quarta-feira, julho 31, 2013

Academia de Hollywood tem novo presidente

CHERYL BOONE ISAACS
FOTO: Todd Wawrychuk / AMPAS
É apenas a terceira vez que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood é presidida por uma mulher — a primeira foi Fay Kanin (1979-83), a segunda Bette Davis (1941, apenas durante dois meses). Além do mais, Cheryl Boone Isaacs é a primeira pessoa de origem afro-americana a dirigir a entidade que atribui os Oscars
Há muito ligada à Academia, Isaacs ocupava já um cargo de vice-presidente, tendo organizado, por exemplo, em 2012, os "Governor's Awards" (prémios honorários entregues em cerimónia anterior à noite dos Oscars). Actualmente, dirige a CBI Enterprises, aí tendo desempenhado a tarefa de consultora em produções como Homem-Aranha 2 (2004) Precious (2009), O Discurso do Rei (2010) e O Artista (2011). Entre as suas tarefas mais delicadas, apresentam-se a consolidação do sistema de votação electrónica e a continuação do projecto do Museu da Academia, cuja inauguração está agendada para 2017.

Aventuras de Guillermo del Toro (2/2)

Com Batalha do Pacífico/Pacific Rim, Guillermo del Toro aposta numa configuração aventurosa em que a dimensão humana tende a ser devorada pelo poder iconográfico dos robots... Para onde vai este cinema industrial? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (22 Julho), com o título 'Nostalgia da lanterna mágica'.

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No genérico final de Batalha do Pacífico, Guillermo del Toro dedica o seu filme a Ray Harryhausen (1920-2013) e Ishiro Honda (1911-1993). O primeiro é o génio americano dos efeitos visuais que explorou a animação clássica de figurinhas filmadas imagem a imagem (“stop motion”), tendo o seu nome ligado a títulos lendários como O Monstro do Planeta Vénus (1957), Os Três Mundos de Gulliver (1960) ou Jason e os Argonautas (1963); o segundo é indissociável da mitologia de Godzilla no cinema japonês, tendo dirigido o primeiro dos respectivos filmes, em 1954.
Compreende-se a ambição de Guillermo del Toro [foto]. Para ele, o projecto de Batalha do Pacífico envolve a ilusão de poder recuperar um gosto primitivo de fábula e fantasia, de algum modo ligado ao encanto remoto da lanterna mágica. Os resultados evitam, pelo menos, aquilo que ele próprio já chamou o “cinismo” corrente dos super-heróis: estamos perante uma aventura de “aliens” e robots em que o essencial passa pela exuberância de um visual que quer integrar um pouco de tudo, desde a cidade negra e húmida de Blade Runner até ao delírio kitsch de Godzilla. Por vezes, a imponência cenográfica consegue mesmo gerar uma ambiência dramática pouco comum nos “blockbusters” de mera rotina.
Ainda assim, resta saber como sustentar as singularidades do espectáculo quando se depende de uma banal lógica de acumulação de efeitos especiais e, acima de tudo, se menosprezam os valores muito clássicos (e muito nobres) da arte de contar histórias. O argumento de Batalha do Pacífico resume-se a meia dúzia de palavras e, em boa verdade, está todo no trailer do filme. A única coisa que o trailer não diz é quem, entre robots e “aliens”, ganha o combate final... Mas aposto que o leitor já conseguiu adivinhar.

30 anos de Jazz em Agosto

Como diria o senhor de La Palice, não é todos os dias que se fazem 30 anos... Sobretudo quando o aniversário se diz (e soa) em tons jazzísticos. É verdade: o Jazz em Agosto, na Fundação Gulbenkian, comemora três décadas de existência. E o mínimo que se pode dizer é que aposta fazê-lo, com método e energia, cumprindo e reforçando as grandes linhas de força do seu património. Como escreve Rui Neves, director artístico do evento: "O Jazz em Agosto comemora a sua 30ª edição com músicos por si revelados em Portugal, familiares ao público, que se mantêm como impulsionadores de novas linguagens, em constante progressão, e que apresentam em 2013 novos projetos. O festival revela assim a sua identidade, construída ao longo de três décadas, um percurso que acompanha a evolução do jazz, reflexo de um tempo em que as fronteiras se esbatem e a audácia se faz mais notar."
John Zorn (à beira de completar 2x30 anos), Peter Evans e Anthony Braxton são alguns dos nomes mais sonantes, não faltando uma digressão escandinava, Elephant 9, e uma sugestiva programação de materiais filmados, incluindo a projecção da série televisiva aTensãoJAZZ - uma história do jazz em Portugal, da autoria de Rui Neves, com realização de Paulo Seabra. Para já, aqui fica o spot de apresentação do Jazz em Agosto.

Antonioni + Vitti

Digamos, para simplificar, que não haveria cinema moderno se, em 1960, Monica Vitti não tivesse sido filmada por Michelangelo Antonioni... Entretanto, falando de coisas mais terrenas, registe-se esta dupla notícia sobre A Aventura:
1 - o filme vai ser reposto nos EUA em cópias de 35 mm, com chancela da Janus Films;
2 - há um novo cartaz do filme, desenhado por Sam Smyth e lançado pela Criterion Collection.

Eileen Brennan (1932 - 2013)

Actriz americana de enorme versatilidade, oscilando do dramatismo mais intenso à pura comédia, Eileen Brennan faleceu em sua casa, a 28 de Julho, vitimada por cancro na bexiga — contava 80 anos.
Começou por se distinguir no género musical, na Broadway, tendo participado, por exemplo, na primeira produção de Hello, Dolly!, em 1964. Iniciou uma longa carreira televisiva e cinematográfica (mais de uma centena de títulos) em meados dos anos 60. O seu primeiro filme importante, A Última Sessão/The Last Picture Show (1971), de Peter Bogdanovich, proporcionou-lhe também uma das suas melhores interpretações [foto]. Entre os títulos mais conhecidos em que participou incluem-se A Golpada (1973), de George Roy Hill, Loucuras de uma Recruta (1980), de Howard Zieff — que lhe valeu uma nomeação para o Oscar de melhor actriz secundária —, e Texasville (1990), de novo sob a direcção de Bogdanovich, retomando as personagens do filme anterior.

