segunda-feira, novembro 08, 2021

Os filmes da Marvel já "não são cinema"

Quem está aqui: Angelina Jolie ou um efeito visual?

2021 - CHLOÉ ZHAO - Eternos

Infelizmente para todos nós, Martin Scorsese tem razão: os filmes da Marvel já "não são cinema".

Concebidos como um cruzamento mercantil de jogos de video e parques temáticos, a sua brutal ocupação dos ecrãs do planeta faz com que muitos espectadores das novas gerações confundam a sua rotina industrial com a riqueza e pluralidade do património cinematográfico. E, nessa medida, ignorem por completo o génio narrativo que faz com que um filme de Hitchcock, Bergman ou mesmo Fincher decorra de uma arte de envolvimento e interrogação do espectador que foi agora substituída pela banal acumulação de efeitos visuais, sempre ao serviço de uma raquítica linha de argumento ("... vem aí o apocalipse, quem pode salvar o mundo?...").

Para lá da celebração dessa sublime arte narrativa, tal ocupação dos mercados surgia, aliás, como ponto central da argumentação de Scorsese — ponto que todos os profissionais ligados ao poder económico e cultural dos super-heróis quiseram ignorar, a começar por Robert Downey Jr. (talento de excepção, há mais de uma década criativamente "afogado" no seu guarda-roupa metálico).

Citação:

>>> And if you’re going to tell me that it’s simply a matter of supply and demand and giving the people what they want, I’m going to disagree. It’s a chicken-and-egg issue. If people are given only one kind of thing and endlessly sold only one kind of thing, of course they’re going to want more of that one kind of thing."


Agora, com Eternos, tudo isso se agrava através da manipulação ideológica que consiste em exaltar o filme pelo seu valor "feminino", porventura "feminista".

Ficam por esclarecer três pontos:

1 — porque é que a redução de uma actriz (e realizadora) tão talentosa como Angelina Jolie a mera locutora de diálogos medíocres — quase sempre manipulada por efeitos visuais de rotina — é um feito exaltante?

2 — que é feito das qualidades artísticas (visuais, narrativas, psicológicas...) de Chloé Zhao, ela que há poucos meses foi a grande vencedora dos Oscars com um filme brilhante chamado "Nomadland"?

3 — qual o mérito, ou o valor simbólico, do facto de as mulheres terem obtido essa dúbia "promoção" que consiste em fazerem filmes tão maus como outros assinados por homens?

Obviamente, não se trata de uma questão que possa ser avaliada através de um qualquer desses jogos florais (ditos) de género que, de forma ilusória, passaram a esquematizar muitos problemas reais do nosso mundo.

Estamos "apenas" perante a manifestação de um gigantesco poder económico — poder de produzir, poder de promover, poder de formatar os mercados cinematográficos de todo o mundo. E, desse modo, limitar as capacidade de conhecimento, visão e pensamento dos espectadores.

@marvelstudios
@martinscorsese_
@nomadlandfilm
@chloezhao
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* Uma versão curta deste texto está publicada em: jjlr_lopes .