedicado a jovens dos mais variados domínios profissionais, apontados pela revista como líderes de novos valores (“Next generation leaders”), delineando o “caminho para um futuro mais radioso”. Como é que Chalamet encara esse futuro? Responde, citando um amigo (cujo nome não pode revelar, sob pena de o ofender) que, na noite em que se conheceram, lhe traçou um pedagógico programa de vida: “Nada de drogas duras e nenhum filme de super-heróis.”