>>> Eileen Brennan numa cena de 6 Mulheres para um Detective (1978), paródia a Casablanca, dirigida por Robert Moore, com argumento de Neil Simon.


>>> Obituário no New York Times.

terça-feira, julho 30, 2013

A juventude de Michel Gondry

Nem só de "blockbusters" vive o Verão... O novo filme de Michel Gondry, A Malta e Eu é um belo exemplo de uma atenção genuína à complexidade do universo juvenil — este texto foi publicado no Diário de Notícias (28 Julho), com o título 'Revalorizando o gosto pelo realismo'.

Para além do trabalho específico desta ou daquela empresa cinematográfica, persiste um drama insólito: de um modo geral, o mercado conhece mal o seu próprio público (seguro ou potencial), como o demonstram alguns desequilíbrios promocionais com que regularmente deparamos. Assim, atravessamos a época dos “blockbusters” mais ou menos “juvenis”, este ano, aliás, com uma preocupante enxurrada de coisas medíocres... E um filme tão enérgico, sedutor e complexo como A Malta e Eu (The We and the I), sobre jovens – e visando, antes do mais, os espectadores mais jovens –, surge discretamente nas salas, sem a promoção maciça de outros produtos, correndo o risco de passar mais ou menos ignorado.
Em defesa do próprio mercado, importa acrescentar que ninguém pretende supor que há soluções “mágicas” para voltar a mobilizar o público que se tem afastado das salas. E escusado será relembrar que a seriedade da conjuntura económica e cultural não se supera pela demonização seja de quem for. Digamos apenas que seria uma pena que A Malta e Eu passasse por aí como um acidente mais ou menos indiferente, sem que atentássemos na ousadia e inteligência das suas propostas.
Que seja uma realização de um dos grandes especialistas da área dos telediscos, o francês Michel Gondry [foto], eis um detalhe que vale a pena sublinhar. Na verdade, Gondry é autor de algumas das obras-primas que, desde a fundação da MTV, têm marcado as relações entre música e imagens, incluindo Bachelorette (Björk, 1997), Let Forever Be (Chemical Brothers, 1999) e The Hardest Button to Button (The White Stripes, 2002). Mais do que isso: Gondry tem desenvolvido um trabalho regular no cinema, por assim dizer desafiando os limites da sua própria verosimilhança figurativa, como no emblemático O Despertar da Mente (2004), com Jim Carrey e Kate Winslet.
São razões que acrescentam alguma irónica surpresa a este A Malta e Eu, já que o filme aposta num realismo muito directo, dir-se-ia de “reportagem”, acompanhando a deslocação de autocarro feita, logo após o fim de um dia de aulas, por um grupo de estudantes de uma escola de Nova Iorque (Bronx). Num certo sentido, Gondry consegue recuperar algumas componentes de The Real World, programa pioneiro da MTV sobre o quotidiano dos jovens (hoje em dia, infelizmente, destruído pelos horrores da “reality TV”): através da avalancha de sinais “superficiais”, vamos compreendendo algo das tensões e contradições sociais que atravessam aquela pequena comunidade.
Graças a um trabalho de representação com jovens “amadores”, Gondry consegue esse efeito desconcertante que nos leva a sentir que aqueles actores se confundem um pouco com as suas personagens, sem que isso exclua uma elaborada lógica de representação. Afinal de contas, o gosto pelo realismo não se opõe (bem pelo contrário!) a uma rigorosa atenção aos artifícios das imagens e dos sons.

Publicidade: uma obra-prima!

É, por certo, uma das obras-primas dos últimos anos da história da publicidade: um anúncio à marca Honda que demonstra como os recursos digitais podem ser, não um fim em sim mesmo, mas um espantoso instrumento de trabalho e criação. O conceito e execução são da agência Wieden + Kennedy London; a sucessão de objectos traça uma história da evolução da própria marca, mobilizando referências que podem ser conhecidas através das informações disponibilizadas pela própria Honda.

segunda-feira, julho 29, 2013

Madonna (ainda) em segredo

Tragédia política? Câmara de eco? Notícias em tom de ópera? Secret Project, de Madonna, em colaboração com Steven Klein, continua a justificar a sua designação — depois do primeiro trailer, aí está o segundo. Parecia ter começado como uma derivação de David Fincher; agora, dir-se-ia uma estranha e envolvente celebração viscontiana...

Aventuras de Guillermo del Toro (1/2)

Com Batalha do Pacífico/Pacific Rim, Guillermo del Toro aposta numa configuração aventurosa em que a dimensão humana tende a ser devorada pelo poder iconográfico dos robots... Para onde vai este cinema industrial? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (22 Julho), com o título 'Guillermo del Toro propõe aventura à maneira japonesa'.

Quando vemos as imagens do filme Batalha do Pacífico (Pacific Rim), é quase inevitável pensarmos em universos enraizados no imaginário da banda desenhada e, muito em particular, na sua tradição japonesa (“manga”). Por um lado, os gigantescos monstros que vêm de uma espécie de dimensão alternativa, desembocando num “portal” do fundo do Oceano Pacífico, fazem lembrar o clássico Godzilla, desde os anos 50 uma referência de culto na produção mais popular do cinema japonês; são, aliás, chamados “kaijus”, precisamente a palavra japonesa que designa os “monstros” ou, de um modo geral, as “criaturas estranhas”. Por outro lado, os robots que os enfrentam, denominados “jaeger” (em alemão, a infantaria militar), são também figuras de tamanho imponente, funcionando com dois seres humanos no seu interior: mais do que pilotos, eles organizam-se como dois sistemas nervosos cuja “união” lhes confere especial energia e determinação.
Mesmo com todas as referências que remetem para um certo imaginário asiático da aventura, Batalha do Pacífico é uma produção americana, distribuída por uma “major” de Hollywood (Warner Bros.) e realizada por Guillermo del Toro, um cineasta... mexicano.

