sábado, abril 09, 2011

Sidney Lumet (1924 - 2011)


Realizador de alguns dos mais famosos filmes sobre os bastidores da polícia da sua cidade natal, Nova Iorque, incluindo Serpico (1973) e Príncipe da Cidade (1981), Sidney Lumet morreu no dia 9 de Abril, na sua casa em Manhattan — contava 86 anos.

Autor de uma obra imensa, com cerca de meia centena de títulos, alguns dos quais ajudaram a definir a idade moderna do cinema americano, Lumet pode simbolizar toda uma geração (Arthur Penn, Sydney Pollack, John Frankenheimer, etc.) que, afinal, adquiriu experiência técnica e narrativa na televisão (onde se iniciou em 1950). A sua primeira longa-metragem — Twelve Angry Men/Doze Homens em Fúria (1957), com Henry Fonda e Lee J. Cobb —, sobre o funcionamento interno de um júri de tribunal, é mesmo construída a partir do argumento de um drama televisivo (teleplay), escrito por Reginald Rose, origi-nalmente emitido, em 1954, com direcção de Franklin Schaffner.

A agilidade criativa da televisão, nessa época a viver um momento de continuada experi-mentação, somou-se, no caso de Lumet, à experiência como encenador teatral. Dito de outro modo: o elaborado trabalho com os actores foi sempre uma imagem de marca de Lumet. As primeiras e decisivas afirmações de tal postura estão em três títulos sucessivos, na transição das décadas de 50/60:
The Fugitive Kind/O Homem na Pele de Serpente (1959), com Marlon Brando, Joanne Woodward e Anna Magnani, tendo como base a peça Orpheus Descending, de Tennessee Williams;
A View from the Bridge/Do Alto da Ponte (1962), versão da peça de Arthur Miller protagonizada por Raf Vallone e Maureen Stapleton;
Long Day’s Journey Into Night/Longa Jornada para a Noite (1962), a peça de Eugene O’Neill adaptada pelo próprio, com Katharine Hepburn, Ralph Richardson, Jason Robards e Dean Stockwell.

The Hill/A Colina Maldita (1965) é, talvez, o título que define uma viragem decisiva na trajectória do realizador. Retratando uma prisão britânica no norte de África, durante a Segunda Guerra Mundial, Lumet equaciona duas fundamentais linhas temáticas: as ambivalências de todas as relações de poder e um sentido dramático do espaço/tempo que, não renegando alguma teatralidade, exponencia as virtualidades da linguagem cinematográfica, em particular no domínio específico da montagem. Era, além do mais, uma utilização calculadamente atípica de Sean Connery, na altura no auge do seu período James Bond.


Daí a importância do seu encontro com Dede Allen (1923-2010), incomparável senhora da arte da montagem que, em particular através da sua colaboração com Arthur Penn (iniciada em 1967, com Bonnie e Clyde), estava a reinventar, por vezes estilhaçando, formas e ritmos da narrativa clássica. O primeiro filme de Lumet montado por Allen é Serpico, admirável na construção afectiva de um tempo eminentemente interior, seguindo-se o genial Dog Day Afternoon/Um Dia de Cão (1975), retrato vibrante de um assalto falhado a um banco, baseado num caso verídico ocorrido em Brooklyn — ponto comum a ambos os filmes é a presença de Al Pacino, por certo em duas das composições mais radicais de toda a sua carreira.

Entre outros grandes actores, marcados pelos valores do Actors Studio, que Lumet dirigiu incluem-se Rod Steiger (The Pawnbroker/O Agiota, 1964), Paul Newman (The Verdict/O Veredicto, 1982) e Jane Fonda (The Morning After/A Manhã Seguinte, 1986).

Além do mais, os dois filmes com Pacino ilustram a dimensão social do cinema de Lumet, quase sempre alicerçada, no plano estético, num contundente gosto realista e, em termos temáticos, na observação atenta das contradições internas do(s) universo(s) familiar(es). Tais preocupações manter-se-iam até ao título final da sua filmografia, o fabuloso Before the Devil Knows You’re Dead/Antes que o Diabo Saiba que Morreste (2007), com uma extraordinária galeria de actores que incluía Philip Seymour Hoffman, Ethan Hawke, Albert Finney, Marisa Tomei, Michael Shannon e Amy Ryan.


Vale a pena citar mais três títulos de Lumet, exemplarmente simbólicos dos valores e vectores do seu trabalho:
The Group (1966), com Candice Bergen, Joan Hackett e Shirley Knight: adaptando o romance homónimo de May McCarthy, nele se faz um retrato subtil de um grupo de mulheres, estudantes universitárias na década de 30, cujas temáticas (amor livre, contracepção, aborto, etc.) ecoam de modo muito directo as convenções sociais e simbólicas da década de 60 — é um filme precioso, muito raro, nunca estreado no nosso país.
Network/Escândalo na TV (1976), com Faye Dunaway, William Holden e Peter Finch: escrito pelo grande Paddy Chayefsky, é um dos primeiros e mais contundentes objectos de cinema a denunciar o populismo crescente das televisões.
Running on Empty/Fuga Sem Fim (1988), com Christine Lahti, Judd Hirsch e River Phoenix: melodrama centrado numa família americana que vive em fuga (os pais, activistas políticos, foram responsáveis pela destruição de uma fábrica de napalm nos anos 70), é muito provavelmente o filme mais depurado de toda a obra de Lumet, tocando o coração da identidade americana, seus valores e contradições.


Cinco vezes nomeado para os Oscars — quatro como realizador (Doze Homens em Fúria, Um Dia de Cão, Escândalo na TV e O Veredicto), uma como argumentista (Príncipe da Cidade) —, nunca ganhou. Em 2005, a Academia de Hollywood distinguiu-o com um prémio honorário. No discurso de aceitação, antes de se dirigir aos seus familiares, Lumet deixou estas palavras: “(...) creio que tudo se resume a que gostava de agradecer aos filmes. Sei que parece um pouco vago, mas é muito real para mim. Tenho o melhor trabalho na melhor profissão do mundo — e quero agradecer tudo isso.”

>>> Trailer de Dog Day Afternoon.


>>> Good Morning America: na rodagem de Running on Empty.


>>> Stephen Holt Show: entrevista com Sidney Lumet.


>>> Obituário no New York Times.