sábado, julho 03, 2021

Amazon/MGM
— Hollywood já não é o que era [2/3]

A Metro Goldwyn Mayer foi comprada por Jeff Bezos, patrão da Amazon: o estúdio possui um património imenso, de clássicos como E Tudo o Vento Levou até aos filmes de James Bond — este texto foi publicado no Diário de Notícias (5 junho).

[ 1 ]

Convenhamos que a cinefilia não basta para nos ajudar a compreender o investimento de Bezos. Aliás, esta compra nem sequer é um recorde da Amazon: em 2017, a companhia tinha gasto ainda mais (13,7 mil milhões de dólares) para adquirir a Whole Foods Market, uma multinacional de supermercados sediada em Austin, Texas.
Que está, então, em jogo? Precisamente aquilo que os novos negociantes do audiovisual, cada vez mais ligados a uma cultura mediática em que o cinema deixou de ocupar o lugar central, já não chamam “filmes”… Agora, o que conta são os “conteúdos”.
Triunfa, assim, uma lógica de supermercado: também na venda dos filmes, é fundamental encher as prateleiras com produtos apelativos pela sua diversidade. Que é como quem diz: para a Amazon, a consolidação da sua plataforma de streaming — Prime Video — exige um catálogo tão vasto quanto possível, combinando variedade, sedução e prestígio. Como consegui-lo? Comprando a MGM.
Há outra maneira de dizer isto. O cinema dos EUA deixou de estar integrado num sistema fechado de estúdios (“studio system”, justamente, é a expressão consagrada para designar o classicismo de Hollywood), passando a existir, quer em termos financeiros, quer no plano artístico, numa dinâmica fortemente dependente da complementaridade ou da concorrência das plataformas.
O modelo Netflix tem dominado. É certo que a Netflix tem cada vez mais filmes, antigos ou recentes, que não produziu, mas o essencial da sua estratégia envolve a oferta de produtos originais, quer dizer, obras da sua própria produção (que mais ninguém difunde). Por vezes investindo mesmo somas gigantescas para poder ter no seu catálogo determinados nomes de prestígio.
O caso de O Irlandês (2019), de Martin Scorsese, é esclarecedor: depois de mais de uma década a tentar obter financiamento junto dos grandes estúdios de Hollywood, Scorsese encontrou na Netflix a disponibilidade para concretizar o projecto — entenda-se: um cheque de 160 milhões de dólares.
Desde 2015, a Prime Video, através da Amazon Studios, tem também apresentado muitos títulos originais, por vezes adquirindo significativa visibilidade. Este ano, por exemplo, nos Oscars, havia quatro filmes com a sua chancela: O Som do Metal (nomeado para melhor filme do ano), Borat, o Filme Seguinte, Uma Noite em Miami e o admirável documentário Time; entretanto, o filme de abertura do Festival de Cannes — Annette, de Leos Carax — vai ser distribuído nos EUA pela Amazon. Mas a partir de agora o potencial de programação da Prime Video será incomparavelmente diferente: o património da MGM integra mais de 4.000 títulos de cinema e uma colecção de séries televisivas cujo número total de episódios está próximo dos 17.000.