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Com os seus sofisticadíssimos meios de produção, sustentados por um orçamento de 190 milhões de dólares (cerca de 145 milhões de euros), este é um sintoma claro do poder que del Toro foi adquirindo no interior da indústria americana, desde que, em 1993, se revelou internacionalmente com Cronos, uma fantasia de terror ainda rodada no México.
É bem certo que del Toro já tinha assinado alguns “blockbusters”, incluindo dois episódios de Hellboy (2004 e 2008); além do mais, na qualidade de produtor executivo, o seu nome tem surgido ligado a projectos de áreas muito diversas, desde o “thriller” de ficção científica (Splice-Mutante, 2009) até ao desenho animado (O Gato das Botas, 2011). Seja como for, nunca como em Batalha do Pacífico ele terá tentado ir tão longe na exploração dos recursos e regras dos grandes espectáculos de Verão.
Para além da óbvia aposta na conquista dos mercados asiáticos, hoje em dia fundamentais para a estratégia global dos estúdios americanos, Batalha no Pacífico reflecte a vontade de escapar aos modelos correntes dos “super-heróis”, optando por um estilo visual capaz de apresentar às gerações mais jovens a tradição dos “kaijus” e “mecha” (outra palavra japonesa, neste caso designando as aventuras com máquinas e robots), ao mesmo tempo revisitando as mais diversas referências de culto. Não admira que, em particular através de algumas soluções da cenografia, seja possível detectar as heranças de títulos como Alien – O Oitavo Passageiro (1979) ou Blade Runner (1982), ambos dirigidos pelo inglês Ridley Scott.
Curiosamente, para 2014, a Warner anuncia uma nova versão de Godzilla, à qual, em todo o caso, Guillermo del Toro não está ligado. Da sua carregada agenda para os próximos anos, constam a produção da animação Book of Life e a realização de uma nova versão de Pinóquio.

À espera de "Newsroom"...

Newsroom, a notável série criada por Aaron Sorkin, já recomeçou nos EUA... Mas, entretanto, que é feito do conceito de temporada? Será que os seus valores também desapareceram da paisagem cinematográfica e se transferiram para a televisão? — este texto corresponde a parte de uma crónica de televisão publicada no Diário de Notícias (26 Julho), com o título 'Vai haver nova temporada?'.

Tempos difíceis. E tristes. Para o cinéfilo, antes do mais. Estamos em pleno Verão e, no capítulo da ficção audiovisual, a temporada cinematográfica vai-se arrastando com os muitos “blockbusters” promovidos de forma avassaladora, enquanto alguns grandes filmes vão passando discretamente pelas salas escuras. Ironicamente ou não, as verdadeiras novidades vêm do espaço televisivo.
Repare-se: estamos a entrar no mês de Agosto e será que já se viu alguma campanha eficaz a chamar a atenção para aquilo que, em tempos, foi a “abertura” da temporada cinematográfica? Onde estão os destaques dos filmes que, em Setembro/Outubro, vão realmente fazer a diferença?
Procuramos nas televisões e, de facto, tal lógica passou para o pequeno ecrã. Estamos todos (enfim, eu estou... e não creio que esteja isolado nessa expectativa) a aguardar o lançamento das continuações de séries tão notáveis como Newsroom ou The Walking Dead. Na prática, pertence agora às televisões essa capacidade de gerar verdadeiros ciclos de consumo, oferecendo produtos que se distinguem por uma concepção coerente e continuada.
Claro que nada é tão simples. Claro que nada disto pode ser separado da contradição profunda que passou a existir entre a televisão séria e adulta que valoriza séries como as que referi (Homeland também está para reaparecer) e a televisão imediatista que privilegia a generalizada mediocridade de telenovelas e formatos de “reality TV”. Infelizmente, creio que não são muitos os responsáveis televisivos disponíveis para pensar a questão fulcral. A saber: a persistência desses modelos populistas em paralelo com o crescimento regular e consistente do consumo da... televisão por cabo.

domingo, julho 28, 2013

J. J. Cale (1938 - 2013)

Cantor e compositor, fez uma síntese singular de blues, rock'n'roll, rockabilly e country: J. J. Cale faleceu no dia 26 de Julho, no Scripps Hospital de La Jolla, California, vitimado por um ataque cardíaco — contava 74 anos.
De seu nome John Weldon Cale, natural de Oklahoma City, cresceu e estudou em Tulsa, Oklahoma, sendo um dos criadores do chamado "Tulsa Sound", variação da tradição do blues, integrando diversas inspirações tradicionais. Sempre discreto, Cale começou por ser mais conhecido como autor de temas que deram celebridade a outros intérpretes — entre os mais célebres, contam-se Eric Clapton (After Midnight e Cocaine) e os Lynyrd Skynyrd (Call Me The Breeze), tendo composto também para Johnny Cash, Santana e os Allman Brothers. O seu primeiro álbum a solo, Naturally, surgiu em 1971, tendo editado ao todo catorze, o último dos quais, Roll On, tem data de 2009. Recebeu um Grammy (melhor álbum de blues contemporâneo), partilhado com Eric Clapton, graças a The Road to Escondido (2006). Em 2007, lançou Rewind: The Unreleased Recordings, antologia de canções inéditas, compostas entre 1971 e 1983.

>>> Devil in Disguise, do álbum Grasshopper (1982) — gravação num estúdio holandês, em 1994.


>>> Obituário no New York Times.
>>> Memória de J. J. Cale no jornal Tulsa Today.
>>> Site oficial de J. J. Cale.

Madonna, 1983

FOTO: Gary Heery
> do portfolio do álbum Madonna, 1983
Trinta anos depois do lançamento do primeiro álbum de Madonna, memórias daquela que ainda não tinha o cognome de Material Girl — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 Junho), com o título 'Quando Madonna apostou em… governar o mundo'.

