quinta-feira, julho 01, 2021

Amazon/MGM
— Hollywood já não é o que era [1/3]

A Metro Goldwyn Mayer foi comprada por Jeff Bezos, patrão da Amazon: o estúdio possui um património imenso, de clássicos como E Tudo o Vento Levou até aos filmes de James Bond — este texto foi publicado no Diário de Notícias (5 junho).

O leão da Metro. Para várias gerações de espectadores, esta expressão condensou um verdadeiro culto cinéfilo: o emblema dos estúdios da Metro Goldwyn Mayer correspondia a uma imagem de marca de Hollywood e, mais do que isso, a um símbolo universal da própria Ideia de cinema.
Até que, no dia 26 de maio do ano da graça de 2021, em tempo de pandemia, a história da Metro sofreu uma dramática inflexão: a imagem simbólica do leão deu lugar ao rosto risonho de Jeff Bezos (literalmente, em diversos “cartoons” publicados na imprensa internacional). Dito de outro modo: o multimilionário anunciou que a Amazon, empresa nuclear do seu império, tinha adquirido a MGM. A factura? 8,45 mil milhões de dólares, quase 7 mil milhões de euros.
Que fazer com a nossa nostalgia cinéfila? Talvez apenas recordar que, de facto, a MGM entrou para a história como a empresa mais forte, quer em termos financeiros, quer no plano mitológico, da idade de ouro de Hollywood.
É um facto que as últimas décadas não foram gloriosas e a sua liderança das bilheteiras há muito se desvaneceu. Longe vão os tempos heróicos de Ben-Hur, a versão de 1959 protagonizada por Charlton Heston e dirigida por William Wyler, um dos títulos mais premiados na história dos Óscares (onze estatuetas douradas, incluindo melhor filme). O certo é que, quando consultamos os dados do “box office” corrigidos em função da inflação, o filme mais rentável de sempre continua a ser da MGM: E Tudo o Vento Levou (1939), acumulou mais de 1800 milhões de dólares (valor ajustado) no mercado dos EUA, o que, contas redondas, corresponde ao dobro de Avatar (2009), o mais rentável “blockbuster” do século XXI. Na prática, E Tudo o Vento Levou levou às salas escuras 202 milhões de espectadores, contra 97 milhões de Avatar. Sem esquecer que os números duplicam se considerarmos a performance internacional de E Tudo o Vento Levou
Irving Thalberg
Em todo o caso, a objectividade deste valores está muito longe de esgotar o esplendor da história da MGM. Fundado em 1924, o estúdio nasceu da fusão de três empresas protagonistas do “boom” industrial e comercial do cinema mudo: a Metro Pictures, a Goldwyn Pictures e a Louis B. Mayer Productions. Louis B. Mayer, precisamente, viria a liderar a política do novo estúdio, aplicando uma estratégia fundada no cruzamento do apelo espectacular com a riqueza artística: E não deixa de ser revelador que um dos primeiros exemplos da sua eficácia tenha sido a versão de 1925 de Ben-Hur, de Fred Niblo, com Ramon Novarro.
Mayer teve um fundamental colaborador na figura lendária de Irving Thalberg (1899-1936), produtor cuja visão estratégica e sensibilidade artística lhe valeram o cognome de “Boy Wonder” de Hollywood, misto de figura divina e anjo negro. O seu enigmático fascínio inspirou mesmo F. Scott Fitzgerald a escrever The Last Tycoon (edição portuguesa: O Último Magnate, Relógio d’Água). No romance, que permaneceu inacabado, a personagem de Monroe Stahr é uma assumida derivação de Thalberg: foi adaptado ao cinema em 1976, com argumento de Harold Pinter e realização de Elia Kazan (título português: O Grande Magnate), estando a personagem de Stahr entregue a Robert De Niro — ironicamente, não se trata de uma produção da MGM, mas sim da Paramount.