domingo, junho 13, 2021

John Berger, contador de histórias

O inglês John Berger (1926-2017) foi um exemplo raro de versatilidade, oscilando entre "extremos" como a reflexão filosófica e o apontamento sobre o quotidiano, o ensaio e o romance. A sua obra reflecte a consciência, de uma só vez crítica e irónica, de uma visão que sabe que nenhuma descrição é alheia à ficção, nenhuma narrativa ficcional está excluída da possbilidade de integrar uma fundamental fatia de verdade.
O livro Fotocópias (ed. Antígona; tradução Inês Dias) serve de modelo exemplar da sua energia narrativa. São 28 histórias, todas relativamente breves (num total de duas centenas de páginas) em que podemos identificar alguns nomes conhecidos, Henri Cartier-Bresson, Simone Weil, diversos cenários de deambulações pessoais, enfim, dir-se-ia uma colecção de fragmentos de um bloco-notas que o tempo não destruiu.
Os títulos das histórias de Berger são significativos do seu labor. Por exemplo, 'Uma rapariga com a mão no queixo'. Ou 'Um molho de flores num copo'. Ou ainda 'Homens e mulheres sentados a uma mesa para comer'... São títulos, afinal, de desarmante objectividade que, ao mesmo tempo, nos encaminham para uma compreensão do mundo nunca alheada da subjectividade que coloca a narrativa em movimento.

>>> O século XIX terminou cerca de 1955, creio. Ainda havia esperança...
 
(pág. 83)

O efeito real e surreal dessa criteriosa acumulação de elementos é tanto mais envolvente quanto as histórias de Berger tendem a deixar-nos a sensação de que algo se suspende antes que seja possível enunciar qualquer conclusão, seja ela moral ou meramente factual. Como se a escrita fosse um exercício de cicatrização dos limites do mundo e, ao mesmo tempo, a confissão poética de que é preciso continuar a escrever. Porquê? Para quê? Para continuarmos a merecer a complexidade dos seres e dos objectos.

>>> John Berger em 2011, na BBC.