A 15 de Abril de 1983, estreava-se nas salas dos EUA o filme Flashdance, realizado por Adrian Lyne. Com música de Giorgio Moroder, a sua aposta fundamental consistia em integrar no espectáculo cinematográfico as novas linguagens ligadas à popularidade da MTV. Criada dois anos antes, a “televisão da música” tinha gerado as condições para um novo modelo de comunicação musical: o teledisco.
Cerca de três meses mais tarde, a 27 de Julho de 1983 – faz hoje, precisamente, 30 anos –, surgia o primeiro álbum de Madonna (poucas semanas antes de ela celebrar o 25º aniversário, a 16 de Agosto). Chamava-se apenas… Madonna e, numa conjuntura de muitas transformações culturais e comerciais, veio a desempenhar um papel fundamental.
Quando saíu, dois dos respectivos temas, Everybody e Burning Up, já tinham sido lançados como singles, em boa verdade sem conseguirem grande impacto: nenhum deles chegou sequer a entrar no top (Hot 100) da revista Billboard. O certo é que, a pouco e pouco, Madonna começava a consolidar uma imagem e um estilo que, certamente não por acaso, tiveram no teledisco de Burning Up, dirigido por Steve Barron, um dos sucessos da programação da MTV no Verão de 1983.
A passagem pelos clubes noturnos seria decisiva. Aliás, era desse universo que Madonna provinha, ela que no início da década já integrara a banda The Breakfast Club, um dos muitos agrupamentos novaiorquinos apostados numa pop dançante com sintetizadores. Além do mais, a figura de Debbie Harry (Blondie) e o então já lendário CBGB (na Bowebry, Manhattan) eram, para ela, referências inspiradoras.
Quando olhamos para trás, dir-se-ia que dois dos vectores essenciais do universo de Madonna já estavam inscritos no seu ADN musical: um gosto visceral pela música de dança e um sentido de pose e imagem que passava por uma elaborada acumulação de rendas, pulseiras e crucifixos. A primeira sistematização desse look aconteceu no teledisco de Lucky Star, dirigido por Arthur Pierson, outro dos temas emblemáticos do álbum de estreia.
Lucky Star viria a ser o primeiro single de Madonna a entrar no top 5 da Billboard, mas é um facto que o tema Holiday, com o seu contagiante espírito de celebração (“It’s time for the good times…”), permanece como o símbolo mais exemplar do álbum. É significativo, aliás, que tenha integrado as suas principais antologias, The Immaculate Collection (1990) e Celebration (2009), além de ser regularmente retomado nas suas digressões. Em boa verdade, pode dizer-se o mesmo de várias das oito canções do álbum, incluindo Borderline, reinventada com uma sonoridade inesperada e agressiva, quase punk, em 2008, durante a “Sticky & Sweet Tour”.
Dos mais de 300 milhões de discos vendidos por Madonna ao longo da sua carreira, 10 milhões pertencem ao seu primeiro álbum (cerca de metade no mercado americano). Em finais de 1983, no programa televisivo American Bandstand, Dick Clark pediu-lhe que exprimisse os seus votos para o ano seguinte. “Governar o mundo!”, disse ela [video]. Não se enganou por muito.


>>> Site oficial de Madonna.

Elton John: à espera do 30º álbum

Está a chegar (meados de Setembro) o 30º álbum de estúdio de Elton John. Chama-se The Diving Board e apresenta quinze novos temas — música de Elton John, letras de Bernie Taupin, produção de T-Bone Burnett. Nostalgia dos sons mais remotos da década de 70? Talvez, nada contra... Aqui fica o primeiro single, Home Again, em formato "lyric video".


>>> Site oficial de Elton John.

Jessica Chastain ou o "glamour" primitivo

Em boa verdade, classificar o glamour de primitivo é uma redundância. A sua presença está muito longe de se confundir com a mera colagem aos desígnios da moda, seja ela qual for — o glamour projecta-nos sempre na metódica nostalgia de algum passado, a sua afirmação não é prospectiva, mas melancólica.
No cinema contemporâneo, Jessica Chastain é uma das poucas actrizes capazes de manter esse laço simbólico, secretamente carnal, com um tempo antigo em que a noção de star possuía um valor que, hoje em dia, os estrategas do marketing ignoram. Exemplo: o seu portfolio na Madame Figaro (17 Maio), com assinatura de James White.

sábado, julho 27, 2013

Madonna: 30 anos depois

Um grão de provocação. Outro de timidez. E o teatro de tudo isso. Foi assim que Gary Heery fotografou Madonna nos tempos remotos em que ela era uma personagem muito activa, mas quase desconhecida, dos clubes noturnos e da cena da música de dança de Nova Iorque. O resultado foi um lendário portfolio da história da iconografia pop — dele saíria a imagem da capa do primeiro álbum de Madonna.
Chamava-se apenas Madonna. E chegou às lojas americanas no dia 27 de Julho de 1983 — faz hoje 30 anos. Dito de outro modo: não é possível fazer a história da música popular das últimas décadas sem passar pelos oito temas com que a futura Material Girl começou a consolidar o seu poder de Rainha da Pop. Para que conste:

>>> LUCKY STAR, real. Arhtur Pierson.


>>> BORDERLINE, real. Mary Lambert.


>>> BURNING UP, real. Steve Barron.


>>> I KNOW IT (audio).


>>> HOLIDAY (registo televisivo).


>>> THINK OF ME (audio).


>>> PHYSICAL ATTRACTION (audio).


>>> EVERYBODY, real. Ed Steinberg.


>>> Madonna no site Mad-Eyes, na Wikipedia e no All Music.

>>> Em 1985, o álbum foi relançado na Europa com outra capa (foto de George Holy) e a indicação 'The First Album'.

Mick Jagger: como num filme

No dia 26 de Julho, Mick Jagger celebrou 70 anos de vida. Parece um filme — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Julho), com o título 'Um filme em tons de cinzento'.

Em 1993, Mick Jagger lançou Wandering Spirit, o seu terceiro álbum a solo. É uma pequena obra-prima de introspecção, feita sob o signo de um rock’n’roll de obstinada fidelidade às suas pulsões mais primitivas. A capa (assinada por Annie Leibovitz) resume toda uma visão artística, sob o signo de um perverso e angustiado narcisismo: Jagger faz pose, tronco nu, sentado numa cama, enquanto do outro lado, de costas, também tronco nu, a figura que partilha a sua solidão é... o próprio Jagger. E não deixa de ser desconcertante que uma figura célebre, tão associada à agitação das luzes do espectáculo e das passadeiras vermelhas, cante um tema de tão irónico romantismo como Evening Gown: “Dizem que sou um solitário / Gosto de me perder nas multidões”. À espera de quê? “(...) À espera que o teu cabelo louro / Fique grisalho”.


