segunda-feira, maio 30, 2011

A televisão segundo Marcelo — ou como fazer política?

GIORGIO VASARI
As Tentações de São Jerónimo, 1541
Os comentários de Marcelo Rebelo de Sousa na noite de domingo, na TVI, não caíram desta vez no imenso silêncio com que, de um modo geral, a classe política encara os discursos televisivos. Assim, Vieira da Silva, dirigente do Partido Socialista, referiu-se a uma ultrapassagem dos "limites do aceitável" e àquilo que considerou um "apelo ao voto".
Em boa verdade, semelhante reacção só peca por tardia: a esmagadora maioria dos políticos continua a comportar-se como se o dispositivo televisivo não existisse, recusando-se sistematicamente a lidar com os elementos discursivos e simbólicos desse dispositivo. Vale a pena referir alguns desses elementos, na certeza de que o simplismo das intervenções de Marcelo Rebelo de Sousa não passa de uma gota de água no imenso oceano de degradação comunicativa que, todos os dias, as televisões fabricam e promovem.
Três exemplos (renovados ao longo desta campanha):

1 - a promoção do anedótico: para as televisões, já quase não há campanha eleitoral, mas apenas anedotas que pontuam o dia a dia dos candidatos.
2 - o discurso político como reacção instantânea: todos os dias, os protagonistas políticos são compelidos a intervir em situações de pressão e aceleração, reduzindo qualquer pensamento à obrigação de um soundbyte que funcione em 5 ou 10 segundos.
3 - a fulanização dos comentários: muitos comentadores tratam a política como uma galeria de retratos impressionistas dos seus protagonistas, especulando infinitamente sobre a "psicologia" das respectivas personalidades e intenções.

Para este estado de coisas, insisto, muito contribui a indiferença — ou apenas a cobardia intelectual — de muitos protagonistas da cena política. Aliás, todos os dias sentimos que esses protagonistas se submetem à formatação comunicativa em que as televisões os encerram, limitando-se a funcionar como peças instrumentais de uma narrativa que, salvo raras excepções, privilegia o anedótico e celebra, até á histeria, todas as hipóteses de conflito.
Dito de outro modo: quase todos os membros da classe política continuam a enquistar-se na recusa de pensar a televisão como um dado vital (a meu ver, o dado vital) dos valores educacionais e morais de Portugal, aqui e agora. Resta saber se estamos apenas perante a cegueira patética de quem se demitiu do mais visceral gesto político: olhar à sua volta.
A pergunta é, por isso: como fazer política sem pensar politicamente a televisão?