Jagger é um entertainer que tem essa capacidade de nos sugerir que tudo aquilo que canta, a solo ou com os Stones, decorre de uma história pessoal tão confessada quanto ficcionada. Há nele uma dimensão de “clown” que o liberta de qualquer prisão emocional, ironizando os próprios dramas que nos expõe – como se a sua pose de palco resultasse da magia paradoxal da dor de uma Judy Garland transfigurada pela teatralidade de Elvis Presley.
Que, agora, ele celebre 70 anos, eis um simples detalhe. As memórias acumuladas são típicas de um dinossauro do rock, sendo o rock, mais do que um estilo musical, uma postura existencial. Não por acaso, Jagger é um cinéfilo, como o prova o emblemático tema que é Hang On to Me Tonight (ainda de Wandering Spirit): “Como num filme, devastaste a minha vida / Como num filme, as estrelas desaparecem / Todas as personagens declamam as suas falas / E as cenas de amor são filmadas em tons de cinzento.”

sexta-feira, julho 26, 2013

Nos 70 anos de Mick Jagger

Em boa verdade, o calendário é um erro conceptual — faz-nos julgar que controlamos os desígnios do tempo. Mas é um erro sedutor e envolvente: sempre que deparamos com um número redondo, somos impelidos a convocar símbolos e fazer história. Digamos que Mick Jagger, naturalmente indissociável da sua banda, não nos exige nenhuma pompa, a não ser o reconhecimento da sua longa aventura com essa ditadura do tempo, seus êxtases, atribulações, silêncio e quietude. Cumprimos, por isso, o dever de o saudar no dia em que perfaz 70 anos. É um dever que nos faz sentir bem com o primado da ordem. Ou da música, se a palavra não se perder na aceleração em que vivemos. Happy birthday, Mr. Jagger.

>>> LIVE AID, Filadélfia, 13 de Julho de 1985: Mick Jagger, Lonely At The Top.

A família real vista pela Magnum

1973 - casamento da Princesa Ana
A propósito do nascimento do bebé real, a agência Magnum propõe uma revisão de algumas das suas fotografias mais emblemáticas dedicadas à realeza britânica. Das situações de pompa e circunstância até aos momentos extra-protocolo, eis um magnífico portfolio que vale a pena redescobrir — as duas imagens aqui reproduzidas têm ambas assinatura de Martin Parr.
1997 - Londres

14 segundos de um comboio a descarrilar

Nas páginas do New York Times pode encontrar-se o video da câmara de vigilância que registou o terrível acidente de Santiago de Compostela. Faz-se click e acedemos aos 14 segundos de imagens em movimento [ver no final deste post].
O mesmo video está, evidentemente, disponível em sites de órgãos de informação de todo o mundo. São raros os que dão a ver as imagens com esta secura do NYT. Na maior parte dos casos, antes das imagens surgem anúncios (nalguns casos com cerca de 30 segundos de duração). Em sites de diversos países, antes daqueles 14 segundos, encontrei publicidade a:

* uma ligação à Net
* uma companhia aérea
* uma instituição de crédito
* uma pasta de dentes
* um desodorizante

Não se trata de sugerir que alguns jornais ou canais de televisão são "mais", outros "menos", sensíveis à tragédia em Espanha. O que importa reter não tem a ver directamente com esta notícia, mas com o enquadramento de muitas notícias. A saber: o poder normativo das percepções correntes pela publicidade triunfa para além dos conteúdos informativos. No limite, já não temos espaços informativos que inserem publicidade, mas sim mensagens publicitárias que, de vez em quando, se suspendem para deixar passar as notícias.
Sou dos que pensam que a publicidade é um fascinante domínio criativo (e, se provas são necessárias, alguns posts deste blog, ao longo dos anos, atestam-no sem equívoco). O certo é que isso não me impede de pensar também que, não poucas vezes, os jornalistas se demitiram de avaliar o modo como a publicidade pode tomar o poder sobre as configurações das mensagens que produzem e publicam — não lidar com tal problemática é, implicitamente, desvalorizar o valor primordial da prática jornalística.

quinta-feira, julho 25, 2013

Bernadette Lafont (1938 - 2013)

Símbolo da renovação geracional da Nova Vaga francesa, célebre pelos seus papéis de rebelde, Bernadette Lafont faleceu, no dia 25 de Junho, num hospital de Nîmes — contava 74 anos.
Sem formação específica, dotada de um notável instinto interpretativo, Lafont encaixou exemplarmente no espírito de liberdade criativa e improvisação dos autores da Nova Vaga. Estreou-se na curta-metragem Os Putos/Les Mistons (1957), de François Truffaut, distinguindo-se depois em Um Vinho Difícil/Le Beau Serge (1958), primeira longa-metragem de Claude Chabrol. A sua carreira tem os inevitáveis altos e baixos de uma filmografia de mais de centena e meia de títulos, incluindo muitas produções televisivas. Em todo o caso, o seu nome destaca-se em produções como A Noiva do Pirata (1969), de Nelly Kaplan, Out 1 - Noli Me Tangere (1971), de Jacques Rivette, ou Uma Bela Rapariga (1972), esta a experiência de Truffaut mais próxima da tradição do burlesco em que, além do mais, Lafont também canta [trailer]. Integrou o elenco de A Mãe e a Puta/La Mamain et la Putain (1973), obra de um intimismo radical, assinada por Jean Eustache, porventura um dos mais dramáticos balanços das ilusões e desilusões da década de 60. Foi distinguida com dois Césares: o primeiro, em 1986, para melhor actriz secundária em L'Effrontée, de Claude Miller; o segundo, em 2003, pela sua carreira. O seu último filme a chegar ao mercado português foi O Verão do Skylab (2011), de Julie Delpy.


>>> Obituário no jornal de Le Monde.
>>> O jornal Libération homenageia-a na sua edição de 26 de Junho, assinalando a "morte de uma pirata".



Hollywood e os seus milhões

1. R.I.P.D. é o título de um dos grandes falhanços comerciais deste Verão nas salas dos EUA. "Bom" ou "mau"? Não interessa. Literalmente: não é disso que estas linhas falam. Trata-se, isso sim, de reagir contra um certo ambiente "jornalístico" em que parece só ser possível abordar os "blockbusters" que Hollywood lança no Verão em função de uma descrição festiva (?): seriam sempre uma apoteose de milhões de dólares, ganhos num abrir e fechar de olhos... Semelhante "informação" nem sequer se preocupa em perceber o labirinto económico em que as coisas acontecem. De facto, que um filme tenha passado a barreira dos 100 milhões de dólares, pode dar uma boa manchete... Mas não seria, no mínimo, prudente acrescentar quanto custou? Por vezes, pode ter custado mais de 200 milhões. O que significa que, de acordo com as normas vigentes, se investiram pelo menos mais uns 150 milhões na respectiva promoção — na prática, uma receita de 100 milhões pode ser um suave... desastre! R.I.P.D., precisamente: sendo a primeira semana de exibição um factor sempre decisivo para este tipo de produtos, o filme está a chegar a 16 milhões de receita ao fim do sexto dia de exibição, tendo custado... 130 milhões!

2. Não se trata de dizer que, alguém, deste lado do Atlântico, descobriu tais problemas... Nada disso. Trata-se, isso sim, de (re)lembrar que a economia dos "blockbusters" está a ser cada vez mais discutida em Hollywood — personalidades tão influentes como Steven Spielberg e George Lucas já falaram mesmo da possibilidade de "implosão" da indústria. Ora, justamente, o tema adquiriu nova pertinência neste Verão de vários desastres nas bilheteiras, a ponto de uma publicação tão prestigiada como The Hollywood Reporter (re)abrir a questão, através de um artigo de Pamela McClintock, propondo "5 maneiras" para resolver a actual crise de audiências. Vale a pena ler o artigo que, num tom sucinto e saudavelmente provocatório, relembra factores como os custos astronómicos, as sobreposições de lançamentos de títulos de algum modo semelhantes e até a saturação de banais filmes de desenhos animados. Sem esquecer que a possibilidade de "fazer filmes melhores" não deve ser posta de parte — há mesmo um produtor (não identificado) que terá declarado: "Na verdade, os filmes que falharam neste Verão não mereciam fazer mais receitas do que aquelas que conseguiram."

quarta-feira, julho 24, 2013

Fiona by P. T. Anderson

Sugere-se ao leitor que cancele compromissos sociais (e desligue o telemóvel!) nos próximos 4 minutos (+ 10 segundos): o novo teledisco de Fiona Apple é um daqueles acontecimentos que merece a nossa disponibilidade total, se possível com uma boa e descomplexada dose de reverência.
Hot Knife, do álbum The Idler Wheel... (um dos acontecimentos de 2012), chega-nos transfigurado por uma primorosa realização de Paul Thomas Anderson (o mestre de The Master). Aliás, fiel à lírica de Fiona — He makes my heart a cinemascope... —, Anderson explora o formato largo para a encenar num fascinante jogo de espelhos. Como num filme. 


>>> Site oficial de Fiona Apple.

Conversando com Orson Welles

Autor de teatro e cinema, também actor, o inglês Henry Jaglom (n. 1938) foi amigo e colaborador de Orson Welles (1915-1985). Nos quatro anos finais da vida de Welles, Jaglom almoçou muitas vezes com ele, levando consigo um gravador — objectivo: acumular material para uma autobiografia. O certo é que o projecto nunca se concretizou e as gravações permaneceram inéditas durante quase três décadas. Agora, são a matéria central de um livro que se chama, de forma sugestiva, My Lunches with Orson.
No site da editora, Metropolitan Books, encontramos uma ficha informativa sobre o livro, um extracto de uma das conversas e também um comentário audio de Peter Biskind (responsável pelo prefácio). A não perder também, uma entrevista com Jaglom nas páginas da NPR.

terça-feira, julho 23, 2013

François Ozon: a casa das palavras

Realizador de títulos como Sob a Areia (2000), Oito Mulheres (2002) ou O Tempo que Resta (2005), François Ozon possui a notável capacidade de explorar, de forma inventiva, os mais diversos géneros clássicos. Agora, com Dentro de Casa, propõe-nos um fascinante conto moral sobre o poder das palavras — este texto foi publicado no Diário de Notícias (22 Julho), com o título 'O génio de François Ozon.

O que é, afinal, uma narrativa? Interrogação antiga que, nos tempos que correm, conduz a uma imediata problematização da “transparência” da televisão. Porquê? Porque as linguagens dominantes no espaço televisivo tendem a produzir uma máscara de ingenuidade: não haveria narrativa (entenda-se: responsabilização pelas imagens e sons) porque a televisão não seria mais do que uma “transcrição” passiva do mundo à nossa volta... Faz sentido, por isso, aconselhar o filme Dentro de Casa, do francês François Ozon, a todos os que, dentro ou fora da televisão, tentam promover uma noção pueril, não apenas do labor televisivo, mas de todo e qualquer dispositivo narrativo.
Dentro de Casa é um dos filmes mais subtilmente divertidos que, em meses recentes, chegou às salas portuguesas: uma espécie de perverso teatro de vaudeville sobre os prós e contras da arte narrativa. E, para mais, colocando em cena as vicissitudes da escola contemporânea. Tudo se passa, então, a partir da experiência de Claude (Ernst Umhauer), um aluno de 16 anos cuja qualidade de escrita começa a impressionar o seu professor de francês, Germain (Fabrice Luchini). Empenhado em desenvolver o talento de Claude, Germain incita-o a uma observação cada vez mais apurada da realidade por ele escolhida. Acontece que essa realidade é nada mais nada menos que o quotidiano familiar de um outro aluno... Claude entrega-se com tal dedicação à sua tarefa que, a pouco e pouco, Germain começa a ficar algo perturbado (ainda que sempre seduzido) pelas componentes “voyeurísticas” da prosa do seu pupilo.
O ponto de partida de Dentro de Casa é a peça O Rapaz da Última Fila, do espanhol Juan Mayorga (já encenada entre nós pelos Artistas Unidos) que o próprio Ozon [foto] transformou em argumento cinematográfico. Assumindo-se como discípulo de uma radiosa tradição que passa por autores como o francês Jean Renoir ou o alemão Ernst Lubitsch, o cineasta consegue criar uma contagiante vertigem que, em última instância, discute as alianças entre realidade e desejo, percepção e imaginação, que qualquer narrativa envolve. O génio de Ozon passa pela forma como contorna a pergunta mais básica: afinal, aquilo que Claude conta nos seus textos é “verdade” ou “mentira”? Germain vai descobrindo (e nós vamos descobrindo com ele) que tal dicotomia é francamente insuficiente para lidar com o que está a acontecer. Porquê? Porque a escrita emerge como uma nova forma de poder no interior da realidade em que é lida.
Daí a espantosa actualidade política de Dentro de Casa. Através das suas peripécias, reencontramos o trabalho do narrador como um gesto primordial do próprio ser humano. Contar/escrever/partilhar uma história não é uma “transcrição” do mundo, antes o seu alargamento para novos parâmetros da realidade. Delicioso escândalo: na civilização das imagens, um filme que celebra o poder das palavras.

Saudando o bebé real

Por estes dias, quando acedemos ao motor de pesquisa Google e escrevemos a palavra "royal", o sistema imediatamente nos propõe uma primeira opção: "royal baby"...
Mas não simplifiquemos: a histeria dos repórteres televisivos, naquele tom de ansiedade de quem acha que o mundo vai explodir e lhes falta dizer uma frase com alguma pertinência, não esgota o acontecimento real, isto é, o nascimento do filho do Duque e da Duquesa de Cambridge.
Afinal de contas, como o jornal The Times exemplarmente resume: "Nasceu um futuro Rei". Daí o misto de admiração e ironia com que podemos olhar para esse espantoso fenómeno que é a proliferação de objectos que, no espaço do consumo, comemoram o evento — para além do delicioso exemplo aqui reproduzido, vale a pena ler o artigo de The Guardian sobre a muito variada e espectacular 'Royal baby memorabilia'. Se há acontecimento transversal, é este: nele podemos ler a complexidade do social, desde as tendências do comércio até aos valores da mitologia nacional.

Dennis Farina (1944 - 2013)

Foi o popular detective Joe Fontana, na série Lei & Ordem (2004-2006): o actor americano Dennis Farina faleceu num hospital de Scottsdale, Arizona, vitimado por uma embolia pulmonar — contava 69 anos.
O facto de ter sido oficial da polícia, em Chicago, levou muitas vezes a inevitáveis paralelismos entre os conhecimentos adquiridos com essa sua experiência e o facto de, mais tarde, ter assumido diversas personagens de polícia (ou mafioso). Foi Michael Mann que lhe deu a primeira oportunidade: tendo-o como consultor do filme O Ladrão Profissional/Thief (1981), acabou por convidá-lo para um pequeno papel. Aliás, Mann voltou a dirigi-lo em Caçada ao Amanhecer/Manhunter (1986), o primeiro filme sobre Hannibal Lecter, e na série Miami Vice (1984-1990). Entre os seus títulos mais célebres incluem-se Jogos Quase Perigosos/Get Shorty (Barry Sonnenfeld, 1995), Romance Perigoso/Out of Sight (Steven Soderbergh, 1998) e O Resgate do Soldado Ryan (Steven Spielberg, 1998). Um dos seus derradeiros papéis, contracenando com Dustin Hoffman, foi na notável e inacabada série Luck, da HBO [trailer], em que Michael Mann desempenhou funções de produtor executivo, tendo dirigido o primeiro episódio.


>>> Obituário em The Hollywood Reporter.

segunda-feira, julho 22, 2013

O suicídio eleitoral do PS?

JOHN KENSETT
O Velho Pinheiro
c. 1872

1. Estranha indiferença. Na sempre bizarra acalmia do dia seguinte, muitas interpretações do discurso do Presidente da República (21 Junho) salientam que Cavaco Silva se limitou a fazer o que, para ele, seria mais natural — conservar o Governo PSD/CDS-PP em funções —, ignorando tais interpretações o papel do Partido Socialista em toda esta conjuntura.

2. Podemos, evidentemente, especular infinitamente sobre as razões, visíveis ou ocultas, de todos os protagonistas. Num esforçado delírio conspirativo, estilo sempre na moda (em particular nas redes ditas sociais), podemos até considerar que tudo aquilo que aconteceu não passou de uma cabala dos "cavaquistas" para atrair o PS e, perante a sua esperada recusa de acordo com os partidos no poder, abrir caminho a uma "normal" confirmação da actual governação.

3. Tal delírio satisfará, por certo, as boas consciências de todas as esquerdas, mas não consegue rasurar o essencial do combate simbólico que persiste. A saber: o PS, em nome da sua dignidade, afasta-se voluntariamente de qualquer peso de influência na área da governação, recolocando-se uma vez mais no espaço de reivindicação dos comunistas. Resta saber até que ponto tal escolha (porque se não é uma escolha, não passa de um disparate moralista) pode envolver uma lógica candidamente suicida.

4. Na prática, para não se sentir indigno, o PS continua a esbracejar na terra de ninguém de uma esquerda que confunde a riqueza da sua mitologia com o pragmatismo do combate político: além de não revelar qualquer estratégia de entendimento com as forças da direita, o PS continua a não ter a coragem de, de uma vez por todas, afirmar que, politicamente, não pertence, nem quer pertencer, à área da esquerda comunista. Consequência prática: a crispação que se anuncia — com a "radicalização estéril" a que, muitíssimo bem, se refere Henrique Monteiro — vai devolver protagonismo (televisivo, antes do mais) às forças em torno do PCP (veja-se o timing de Arménio Carlos, logo no próprio dia 21: "CGTP não exclui avançar para nova greve geral").

5. António José Seguro insiste em lutar para, nas próximas eleições, conseguir "maioria absoluta". Mais do que nunca, importa dizer que esse discurso de triunfalismo à distância é um erro estratégico (cortando laços de diálogo com as outras forças políticas) e um infantilismo ideológico (permanecendo enredado num sebastianismo tecido de "amanhãs que cantam"). Reconhecê-lo não é negar o importantíssimo papel do PS no presente e, sobretudo, no futuro, da sociedade portuguesa — reconhecê-lo é tão só lembrar que seria duplamente trágico que o PS fosse o principal agente da sua própria morte eleitoral. Com dignidade, por certo.

O Papa e o diabo nas redes sociais

Decididamente, não há paciência para a "imaginação" e a "liberdade" com que, por vezes, são utilizadas as chamadas redes sociais. Agora, a patetice infantil — que, como sempre, se espalhou pelo planeta como um vírus — descobriu que, na sua mais recente edição, a revista Time representa o Papa Francisco com... cornos! As extremidades da letra "M" emprestariam ao líder dos católicos a iconografia de uma figura diabólica...
Será que a maioria dos que se ligam através da "sociedade" das redes esqueceu o que é a complexidade íntima (e social, justamente) de um olhar? E que não basta fingir que se pensa para construir algo que mereça o nome de pensamento?
Provavelmente, já há grupos "sociais" constituídos para analisar porque é que a mesma revista Time, por certo em nome de desígnios do diabo, insiste neste vício? Então não é verdade que, se recuarmos na sua história, mesmo só até finais de 2007, vemos que já se atreveram a fazer o mesmo com Barack Obama e Vladimir Putin?...


Um escândalo!!! É bem verdade que os mesmos militantes "sociais" que difamaram a Time por apoiar Obama (como se um jornalismo empenhado de forma transparente nas suas causas fosse um fenómeno anti-democrático), agora terão de encontrar alguma tese interessante para explicar esta diabolização... Em todo o caso, eu tenho uma proposta mais construtiva e, por certo, muito mais "social". Que se faça uma petição online para que a perversa publicação corrija, urgentemente, o seu logotipo.
Aguardamos, então, o nascimento de uma revista sem desvios diabólicos. Reparem como a solução é simples:

T I m E

Denys de La Patellière (1921 - 2013)

Realizador de alguns sucessos do cinema francês dos anos 50/60, Denys de la Patellière faleceu a 21 de Julho, em Dinard (Ille-et-Vilaine) — contava 92 anos.
É quase inevitável descrever o trabalho de de la Patellière pela negativa. Ou melhor: em função de uma negação. De facto, ele foi um dos alvos preferenciais dos jovens críticos/cineastas da Nova Vaga francesa, que o elegeram como símbolo do "cinéma de papa", tradicional e retórico, que rejeitavam. Tendo começado nas actualidades cinematográficas como montador, estreou-se na realização com Os Aristocratas (1955), com Pierre Fresnay. Alguns dos seus títulos mais famosos foram protagonizados por Jean Gabin, neles se incluindo As Grandes Famílias (1958), Rififi em Paris (1966) e Le Tueur (1972). O seu maior sucesso foi uma aventura na Segunda Guerra Mundial intitulada Um Taxi para Tobrouk (1961), com Hardy Krüger, Lino Ventura e Charles Aznavour.

>>> Obituário no Libération.

domingo, julho 21, 2013

Cinema inédito na televisão

Quando os grandes filmes não chegam às salas, onde estão? Por vezes, passam de forma mais ou menos "distraída" nos canais de televisão... Esta crónica de televisão foi publicada no Diário de Notícias (19 Julho), com o título 'Que filmes de Verão?'.

1. É um facto que, entre os títulos que vão chegando às salas escuras, os chamados “blockbusters” de Verão gozam de privilégios informativos que, por regra, não são concedidos a qualquer outro tipo de filmes. Mesmo sem discutirmos a parcialidade de tal informação face à diversidade da oferta, o certo é que a sua existência nem sequer se reflecte nas opções de programação dos canais generalistas. Repare-se: será que há uma temporada de Verão que reponha o cinema no lugar nobre que lhe pertence? Entre telenovelas, música pimba pelo país fora e a avalancha de horrores da “reality TV”, confesso que não dei por nada...

2. O mercado cinematográfico, convém não esquecer, também anda à deriva. Que é como quem diz: para além de muitos factores conjunturais, de natureza sociocultural, a baixa de frequência das salas não pode ser separada dos impasses de um sistema de distribuição/exibição que revela dificuldades em, pelo menos, conhecer e reconhecer a diversidade dos seus públicos (também aqui o plural é obrigatório: “o” público não existe; existem, isso sim, grupos distintos com diferentes tendências de consumo). Exemplo gritante de tais desequilíbrios é a passagem discreta, banalmente veraneante, de um filme tão espantoso como O Assassino em Mim (TV Cine). Estamos perante uma revelação absoluta, já que esta produção de 2010, estranhamente, nunca estreou nas salas. Baseado no romance de culto de Jim Thompson, trata-se de uma espantosa reinvenção dos códigos clássicos do “filme negro”, tendo como centro dramático a personagem extremamente violenta de um jovem xerife de uma pequena cidade americana. Estaremos, então, perante um objecto esotérico para cinéfilos eremitas?... Enfim, este é um filme de Michael Winterbottom (o realizador de Um Coração Poderoso, com Angelina Jolie), protagonizado por Casey Affleck, Jessica Alba e Kate Hudson. Se estes nomes não fazem um acontecimento, então importa perguntar onde e como o mercado detecta os seus próprios acontecimentos.

sábado, julho 20, 2013

Jerry Lewis (re)visto em Paris

Velha questão teórica, inevitavelmente irónica: Jerry Lewis é um autor há muito consagrado em França (e noutros contextos europeus), permanecendo para quase todos os americanos, especialmente os jornalistas e críticos, uma mera curiosidade do género cómico. Dir-se-ia que o seu génio para desmontar os dispositivos do cinema clássico — sobretudo nos filmes que realizou na década de 60, incluindo O Homem das Mulheres (1961) e Jerry e os Seis Tios (1965) — o torna irremediavelmente baço perante os olhares de quem observa tais dispositivos como coisas "naturais".
Vem isto a propósito de mais um curioso (e divertido) sintoma de tal "incompatibilidade". Tem a ver com a recente reposição, em Paris, de The Nutty Professor (1963), genial variação sobre O Médico e o Monstro, em França chamada Docteur Jerry et Mister Love (entre nós: As Noites Loucas do Dr. Jerryll). Bruce Handy, editor da Vanity Fair, esteve numa das sessões, falou com alguns espectadores e dá conta da sua risonha descrença: o artigo está disponível no site da revista; já agora, sugiro a revisão da cena admirável em que, pela primeira vez, o Professor Julius Kelp (o "médico", na foto) surge transfigurado em Buddy Love (o "monstro").